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Reportagem do jornal Folha De S.Paulo, publicada em 11/05/2021
Título original: ViaQuatro é condenada por reconhecimento facial sem autorização no Metrô de SP
A ViaQuatro, empresa que tem a concessão da linha 4-amarela do metrô de São Paulo, foi condenada a pagar R$ 100 mil pela captação de imagens por câmeras de reconhecimento facial sem o consentimento dos passageiros. A condenação do Tribunal de Justiça de São Paulo responde a uma ação civil pública do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) movida contra a empresa em 2018.
Em abril daquele ano, a ViaQuatro anunciou a instalação de "portas de plataforma interativas" nas estações Luz, Paulista e Pinheiros, que teriam lentes com um sensor que "reconhece a presença humana e identifica a quantidade de pessoas que passam e olham para tela", segundo informou à época.
"Basicamente, os dados gerados são identificação de expressão de emoção (raiva, alegria, neutralidade) e características gerais que podem indicar se é um rosto feminino ou masculino", dizia comunicado, que depois ampliou a novidade também para as estações República, Fradique Coutinho, Faria Lima e Butantã e incluiu no serviço uma estimativa de idade do pasageiro.
Segundo informe da companhia na época, a empresa não gravava ou armazenava essas imagens.
O Idec argumentou então que a ação era ilegal, porque não havia consentimento dos passageiros, que a imagem é um direito garantido na Constituição e que havia violação também dos direitos das crianças. O instituto pediu indenização por uso indevido da imagem dos passageiros e condenação em R$ 100 milhões por danos coletivos.
Na Justiça, a ViaQuatro argumentou que as câmeras detectavam características faciais para fins estatísticos, que seriam "totalmente desvinculadas à identidade de uma pessoa", que não havia coleta ou armazenamento de dados pessoais e que o processo era feito por algoritmos computacionais.
A empresa afirmou que a tecnologia se limitava a contar as pessoas, visualizações, tempo de permanência, tempo de atenção, gênero, faixa etária, emoções, fator de visão e hora de pico de visualizações dos anúncios.
Uma liminar em 2018 determinou o desligamento das câmeras, mas, segundo a decisão proferida na sexta-feira (7) pela juíza Patrícia Martins Conceição, não houve interesse da ré "em demonstrar concretamente neste feito a real destinação dada às informações inequivocadamente coletadas".
Ela também afirma que "não há dúvidas de que há captação da imagem de usuários, sem o seu consentimento para fins comerciais que beneficiam a ré e a empresa por ela contratada".
A captação de dados sensíveis, como biométricos, precisam de consentimento dos usuários, de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados, usada no argumento da juíza. A finalidade da coleta também deve ter propósitos legítimos comunicados aos titulares dos dados.
"A situação é muito diferente da captação de imagens por sistemas de segurança com o objetivo de melhoria na prestação do serviço", diz a decisão.
"Os usuários não foram advertidos ou comunicados prévia ou posteriormente acerca da utilização ou captação de sua imagem pelos totens instalados nas plataformas, ou seja, os usuários nem mesmo tinham conhecimento da prática realizada”, declarou a juíza na sentença.
Procurada, a ViaQuatro afirmou em nota que avaliará "eventual cabimento de recurso no processo".
"A concessionária aproveita o ensejo para reafirmar que o sistema objeto da ação não realizava o reconhecimento facial de seus usuários, e sim a simples detecção de presença, e, nesta oportunidade, reforça seus princípios de transparência e conformidade com respeito a todos seus usuários, além do pleno atendimento à legislação vigente, inclusive ao que concerne à legislação superveniente específica relativa à proteção de dados, a LGPD."
Michel Roberto de Souza, advogado do Idec, afirma que é a primeira condenação judicial do tipo em ação coletiva no Brasil.
Segundo ele, a decisão é importante porque mostra que "as pessoas não são obrigadas a dar sua imagem para que as empresas faturem em cima disso. Indica que fazer esse tipo de abordagem é ilegal".
O advogado ressalta que futuros contratos de concessão podem já prever o que as empresas podem ou não fazer com reconhecimento facial.
Souza afirma que, do jeito como foi feito, era impossível pedir o consentimento do passageiro, porque as câmeras ficavam na entrada dos trens. "É possível desenvolver esse tipo de tecnologia, só é preciso respeitar a lei. Pode colocar um token onde o passageiro expressa o consentimento, pode colocar placas informando. Mas da forma como foi feito, você entrou e já deu seu rosto para qualquer tipo de propaganda", diz.
Reportagem do jornal Folha De S.Paulo, publicada em 11/05/2021