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Atualizado:
Foi sancionado na segunda-feira (8/4) o projeto que prevê a inclusão obrigatória de todos os consumidores (pessoas físicas e empresas) no cadastro positivo, um banco de dados administrado por empresas como Serasa, Boa Vista Serviços,Quod e SPC Brasil.
Destaque na mídia, o projeto promete queda dos juros bancários e de facilitação de crédito, mas será que é mesmo assim? Entenda as novas regras:
1) O que é o novo cadastro positivo?
O cadastro positivo é um sistema de pontuação que reúne informações sobre uma pessoa para avaliar o risco de oferecer crédito a ela. Dessa forma, ela medirá se você é “mais confiável” para receber um empréstimo, um financiamento, ou uma compra no cartão de crédito. O sistema existe desde 2011, mas precisava da autorização prévia do usuário para que suas informações pudessem ser avaliadas pelos birôs de crédito, como Serasa Experian, Quod e Boa Vista SPC. Aprovado pelo Congresso Nacional em 8 de abril de 2019, o novo cadastro positivo modifica essa regra: agora, a abertura do cadastro será feita de forma automática, não mais voluntária, abrangendo todos os consumidores brasileiros.
2) Como o sistema funciona?
O sistema pontua cada consumidor com uma nota que pode variar de 1 até 1000, calculada a partir das informações coletadas pelas empresas, com seus dados financeiros, sua renda, pagamento de contas de energia, água, telefone, entre outros. Quanto mais perto de 1, “menos confiável” a pessoa é considerada para uma oferta de crédito. Inversamente, quanto mais próximo de 1000, maior a sua chance de ser considerado um bom pagador.
3) Quem elabora a pontuação?
As responsáveis por coletar as informações e elaborar uma pontuação são as empresas especializadas em análise de crédito, como Serasa, Boa Vista, Quod e SPC. Para isso, elas utilizam sistemas automatizados, chamados de algoritmos, que atribuem um valor diferente para cada usuário, resultando na nota final. Essas empresas podem então compartilhar a nota de cada consumidor com varejistas, instituições financeiras e bancos, que irão avaliar se concedem crédito e sob quais taxas de juros, de acordo com a capacidade de pagamento que avaliam que os clientes possuem.
4) Quais informações poderão ser acessadas pelas instituições financeiras e empresas?
O gestor do banco de dados será autorizado a disponibilizar às instituições financeiras e empresas somente a pontuação de crédito dos consumidores. O histórico de crédito do consumidor, com acesso aos dados específicos sobre pagamentos, somente poderá ser acessado pelas instituições financeiras e empresas mediante prévia autorização específica do cadastrado.
5) Quais informações podem e não podem ser utilizadas para “pontuar” o consumidor?
Pode: Serviços de proteção ao crédito poderão utilizar dados de suas contas pessoais - como água, luz, gás, internet e aluguel, além de todas as compras feitas à prazo. Informações sobre seus familiares, dependentes ou de primeiro grau (pais, mães, filhos e filhas), também podem ser utilizadas para classificar os consumidores como potenciais bons ou maus pagadores.
Não pode: É vedado o uso de dados pessoais conhecidos como “sensíveis” e que façam distinção de gênero, raça e classe social, como por exemplo, a região em que você mora. Contudo, há uma grande zona cinzenta, pois as empresas avaliadoras de crédito buscam informações indiretas sobre os consumidores para enquadrá-los em um perfil sócio-econômico específico, o que pode gerar critérios distorcidos que prejudiquem os que forem enquadrados em “grupos de risco”.
6) Por que estar no novo cadastro positivo não é necessariamente bom?
Ao entrar no cadastro positivo, você passará a ser avaliado por essas instituições de diversas formas, e mesmo estando em dia com suas contas, poderá ser mal avaliado pelos operadores de crédito, podendo inclusive ter empréstimos negados - ou aceito com juros muito elevados - por ter uma pontuação baixa dada por esses operadores de crédito. Além disso, estar no cadastro positivo significa dar o seu aval para essas empresas buscarem todo tipo de informação sobre sua vida.
7) Atrasos em contas comuns podem reduzir minha pontuação?
Sim, atrasos em contas de luz, água, internet e telefonia levarão sua pontuação para baixo, fazendo com que você passa ser considerado um mau pagador. Mesmo que a cobrança pelos fornecedores dos serviços seja indevida, a débito será informado às empresas avaliadoras de crédito.
8) Posso não entrar no cadastro positivo?
A nova lei determina que o ingresso no cadastro positivo é automático, mas dá ao consumidor o direito de solicitar a retirada e/ou inclusão de seu nome a qualquer tempo. O cancelamento e a reabertura de cadastro somente serão processados mediante solicitação gratuita do cadastrado ao gestor, por meio telefônico, físico e eletrônico, e a solicitação deve ser processada em até 2 dias.
9) Se eu optar por retirar neu nome do cadastro, eu posso sofrer represálias ou ter crédito negado por isso?
