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O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e outras 17 instituições participaram, na última segunda-feira (10), de uma audiência pública no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, para debater limites e parâmetros para um julgamento na Corte sobre os reajustes por faixa etária em contratos coletivos de planos de saúde. O tema é de extrema importância e pode, potencialmente, afetar milhões de consumidores que possuem planos de saúde no Brasil.
A questão que será julgada pela Segunda Seção do STJ é a validade da cláusula contratual de plano de saúde coletivo que prevê reajuste por faixa etária, além do ônus da prova do reajuste, o que significa definir de quem será a responsabilidade para provar se um reajuste é justo ou abusivo em uma ação. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pelo menos duas mil ações estão suspensas em todo o país aguardando essa decisão.
Durante a audiência pública, representantes de entidades de defesa do consumidor (Defensoria Pública da União, Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Idec e advogados de consumidores), acadêmicos (Grupo de Estudos sobre Planos de Saúde da Universidade de São Paulo (GEPS/USP) e Insper) - e de outros institutos e representantes das operadoras de planos de saúde apresentaram suas contribuições ao tema.
As entidades de defesa do consumidor e da academia ressaltaram que, quando se trata de contratos de planos de saúde, o consumidor é parte hipervulnerável e deve receber a proteção adequada. Essa atenção se justifica ainda mais nos casos dos planos coletivos, modalidade em que não existe um teto máximo para a fixação do reajuste anual e nos quais consumidores praticamente não tem acesso às informações sobre os custos dos serviços contratados.
“A realização da audiência pública foi de suma importância, pois ampliou o debate jurídico e técnico no âmbito do STJ. O judiciário tem sido um grande aliado dos consumidores na resolução de conflitos e no asseguramento dos direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor (CDC). A interpretação da validade das regras de reajuste por faixa etária em contratos coletivos tem que reforçar essa tradição, reconhecendo-se a vulnerabilidade do consumidor em relação às grandes empresas de planos de saúde. Essa decisão que está nas mãos do STJ agora pode afetar a vida de mais de 5 milhões de consumidores idosos”, ressaltou a advogada e coordenadora do programa de Saúde do Idec, Ana Carolina Navarrete, que participou da audiência pública em defesa dos consumidores.
Além do Idec, outras importantes contribuições foram feitas por instituições que estão próximas ao principais problemas vividos pelo consumidor de planos de saúde. O representante da Defensoria Pública da União (DPU), Dr. Edson Rodrigues Marques, indicou que é necessário respeitar os princípios da não discriminação e da igualdade nos contratos de saúde, observando, assim, o CDC e o Estatuto do Idoso. Além disso, também apresentou dados sobre o atendimento da instituição nos últimos anos, demonstrando que o público de assistidos acima de 50 anos cresceu.
O Prof. Dr. Bruno Miragem, do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), defendeu o direito básico do consumidor à informação (art. 6º, inciso III, do CDC), como também da proteção contratual (art. 46 CDC). A seu ver, o consumidor deve ser previamente informado sobre o reajuste por idade. Além disso, os estudos que embasam os cálculos devem estar em linguagem compreensível ao consumidor.
O Prof. Mário Scheffer (GEPS/USP) indicou, com base em estudos, que o número de ações judiciais contra operadoras aumentou exponencialmente nos últimos, em especial na temática dos reajustes. O professor relembrou também que o Tribunal de Contas da União (TCU), em auditoria realizada na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), concluiu que a agência não possui mecanismos para coibir reajustes abusivos.
Resolução da ANS insuficiente
O representante da Defensoria Pública de São Paulo, Rafael Muneratti, ressaltou que, muitas vezes, idosos se endividam para efetuar a contratação do plano e que, embora os cálculos e os parâmetros do reajuste possam ser considerados regulares, na prática, o consumidor é extremamente afetado. O defensor ainda alertou sobre a existência de uma prática abusiva de mercado chamada “seleção de risco preferencial” (em inglês, cream skimming), que promove a exclusão dos idosos das carteiras dos planos de saúde, ao selecionar grupos de consumidores com menor potencial de custos.
Ana Carolina Navarrete, do Idec, ressaltou que os parâmetros constantes na Resolução da ANS sobre o reajuste por mudança de idade (RN 63/2003) são insuficientes para evitar que, na prática, reajustes abusivos no último grupo etário não ocorram. Além disso, as determinações da Agência devem ser interpretadas, caso a caso, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003).
Em sua apresentação, o Idec chamou a atenção para o fato de o Poder Judiciário ser uma importante instância para a resolução de problemas de consumo, principalmente em questões ligadas à saúde. Dessa forma, o Instituto defendeu que o atual cenário revela que o reajuste atender às regras da ANS não é suficiente para considerá-lo válido; que o dever de provar que o reajuste não é abusivo é da operadora, que é quem tem as notas técnicas e as planilhas de custo; e que o momento processual para definir prova técnica e dever de prova é o despacho saneador.
Defesa econômica
Além da participação das entidades de defesa do consumidor, instituições ligadas a pesquisas econômicas indicaram dados do setor para defender a adequação dos parâmetros estabelecidos hoje pela ANS.
A Dra. Raquel Marimon, do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA), explicou que o atuário, ao fazer análise dos parâmetros de cálculo do contrato de plano de saúde, não pode fazer juízo de valor quanto à eventual abusividade dos parâmetros de cálculo. A Prof. Dra. Luciana Yeung Luk Tai, do Insper, defendeu que o Poder Judiciário deve estar atento a questões econômicas, com o objetivo de evitar que o questionamento atual de eventual regulação produza efeitos negativos no futuro. Em um indicativo de que a medida da ANS traz mais benefícios para as operadoras do que para os consumidores, a RN 63/2003 foi defendida por todas as entidades ligadas às empresas que participaram da audiência pública.
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