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A relação entre as estratégias utilizadas pela indústria do tabaco e a indústria de alimentos não é uma novidade para pesquisadores e ativistas em saúde pública. Um relatório da Universidade da Califórnia em São Francisco reforça ainda mais esta associação: nos anos 60, fabricantes de cigarros, proibidos de fazer publicidade desses produtos para crianças, empregaram seus conhecimentos em marketing para vender bebidas adoçadas a esse público.
Empresas de tabaco, como a Philip Morris e a R.J. Reynolds, adquiriram marcas de bebidas emblemáticas nos Estados Unidos, tais como Hawaiian Punch, Kool-Aid, Capri Sun e Tang, e usaram sua experiência com sabores e colorações artificiais, além de conhecimentos de marketing, para reforçar os atrativos dos produtos adquiridos.
A informação foi tema de reportagem no jornal norte americano The New York Times, divulgada no Brasil pelo jornal Folha de São Paulo.
De acordo com o periódico, usando sabores testados em crianças, personagens de quadrinhos, brinquedos e milhões de dólares em publicidade, as empresas criavam fidelidade a produtos com excesso de açúcar.
Publicado no último dia 15 de março, o relatório faz parte do acervo digital conhecido como Truth Tobacco Industry Documents, criado como parte de um acordo entre as empresas de tabaco e representantes jurídicos de diversos estados americanos, após inúmeros processos que penalizaram as fabricantes.
“Esses documentos nos ajudam a compreender como as companhias de alimentos e bebidas, usando estratégia e táticas ardilosas, nos viciaram em produtos insalubres”, afirma Laura Schmidt, uma das autoras do estudo, à matéria do New York Times.
De acordo com Ana Paula Bortoletto, líder do Programa de Alimentação Saudável do Idec, o estudo também reforça a importância das medidas regulatórias para a restrição da publicidade de bebidas e outros produtos ultraprocessados, no mesmo sentido do que já foi realizado para o tabaco.
“No Brasil, as regras existentes também não são cumpridas, trazendo consequências graves para a saúde pública, como o aumento da obesidade infantil. As estratégias de marketing direcionadas para crianças são consideradas abusivas e, portanto, ilegais, segundo o Código de Defesa do Consumido”, explica.
Estratégias agressivas
Além de diversos testes realizados, algumas das estratégias para promover os produtos foram a criação de mascotes e o patrocínio a grandes fabricantes de brinquedos, ligas esportivas, estádios, parques temáticos e revistas - espaços propícios para influenciar o público infantil.
Um dos exemplos destacados é o do refresco Hawaiian Punch, que originariamente foi criado para ser uma mistura para coquetéis adultos e só tinha dois sabores. Após testes com crianças, a marca expandiu de dois sabores para pelo menos 16 sabores e 24 produtos.
Em um relatório interno da empresa, de 1985, o sucesso do produto é creditado a cientistas que haviam criado "uma fórmula para bebidas baseada no conhecimento de sabores que já produzimos ou já são parte de nossa biblioteca de sabores". O documento ainda afirma que o objetivo "é deixar as pessoas querendo mais".
A Philip Morris e a R.J. Reynolds não são mais proprietárias dessas marcas, mas os produtos e o marketing utilizado para criar fidelidade de crianças e jovens são usados até hoje.
“Já temos a comprovação de que tanto a indústria de alimentos quanto a do tabaco atuam com a mesma agressividade sobre as crianças, por isso devem ser tratados da mesma forma pelos órgãos responsáveis”, avalia Bortoletto.
Epidemia da obesidade
De acordo com um estudo publicado na revista médica The Lancet, o número de crianças e adolescentes (de cinco a 19 anos) obesos em todo o mundo aumentou dez vezes nas últimas quatro décadas. Se as tendências atuais continuarem, haverá mais crianças e adolescentes com obesidade do que com desnutrição moderada e grave até 2022.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) aponta a obesidade como um dos maiores problemas de saúde pública no mundo. A organização também aponta que a redução do consumo de bebidas açucaradas é uma das principais medidas para reverter esse quadro.
Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil é o 4º consumidor de açúcar no mundo. Mais da metade dos adultos está com o peso acima do recomendado e 19% são considerados obesos.
“Relatórios como esse reforçam a necessidade de que medidas imediatas sejam tomadas para regular a publicidade de produtos que fazem mal à saúde e contribuem diretamente para o aumento da obesidade e de outras doenças crônicas não transmissíveis”, finaliza Bortoletto.
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