Bloco Associe-se

Associe-se ao Idec

Recuperação judicial da 123milhas: como ficam os consumidores?

Empresa que suspendeu viagens de linha promocional entrou em recuperação judicial e aumentou as incertezas para quem comprou pacotes e passagens

separador

Atualizado: 

01/09/2023

A situação da empresa de viagens 123milhas tem avançado para um caminho muito preocupante para o consumidor. Após anunciar a suspensão de viagens já vendidas em uma linha promocional e adotar práticas contrárias ao Código de Defesa do Consumidor ao oferecer voucher como única opção de reparação, a empresa deu entrada a um pedido de recuperação judicial, acatado pela Justiça.

Esse anúncio aumentou ainda mais as incertezas das pessoas consumidoras já afetadas e preocupa quem têm viagens ou passagens compradas com a empresa. Como os consumidores ficam nesse caso? No momento a situação é delicada, mas ainda assim, aqueles que se sentirem lesados podem e devem seguir as orientações abaixo e inclusive ingressar com ações judiciais, visando minimizar os prejuízos e terem seus direitos resguardados.

Mas o que é recuperação judicial?

A nova Lei de Falências (Lei 14.112/20) é um dispositivo legal, aprovado no final de 2020, cujo intuito é alterar e modernizar a lei de falências e recuperação judicial e extrajudicial vigente até então (Lei 11.101/05).

A recuperação judicial é um meio utilizado por empresas para evitar que sejam levadas à falência. O processo permite que companhias suspendam e renegociem parte das dívidas acumuladas em um período de crise, evitando o encerramento das atividades, demissões e falta de pagamentos. Ela tem como objetivo principal apresentar um plano de recuperação financeira exequível, que mostre aos credores que a empresa possui condições de se reerguer, caso consiga renegociar suas dívidas.

Uma das principais consequências da aprovação do plano de recuperação consiste na suspensão da maior parte dos débitos da empresa, ou seja, o pagamento aos credores é adiado ou suspenso por tempo determinado, permitindo que a empresa foque no pagamento de funcionários, tributos e matéria-prima, essenciais para o funcionamento do negócio.

Onde os consumidores se encaixam?

A Lei de Falências prevê uma ordem para pagamento dos credores, dando prioridade para outros grupos antes do consumidor. Na frente dos consumidores, há os créditos trabalhistas, os tributários e os pautados em garantia real. Caso o valor arrecadado não seja suficiente para o pagamento, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê a facilitação da desconsideração da personalidade jurídica da empresa em prol dos consumidores. E o que isso significa? Que o consumidor poderá pedir ao juiz que os donos ou sócios da empresa responderão com os seus bens pessoais para pagamento da dívida com o consumidor.

Importante destacar que pelas regras da Lei de Falências, só se avança para o pagamento da categoria seguinte se a anterior estiver totalmente satisfeita. E, caso não existam ativos suficientes para pagamento total da categoria, faz-se o rateio proporcional, o que significa que os consumidores, além de esperar por sua vez para serem ressarcidos, podem receber menos do que pagaram.

Isso deixa claro que a recuperação judicial é menos prejudicial do que a falência, mas isso não significa que seja algo bom para os consumidores, pois eles são credores que dificilmente são devidamente representados no processo de diálogos e discussões da recuperação judicial.

A empresa cumpriu a lei após a suspensão dos pacotes? 

Não. O CDC prevê a máxima "prometeu, cumpriu", ou seja, a empresa não pode realizar uma oferta e deixar de cumpri-la. Se a empresa cancelou sua viagem você tem direitos que devem ser respeitados. 

Para solucionar o problema, a 123milhas ofereceu vouchers, que são como um vale-compras para serem usados na mesma empresa, por vezes até com um acréscimo de correção. Entretanto, essa não pode ser a única forma de reembolsar o valor, pois essa imposição viola o artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor. Cabe ao cliente o direito de escolher a forma de reembolso.

As opções para o reembolso, em caso de descumprimento de oferta, são as seguintes:

  1. Cumprimento forçado da oferta.
  2. Reembolso de todo o valor já pago, inclusive com correção monetária.
  3. Aceitar produto ou serviço equivalente.

Em muitos casos o voucher poderia valer a pena, mas se os valores de uma nova passagem ou pacote forem muito superiores ao da compra original ou simplesmente quiser comprar em outra empresa, saiba que você não é obrigado a aceitar o voucher. Essa escolha cabe única e exclusivamente ao consumidor. Após o pedido de recuperação judicial, a empresa deixou de atender até a remarcação de viagem com os vouchers, o que ja era um abuso por parte dela, já que o pedido ainda não havia sido homologada pela Justiça, o que aconteceu nesta quinta-feira (31).

Agora que a Justiça aceitou a recuperação judicial, como fica?

Na sentença, a magistrada destacou uma especial proteção ao consumidor, dizendo que será admitido a intervenção de todos os órgãos colaboradores que possam informar, mediar, apresentar propostas e fiscalizar as etapas processuais. E ainda diz que: “na eventual constatação de irregularidades, desvios de finalidade, negligência em relação ao mercado de consumo, a possibilidade da implantação das medidas protetivas especialmente da desconsideração da personalidade jurídica previstas no art. 28 do CDC e 50 do Código Civil de 2002” o que entendemos que traz de uma certa forma mais segurança aos consumidores de que terão sim seus direitos resguardados, ainda que isso possa demorar um tempo maior.

O processo recuperação judicial segue os seguintes trâmites:

Pedido de Recuperação Judicial – quando a empresa faz a solicitação ao Judiciário, o que já ocorreu.

Suspensão das Cobranças - Após o pedido de recuperação judicial ser aceito (o que também ja ocorreu), são suspensas todas as execuções e prescrições em favor da empresa, pelo prazo de 180 dias.

