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As mulheres utilizam o transporte coletivo para chegar ao trabalho, escola, mercado, academia etc. Mas também para levar filhas e filhos à escola, familiares ao médico e fazer compras para suprir necessidades domésticas, ou seja, para realizar atividades de cuidado. Em muitas cidades elas são a maioria das usuárias.
Muitas fazem esses deslocamentos todos em apenas um dia e, para isso, precisam planejar os destinos para que sejam complementares entre si. Por exemplo, na ida, deixar as crianças na escola, passar no banco para pagar contas e prosseguir para o trabalho. Já na volta, ir ao mercado, comprar o remédio da avó na farmácia, passar novamente na escola e enfim chegar em casa. Ufa!
Não bastasse essa correria do dia-a-dia, esses deslocamentos são feitos de forma precária, enfrentando calçadas em mau estado, ou até a falta delas, veículos lotados, insegurança, longo tempo de espera em pontos de ônibus, entre outras dificuldades já tão conhecidas e persistentes.
Aqui apresentamos alguns dos problemas que as mulheres encontram para se locomover no Brasil. Também explicamos quais são os seus direitos em relação à mobilidade e trazemos exemplos de iniciativas que têm ajudado a promovê-los em várias cidades.
Integração temporal e de tarifa
Para conseguirem cumprir todas as obrigações e necessidades do dia-a-dia, as mulheres optam por destinos mais fáceis e baratos de serem alcançados. A possibilidade de pegar mais ônibus pagando apenas uma tarifa durante certo período de tempo ajuda muito nesse sentido. A isso dá-se o nome de integração temporal e tarifária no sistema de transporte coletivo.
Economiza tempo porque a integração possibilita substituir um ônibus que faz um trajeto mais longo por dois ônibus que passam por corredores e faixas exclusivas, garantindo prioridade para os veículos coletivos em meio ao trânsito. Muitas cidades brasileiras já contam com sistemas integrados, tarifária e temporalmente, como São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Belém, Curitiba e Mato Grosso do Sul. Outras, com corredores e faixas exclusivas, inclusive mapeadas pelo Idec.
Gestantes, mães e mobilidade reduzida
Na capital paulista, e em outras cidades como Salvador e Rio de Janeiro, as mulheres são as que mais caminham. Muitas fazem todos os seus deslocamentos integralmente a pé e, infelizmente, o que encontram pelo caminho são degraus, buracos e pisos escorregadios. Essa situação é ainda mais desafiadora para mulheres que circulam com crianças em carrinhos, cadeirantes ou com mobilidade reduzida.
Em algumas cidades, mulheres gestantes, lactantes ou com crianças de colo contam com alguns benefícios no transporte coletivo. Na cidade de São Paulo, por exemplo, existe o Bilhete Mãe Paulistana, cartão eletrônico destinado às gestantes cadastradas pela prefeitura. Já no Distrito Federal e em Fortaleza, responsáveis por crianças de colo têm acesso a bilhetes infantis, evitando que os pequenos precisem ser suspensos no colo ou arrastados no chão para passar pela catraca.
Segurança
O desembarque fora do ponto de ônibus em horários específicos também é um direito previsto na legislação de muitos municípios. A medida tem o objetivo de dar mais segurança para as mulheres que se deslocam no horário noturno. Até porque, pesquisas indicam que o ponto de ônibus é o lugar onde elas mais sentem medo.
Esse também é o caso de São Paulo, que assegura esse direito a mulheres, travestis e transgêneras, entre 22h e 5h. Isso porque toda a população feminina é alvo da violência, sobretudo as mulheres negras (pretas e pardas). Já em Porto Alegre, a legislação garante não somente o desembarque, mas também o embarque, dando mais segurança para as trabalhadoras que antes do amanhecer já estão no ponto à espera do primeiro ônibus.
O medo da violência também está dentro dos ônibus, vagões de trem e metrô. Para combater a importunação e o abuso sexual no transporte coletivo, cidades como Fortaleza adotaram sistemas conhecidos como “botão antipânico”. Ao apertá-lo, as imagens das câmeras de vigilância são enviadas à Polícia Civil e podem ser utilizadas como prova do crime. O mesmo sistema está em fase de implementação nos ônibus da capital paulista. No sistema de metrô que atende a Região Metropolitana de São Paulo, as mulheres vítimas desse tipo de violência podem solicitar ajuda via SMS ou através do aplicativo Metrô Conecta. O serviço só não está disponível na Linha Amarela, sob concessão privada.
Bicicleta
A insegurança afasta as mulheres do transporte público. Algumas delas acabam optando por utilizar carros ou motos, seja como motoristas ou carona. Mas esses automóveis são pouco acessíveis, sobretudo para mulheres de menor renda, como as moradoras de áreas periféricas ou vulneráveis, ambiental e economicamente.
Ao mesmo tempo, a velocidade das ruas afasta as mulheres das bicicletas. Atualmente, a maioria dos ciclistas são homens. Muitas mulheres sequer aprendem a pedalar ou são desestimuladas a tentar ao longo da vida. Em idade adulta, o medo da queda une-se aos riscos oferecidos pelo trânsito. No entanto, medidas de redução da velocidade veicular e de implantação de ciclovias e ciclofaixas são capazes de estimular a adoção da bicicleta por mulheres, como indica pesquisa realizada pelo Idec.
Também ajudam nesse sentido a existência de bicicletas compartilhadas e locais de estacionamento adequados, além da interligação dessa infraestrutura com o transporte coletivo, possibilitando o que chamamos de intermodalidade.
Planejamento e operação
Entre as pessoas que trabalham na operação dos serviços de transporte público há muitas mulheres. Apesar de poucas estarem com o volante ou painel de comando na mão, cada vez mais elas fazem parte de equipes de segurança, manutenção e operação. Isso contribui não apenas para a inclusão no mercado de trabalho, como para que as passageiras sintam-se mais confortáveis na hora de pedir para desembarcar fora do ponto, no momento de relatar um episódio de violência ou solicitar ajuda para algum problema do dia-a-dia.
As mulheres também estão presentes na construção de políticas públicas de mobilidade e transporte, assim como na elaboração de planos e projetos, que depois são transformados em novas estações de metrô, linhas de ônibus e sistemas de bicicletas compartilhadas. A presença delas em postos de tomada de decisão ainda é reduzida, principalmente quando se trata de mulheres negras. A falta de participação social na gestão pública aprofunda esse problema, pois dificulta a atenção às necessidades das mulheres na configuração da infraestrutura e serviços de mobilidade urbana.
Assim, podemos dizer que as mulheres estão em muitos lugares, mas infelizmente não estão em todos. Ao serem privadas do direito à mobilidade são impedidas de desfrutar de cidadania plena que, traduzindo, significa acessar direitos, como saúde, trabalho e lazer, e serviços essenciais. É importante lembrar que transformar esses espaços para que sejam mais justos e inclusivos para mulheres também é transformar as cidades, que são de toda a sociedade, para abrigar a pluralidade (raça, idade, orientação sexual, renda).