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A Câmara dos Deputados aprovou, na noite da última quarta-feira (09), o Pacote do Veneno (PL 6299/2002), que flexibiliza ainda mais o uso de agrotóxicos no país e substitui o atual marco legal (Lei 7.802), vigente desde 1989. A aprovação desse projeto coloca mais ainda em risco a saúde do consumidor e afronta a manifestação de organizações da sociedade civil que se posicionaram de forma contrária a ele.
"Precisamos é de uma Lei que elimine os agrotóxicos de alimentos. A aprovação deste PL demonstra que o Brasil está seguindo no caminho oposto do que apontam as pesquisas e conferências internacionais que mostram a necessidade de redução da utilização de agrotóxicos, com regulações e monitoramentos mais rígidos, protegendo as pessoas e os recursos naturais", explica a coordenadora do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec, Janine Coutinho.
A aprovação desse projeto na Câmara marca um retrocesso histórico, diante do contexto de crise econômica e de crescimento da fome pelo qual o Brasil atravessa. O texto viola diversos artigos da Constituição e acordos e tratados que o Brasil ratificou, uma vez que prevê a liberação de agrotóxicos cancerígenos; dá maior poder ao Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária), e desautoriza a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e Ibama; além de abrir espaço para uma “indústria” de Registros Temporários. O texto ainda precisa passar pela aprovação do Senado.
Para Alan Tygel, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a aprovação do Pacote do Veneno é “uma verdadeira derrota civilizatória”. “Vemos um grupo de supostos representantes da população decidindo algo completamente oposto ao verdadeiro desejo da sociedade. Além disso, vence o discurso de que vale tudo para produzir mais soja, enquanto o povo passa fome na fila do osso. Somos os campeões da soja e da fome. A quem interessa isso?”, questiona Tygel.
Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, organizado pela Rede PENSSAN, mais de 116,8 milhões de brasileiros estão em situação de insegurança alimentar.
Na contramão
A posição da maioria das e dos parlamentares ignora dezenas instituições científicas públicas, órgãos técnicos, entidades representantes do Sistema Público de Saúde, e de organizações da sociedade civil, que se manifestaram contra o PL 6299 por meio de notas públicas ao longo dos últimos dois anos. Entre elas estão a Anvisa, Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), o INCA (Instituto Nacional do Câncer), ONU (Organização das Nações Unidas), Defensoria Pública da União, Ministério Público Federal e do Trabalho.
Em pesquisa recente divulgada pelo Idec, constatou-se que os resíduos de agrotóxicos permanecem até em produtos ultraprocessados, como bisnaguinhas, bolachas recheadas, biscoito de água e sal, cereais matinais, bebidas de soja e salgadinhos. Foram 27 produtos analisados, divididos em oito categorias. Dessas, seis apresentaram resíduos de agrotóxicos.
De acordo com análise, os produtos onde foram identificados agrotóxicos são: a bebida de soja Naturis(Batavo); o cereal matinal Nesfit (Nestlé); os salgadinhos Baconzitos e Torcida (ambos da Pepsico); os pães bisnaguinha Pullman (Bimbo), Wickbold, Panco e Seven Boys (da Wickbold); os biscoitos de água e sal Marilan, Triunfo (Arcor), Vitarela e Zabet (ambos da M Dias Branco); as bolachas recheadas Bono e Negresco (Nestlé), Oreo e Trakinas(Mondeléz). São produtos que infelizmente muitas crianças comem todos os dias.
Uma bisnaguinha da marca Panco apresentou 8 tipos diferentes de agrotóxicos na análise realizada. "Com o aumento vertiginoso da aprovação dos venenos nos últimos anos somados à flexibilização a partir da Pacote de veneno, é bem provável que tanto a variedade de tipos de agrotóxicos como a quantidade deles presente aumente mais ainda os riscos à saúde", explica Janine Coutinho.
O uso de agrotóxicos e o consumo de ultraprocessados não estão apenas relacionados a sérios problemas de saúde pública, mas também à deterioração da saúde do nosso planeta, em um momento em que não podemos aceitar correr riscos. “O nosso trabalho continua para impedir que esse projeto seja aprovado no Senado", completa Coutinho. O Idec integra a Campanha Contra os Agrotóxicos, que mantém um abaixo-assinado que soma mais de 1,7 milhão de apoios, e segue aberta a adesões.
Mais e mais agrotóxicos
O Pacote do Veneno avança em um contexto de aumento recorde de liberação de agrotóxicos durante o governo Bolsonaro, parte deles extremamente tóxicos e muitos proibidos na União Europeia. Foram mais de 1.500 novos produtos liberados desde o início da gestão, 641 apenas em 2021.
O pedido de urgência para a votação do PL pelo plenário da Câmara partiu dos parlamentares Luiz Nishimori (PL/PR), Wellington Roberto (PL/PB), Pedro Lupion (DEM/PR), Isnaldo Bulhões Jr. (MDB/AL), Aline Sleutjes (PSL/PR), Nivaldo Albuquerque (PTB/AL), Cacá Leão (PP/BA), Efraim Filho (DEM/PB), Antonio Brito (PSD/BA), Alê Silva (PSL/MG), Vitor Hugo (PSL/GO) e Paulo Ganime (NOVO/RJ).