Definição do administrado judicial - O juiz nomeia um administrador judicial para o caso. Entre as funções do administrador está contatar os credores e responder às dúvidas dos mesmos, informar datas relacionadas ao processo, solicitar assembleias, acionar a Justiça e fazer a seleção e contratação de empresas e profissionais necessários à conclusão da recuperação.

Criação do plano de recuperação - a partir do momento da decisão judicial da recuperação judicial, a empresa devedora tem o prazo de 60 dias para apresentar a formalização de um plano para reorganização financeira e pagamento de credores. O plano de recuperação, portanto, precisa estabelecer como as obrigações financeiras e fiscais da empresa serão cumpridas. Deve, ainda, pormenorizar como se dará a relação com credores e colaboradores.

Aprovação do plano de recuperação - a apresentação do plano de recuperação ao juiz não significa que a proposta já pode ser colocada em prática. É preciso, primeiro, que os credores não apresentem objeção a ela. Podendo ser aprovado, rejeitado ou modificado. E, por fim, se aprovado o plano, deverá a assembleia definir um comitê de credores, com membros titulares e substitutos.

Execução do plano de decretação de falência - Uma vez aprovado o plano de recuperação, é hora de executá-lo. O acompanhamento dessa execução e a apresentação de relatórios mensais ao juiz são tarefas do administrador judicial. Se o plano de recuperação apresentado pelos próprios credores não for aprovado, é possível ao juíz decretar a falência da empresa. O mesmo poderá ocorrer se o plano de recuperação aprovado não for cumprido em sua integralidade.

E se a empresa falir?

Caso a companhia decrete falência, o consumidor deve tomar as providências devidas conforme a sua situação. Em geral, caso a empresa esteja “devendo” algo para o cliente (como a prestação de um serviço já pago), é necessário entrar com uma ação judicial para tentar recuperar o prejuízo. 

Mas como chegamos até aqui? 

Essa situação toda aconteceu porque as autoridades brasileiras deixaram isso acontecer, pois deixaram de atuar contra a venda desses tipos de pacotes muito obscuros. E por isso, agora, os órgãos de defesa do consumidor, como a Senacon e Procons precisam atuar para garantir que a recuperação judicial não represente a consolidação do calote da empresa aos consumidores. 

É um absurdo isso acontecer no Brasil: uma empresa gastar fortunas em publicidade e propaganda, dar calote nos consumidores, afirmar que não vai devolver o dinheiro das pessoas, e ainda pedir a proteção de uma recuperação judicial que pode acabar consolidando o calote em definitivo.

O Idec espera que as autoridades de defesa do consumidor e o judiciário não abandonem as famílias que investiram suas economias nos pacotes turísticos falsos dessa empresa. 

Como exigir meus direitos quando problemas como esse acontecem?

Está passando por essa situação? Confira alguns caminhos:

1. Procurar a empresa

A primeira medida é tentar resolver diretamente com a empresa. Porém, como há relatos de dificuldade no contato direto com a empresa - que costuma ser um atendimento robotizado e que não solucionam o problema e apenas desgastam o consumidor - você pode utilizar a plataforma consumidor.gov.br e fazer a reclamações do seu problema por escrito. Guarde o comprovante.

2. Registrar reclamação no Procon

Se ainda assim quiser registrar outra queixa, é possível levar a reclamação ao Procon, que poderá abrir um processo administrativo. Também é importante registrar a reclamação no órgão para que ele tenha ciência da quantidade de reclamações sobre o problema e para incentivar uma investigação aprofundada da situação.

O procedimento do Procon varia conforme o Estado e Município que você reside, mas é possível encontrar informações no site do órgão ou na agência mais próxima de sua residência – alguns permitem que o procedimento seja feito de forma online.

Saiba mais como esse órgão público pode te ajudar aqui.

3. Recorrer à Justiça

Se mesmo tentando a negociação amigável a empresa não resolver seu problema, a última medida é o ingresso na Justiça. Além disso, raramente as empresas indenizam o consumidor por danos em negociação amigável, então a abertura de processo judicial se mostra como uma medida eficaz caso você tenha sofrido danos adicionais com a perda das passagens ou viagem. Em especial nesse caso da 123milhas.

Se o valor do pacote somado com eventuais danos for inferior a 20 salários mínimos (R$ 24.240 reais em 2022), é possível entrar com processo no Juizado Especial Cível, gratuitamente e sem advogado. Saiba como entrar com ação no JEC.

O que fazer se precisei viajar?

Você deve saber que se sofrer algum dano adicional, como prejuízo por perda de viagem a trabalho, de férias, de evento familiar ou show, ou precisou adquirir novas passagens, a empresa deve indenizar por essas perdas e danos. Por isso, é importante que você guarde todos os comprovantes de contato com a empresa e de todos eventuais danos e prejuízos sofridos.

O Idec pode te ajudar a reclamar

Como organização da sociedade civil, trabalhamos para que as relações de consumo sejam mais justas e equilibradas no âmbito coletivo. E se consumidores enfrentam problemas com algum produto ou serviço e precisam recorrer aos órgãos de defesa do consumidor para reclamar, oferecemos orientações para esse processo, desde como contatar a empresa e até, se for o caso, ingressar na Justiça para exigir seus direitos.

Por meio do Idec Orienta, nosso banco de auto consulta, disponibilizamos informações sobre diversas situações e os direitos dos consumidores e modelos de cartas e petições feitas por nossos especialistas para reclamar com a empresa e ingressar com ação judicial, como nesse caso de descumprimento de oferta.

Esse e outros benefícios são exclusivos para associados e associadas do Idec. Veja como se juntar a nós e ainda contribuir com a realização do nosso trabalho.