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Posicionamento sobre a reforma do Cadastro Positivo

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Atualizado: 

02/08/2019
Posicionamento sobre a reforma do Cadastro Positivo

Em todo o processo de tramitação da reforma do Cadastro Positivo, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) se manifestou de forma crítica. Primeiro, apontamos que a forma como o projeto tramitou no Congresso reservou pouco espaço à participação e construção de diálogo com a sociedade. Não houve uma consulta pública ou audiência sobre o projeto, em que diferentes perspectivas sobre o tema pudessem ser debatidas.

Foi apenas após um grande esforço do Idec e de outras organizações que o projeto chegou a ser modificado com algumas de nossas reivindicações, dando um pouco mais de proteção ao consumidor. Mas, ainda assim, a Lei deixa a desejar em muitos pontos.

O primeiro ponto é a própria inclusão automática dos cidadãos no cadastro, a mudança do sistema de opt-in (em que o consumidor faz a escolha de ser incluído) para um opt-out (em que o consumidor deve escolher para ser removido). Para o Idec, essa mudança entra em colisão com os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e o Código de Defesa do Consumidor, que preserva o direito à “autodeterminação informativa” do cidadão.

Em outras palavras, preserva o direito dele ter maior controle sobre todo o seu fluxo de informações, algo de grande importância considerando a centralidade da utilização e exploração de dados pessoais como ativo econômico para novos mercados em expansão. A regra geral, por conta disso, é necessidade de consentimento do usuário antes de um tratamento de dados acontecer, ao contrário do que diz a reforma do Cadastro Positivo.

Isso levanta também uma grande preocupação do Instituto em relação à segurança da utilização dessas informações. É necessário lembrar que a Lei Geral de Proteção de Dados somente entrará em vigor em agosto de 2020, sendo que  ainda está em discussão no Congresso a moldura institucional que terá a Autoridade de Proteção de Dados, órgão responsável por monitorar e fiscalizar a aplicação da Lei. Sem a sua criação, os birôs de crédito muito provavelmente irão se favorecer de um “limbo” normativo, o que incentivará que as operações de tratamento de dados sejam realizadas sem o devido cuidado ou adequação.

Quanto ao argumento de que a inclusão automática no Cadastro Positivo pode ser boa para o consumidor, para abaixar os juros de suas operações e facilitar o acesso ao crédito, não há garantias concretas em relação a isso. O problema dos juros no Brasil é bastante complexo e não será apenas resolvido por uma modificação na lei. Ademais, em outros países aderentes a esse sistema, não é difícil que pessoas cuja renda é mais baixa ou estão desempregadas, mesmo que paguem suas contas em dia, ainda sigam com uma pontuação mais baixa e sem conseguir crédito para fazer um empréstimo ou financiar uma casa com taxas mais baixas. Há, também, muitas críticas relativas à possibilidade de discriminação das pessoas com base em seu parentesco ou convívio social.  

Por outro lado, também não há como isso possa ajudar a combater o problema do superendividamento no Brasil. Em mini-documentário produzido pelo Idec, inclusive, analisamos como um senhor - que já fazia parte há anos do Cadastro Positivo - teve mais de 100% de sua renda comprometida com dívidas bancárias. O caso não é isolado da realidade brasileira. Tudo indica que os consumidores, com a abertura do cadastro, estarão ainda mais expostos ao assédio de instituições financeiras oferecendo empréstimos ou serviços que contribuirão para “aumentar sua pontuação”.

Outro problema está relacionado à transparência desses sistemas. Há muitas reclamações em sites como o consumidor.gov.br sobre dificuldade de acesso às informações utilizadas para composição da nota de crédito e sobre o uso indevido de informações, sem autorização. O número de reclamações, inclusive, tem crescido exponencialmente desde 2015 para cá, como verificado em levantamento feito recentemente.

Aliado ao tema da transparência, está a falta de definição adequada sobre o que serão consideradas informações excessivas. De acordo com a Lei, informações que não sejam relevantes para a análise de crédito não deverão ser utilizadas. Porém, definir o que é relevante ou não para a análise e composição da nota ainda será uma discricionariedade da empresa. Ou seja, fica aberta a possibilidade de empresas utilizarem informações “alternativas”, isto é, dados sobre as preferências pessoais de um usuário nas redes sociais ou o seu histórico de navegação, dentre outros, caso os considerem relevantes para a pontuação. Assim, não há nenhum impedimento claro para que uma pessoa seja não seja julgada como “menos confiável” apenas por sua maneira de manifestar-se nas redes.

Por fim, os mecanismos de “saída preventiva” do cadastro, ao qual os cidadãos podem recorrer dentro de 90 dias, também estão bastante nebulosos. De acordo com a Lei, qualquer pessoa pode comunicar a um birô que não quer fazer parte do Cadastro. Porém, não se sabe ainda como, e se, esse processo será auditado, ou como será a comunicação de um birô para o outro sobre essas preferências. Nesse sentido, a Lei também trata pouco das campanhas de informação que devem esclarecer ao consumidor o que está sendo modificado, deixando a divulgação das novas regras a cargo somente dos entes privados.

Como visto, ainda há muito o que avançar no tema para que os direitos dos cidadãos estejam efetivamente protegidos. O Idec, por conta de todos esses pontos, acredita que o novo cadastro positivo, por incluir todos os consumidores automaticamente, viola o direito à privacidade protegido pela Constituição Federal e colide com os princípios da Lei Geral de Proteção de Dados. Além disso, tende a criar um ambiente no qual, de um lado, muitos consumidores considerados “maus pagadores” podem ser discriminados e, de outro lado, os que são “bons pagadores” tendem a ser vítima de assédio abusivo de operadores de crédito, como já ocorre hoje com aposentados e pensionistas do INSS.

Por isso, o Idec seguirá vigilante, acompanhando a implementação da nova legislação para evitar abusos e violações, cobrando das empresas e do governo o respeito aos direitos dos consumidores.

 

 

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