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A OMC retoma nesta quinta-feira (10) a análise de uma proposta apresentada por Índia e África do Sul para a suspensão de patentes e outros direitos de propriedade intelectual de tecnologias relacionadas ao combate à pandemia. Defensores da medida afirmam que os direitos de propriedade intelectual têm se mostrado uma barreira para o acesso a testes, vacinas e medicamentos, aumentando a desigualdade entre países e colocando em risco o enfrentamento à Covid-19 em todo o mundo.
As patentes são monopólios de comercialização concedidos pelo Estado a quem, em tese, cria um produto novo. No caso dos medicamentos, as patentes são historicamente polêmicas, tanto por impedirem a concorrência, levando ao aumento de preço e, portanto, dificultando o acesso, quanto pelo alto volume de recursos públicos investidos no desenvolvimento desses produtos. A vacina de Oxford, por exemplo, iniciou sua pesquisa com um aporte de 65,5 milhões de libras apenas do governo britânico, tendo recebido investimentos de vários outros governos, inclusive do brasileiro.
O texto será analisado pelo Conselho TRIPS, que reúne representantes de todos os países membros da OMC e é responsável por monitorar a aplicação do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio, o Acordo TRIPS. As decisões nesse órgão são geralmente consensuadas, mas nenhum regulamento impede que ele seja colocado em votação. Em caso de aprovação, o waiver (ou suspensão, em inglês) segue para avaliação do Conselho Geral, que tem uma reunião agendada para os dias 16 e 17 de dezembro.
O Brasil, que historicamente ocupou um lugar de liderança no debate global sobre acesso a medicamentos, é contrário à proposta e se alinhou aos países europeus e aos Estados Unidos - que concentram as sedes das grandes empresas farmacêuticas, as mais interessadas em manter o sistema de patentes intocado. A suspensão das patentes é apoiada pela maioria das nações do Sul Global, mais impactadas pelos altos preços das tecnologias em saúde.
O debate acontece em meio à corrida pela compra antecipada de doses de vacinas, que expôs ainda mais as limitações das iniciativas voltadas ao acesso equitativo aos imunizantes. A iniciativa Covax, por exemplo, que é financiada por países desenvolvidos, estima reunir doses para vacinar apenas 500 milhões de pessoas nos países menos desenvolvidos. Ao mesmo tempo, os países mais ricos já abocanharam seis bilhões de doses a serem produzidas nos próximos meses. Apenas o Canadá, que é um dos que se posicionaram contra a suspensão temporária das patentes, já negociou dez doses por habitante.
“A reunião desta quinta é uma oportunidade histórica para enfrentar esse sistema desigual, que afasta o mundo de uma solução coletiva global - e que, aliás, é a única possível em um cenário de pandemia”, afirma Matheus Falcão, assessor do Programa de Saúde do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). “Autoridades sanitárias, agências da ONU, especialistas e organizações da sociedade civil são enfáticas na necessidade de aprovação da medida, é fundamental que os governos estejam dispostos a ouvir esses argumentos”, completa.
Em outubro, mais de 60 organizações da sociedade civil, entre elas o Idec, e 1,2 mil personalidades e especialistas em saúde pública pediram o apoio do governo brasileiro à proposta. O País é um dos mais afetados pela pandemia e já registrou mais 175 mil mortes. De acordo com o manifesto, a “omissão” do governo “tem sido lamentavelmente sentida e pode gerar consequências graves para diversas populações em risco - incluindo a brasileira”.