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Justiça suspende sistema de reconhecimento facial no Metrô de SP

Em decisão liminar, juíza afirmou que não foi comprovada que existam medidas para que se obtenha o consentimento no tratamento de dados pessoais dos cidadãos

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Atualizado: 

23/03/2022
Foto: Ohana Oliveira
Foto: Ohana Oliveira

Uma liminar concedida pela juíza Cynthia Thomé, na última terça-feira (22), determinou que o Metrô de São Paulo interrompa o sistema de reconhecimento facial que atinge os cerca de 4 milhões de usuários diários do transporte público na capital paulista. De acordo com a decisão da Justiça, não foi apresentada nenhuma comprovação de que o sistema do Metrô era usado apenas para ações de Segurança Pública, o que atinge direitos fundamentais dos cidadãos e vai contra a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). 

A Ação Civil Pública (ACP) movida pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Defensoria Pública da União, Intervozes (Coletivo Brasil de Comunicação Social), Artigo 19 Brasil e América do Sul e CADHu (Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos) foi resultado da análise dos documentos apresentados pelo Metrô no âmbito de uma ação judicial anterior que cobrava informações sobre a implementação do projeto que custou mais de R$ 50 milhões aos cofres públicos e que, entre outras medidas, envolveu a previsão de realização de reconhecimento facial em quem utilizasse o meio de transporte. 

Na decisão, a juíza afirmou que “O Metrô, até o momento, não apresentou informações precisas sobre o armazenamento das informações e utilização do sistema de reconhecimento pessoal. Alega que 'No mais das vezes, no entanto, o tratamento de dados pessoais realizado pelo SME-3 nas estações de Metrô estará ligado à Segurança Pública e/ou atividades de investigação e repreensão a infrações penais no âmbito da Cia, de forma que o caso será de enquadramento no inciso III do art. 4º da LGPD, como tratamento de dado necessário à execução de políticas públicas de segurança'. Porém, nada está formalizado. A utilização do sistema para atender órgãos públicos, por ora, não passa de mera conjectura, fato que, por si só, indica a insegurança do sistema que se pretende implantar”, alegou  a juíza em sua decisão.

Na ação, as entidades apontam que as tecnologias de reconhecimento facial elevam exponencialmente o risco de discriminação de pessoas negras, não binárias e trans, já que esse tipo de tecnologia é reconhecidamente falho em sua análise e imerso em ambiente de racismo estrutural. Mesmo os melhores algoritmos possuem pouca precisão ao realizar o reconhecimento de pessoas negras e transgênero, que são mais afetadas por falsos positivos e falsos negativos e ficam mais expostas a constrangimentos e violações de direitos.

Dessa forma, foi alertado que o sistema implementado na capital paulista não atendia aos requisitos legais previstos na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), no Código de Defesa do Consumidor (CDC), no Código de Usuários de Serviços Públicos (CDU), no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Constituição Federal (CF/88) e nos tratados internacionais.

Para o pesquisador do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec Luã Cruz, a concessão da liminar reforça o entendimento adotado em outras decisões da Justiça em casos semelhantes. “A decisão liminar é importante em diversos aspectos. Primeiro, ela fortalece um posicionamento em favor dos direitos fundamentais dos cidadãos, que já vem sendo consolidado em outros casos anteriores sobre o tema, como nas decisões relativas à ViaQuatro e Hering, que também foram condenadas por utilizarem esse tipo de tecnologia invasiva. Em segundo lugar, a sentença foca em um ponto muito importante e que é costumeiramente negligenciado na implementação de tecnologias de reconhecimento facial: a transparência. O Metrô de São Paulo não tomou medidas necessárias para garantir a segurança dos usuários do transporte público e, se as tomou, nada foi publicizado. Para além dessas questões, continuamos acreditando que a melhor solução é o banimento total dessas tecnologias digitais, diante das evidências de seu uso abusivo e pouco transparente. A capacidade de identificar individualmente e rastrear pessoas mina direitos como os de privacidade e proteção de dados, de liberdade de expressão e de reunião, de igualdade e de não-discriminação".

Essa não é a primeira vez que o Metrô paulistano é questionado judicialmente por causa das tecnologias de reconhecimento facial. Em 2018, o Idec também entrou com uma ACP contra a ViaQuatro, pela coleta ilegal de dados que identificam as "emoções" das pessoas. A Empresa foi condenada a se abster de utilizar o sistema e a pagar R$ 100 mil pela captação das imagens por câmeras de reconhecimento facial sem o consentimento dos passageiros.