Não, mas é preciso ficar atento. Você não poderá sofrer represálias por não querer compartilhar os seus dados no cadastro positivo, sobretudo se não possuir interesse em obter crédito e empréstimos no mercado, e também, para se proteger de publicidade e oferta de crédito. A proteção de sua privacidade não pode gerar qualquer tipo de discriminação. Se isso ocorrer, recorra ao Procon e registre sua reclamação na Ouvidoria do Banco Central.
10) Posso ter acesso aos meus dados?
Sim. O consumidor possui o chamado direito à explicação, que é o direito de saber quais dados foram utilizados e como os mesmos foram manejados. As empresas de avaliação de crédito possuem 10 dias para atender de forma gratuita aos pedidos de explicação dos consumidores, incluindo as informações sobre ele existentes no banco de dados, inclusive seu histórico e sua nota ou pontuação de crédito. A solicitação pode ser realizada por meio telefônico ou eletrônico, e as instituições devem oferecer formas simplificadas para que o consumidor possa fazer essa solicitação.
11) Posso solicitar a revisão dessas informações?
Sim, caso julgue que as informações estão incorretas ou que foram utilizadas de forma a prejudicá-lo, você pode solicitar a impugnação, ou seja, refutar qualquer informação sobre você que esteja erroneamente anotada em banco de dados e ter, em até 10 dias sua correção ou seu cancelamento em todos os bancos de dados que compartilharam essa informação.
12) Para quem recorrer caso me sinta lesado?
Caso se sinta lesado, você poderá recorrer aos órgãos de proteção e defesa do consumidor, como o Procon, que podem aplicar medidas corretivas e determinar às empresas de avaliação de crédito excluir do cadastro informações incorretas, no prazo de 10 dias, bem como de cancelar os cadastros de pessoas que solicitaram o cancelamento.
13) Quem tem responsabilidade sobre essas informações?
São responsáveis por eventual dano que causarem ao cadastrado - de forma objetiva (independente de culpa) e solidária (todos respondem de forma igual -, as empresas de banco de dados, as empresas que concedem crédito e que impliquem risco financeiro, inclusive as instituições financeiras e os prestadores de serviços continuados de água, esgoto, eletricidade, gás, telecomunicações e assemelhados, além das empresas que verificarem a pontuação de crédito.
14) A partir de quando passa a valer o novo cadastro?
A Lei do novo cadastro positivo entrará em vigor a partir de 91 dias após a publicação. Ou seja, os cadastros poderão ser abertos a partir do dia 9 de julho de 2019. Até lá, as empresas deverão divulgar amplamente as normas do novo cadastro, bem como a possibilidade de seu cancelamento prévio. A abertura do cadastro também deverá ser comunicada aos usuários dentro de 30 dias. Além disso, apenas 60 dias após a abertura do cadastro, as informações dos usuários poderão ser compartilhadas com outras empresas, que poderão utilizá-la para decidir sobre a concessão de crédito para uma pessoa ou não.
15) Os bancos afirmam que os juros vão baixar com o novo cadastro positivo, é verdade?
Como não há transparência sobre as informações que serão utilizadas e quais critérios serão adotados, não é possível assegurar que essas medidas irão reduzir a inadimplência e os juros. Na opinião do Idec, o cadastro positivo é insuficiente para avaliar a capacidade de crédito num cenário de crise econômica, desemprego e redução de renda. Pelo contrário, a tendência é que as informações contribuam para o aumento do risco e elevação dos juros, diante da pouca flexibilidade das instituições em renegociar dívidas em atraso.
16) Qual a posição do Idec sobre o novo cadastro positivo?
O Idec considera que a inclusão automática dos consumidores no novo cadastro positivo conflita com a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 12.965/2018) e o com o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), que afirmam o princípio da autodeterminação informativa, reconhecem a vulnerabilidade do consumidor e determinam o direito à informação adequada e clara. Além disso, a inclusão compulsória dos consumidores e o repasse de informações sobre os consumidores às empresas de análise de crédito viola o direito à privacidade consagrado na Constituição Federal.
Por conta da ausência de transparência sobre exatamente quais dados serão utilizados e como estes dados irão compor a pontuação dos consumidores, os mesmos correm o risco de serem discriminados de forma indevida na hora de solicitar crédito financeiro ou realizar compras no comércio, afetando negativamente suas vidas.
17) Para quem pode ser vantajoso ou prejudicial estar no cadastro positivo?
Não há uma única resposta para essa pergunta. Se você acredita que pode ser bem avaliado pelas empresas de avaliação de crédito por não atrasar contas, que isso é importante pra você e que o uso de seus dados pessoais por essas empresas não é algo problemático, permanecer no cadastro pode ser vantajoso. Mas se você não pretende tomar crédito, ou acredita que ficará com uma pontuação baixa por eventualmente atrasar contas de consumo, ou ainda não querer ter sua privacidade violada, o mais provável é que permanecer no cadastro seja prejudicial a você.
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