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O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) protocolou no final de maio uma Ação Civil Pública (ACP) contra a Nestlé Brasil, a Mead Johnson Brasil e a Danone, pedindo a responsabilização por promoção cruzada. As empresas mantêm semelhanças entre a embalagem de fórmulas infantis —cuja promoção comercial é proibida ou restrita— e a de compostos lácteos, segundo a peça apresentada ao Tribunal de Justiça de São Paulo. O Idec argumenta que esse tipo de estratégia provoca confusão, engano e prejuízo, especialmente para pais, mães, cuidadores e crianças pequenas.
A ação judicial mostra que características como cores, formato da embalagem, tipo de fonte ou prefixos e sufixos dos nomes se repetem tanto em fórmulas infantis quanto em compostos lácteos das três empresas. A peça diz que esse tipo de comunicação leva os consumidores a ter que enfrentar um verdadeiro “jogo dos 7 erros” para identificar diferenças escondidas. Além de tudo, não é raro que os dois produtos sejam colocados juntos nas prateleiras dos locais onde são vendidos, a despeito das distinções.
Fórmulas infantis servem para substituir, total ou parcialmente, o leite materno ou humano, quando há necessidade. O uso delas, entretanto, deve ser excepcional e depende do diagnóstico de condições específicas, bem como de prescrição profissional.
A venda é regulamentada pela Lei nº 11.265/2006, conhecida como Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância, Bicos, Chupetas e Mamadeiras (NBCAL), que proíbe a promoção de fórmulas infantis destinadas a crianças de 0 a 1 ano e restringe a promoção dos produtos destinados a crianças de até 6 anos. A fiscalização está a cargo dos órgãos de defesa do consumidor e de vigilância sanitária, incluindo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Compostos lácteos, por sua vez, são alimentos ultraprocessados, cuja composição deve apresentar no mínimo 51% de ingredientes lácteos, enquanto os demais 49% podem variar, por exemplo, entre óleos vegetais, óleos de peixe, canola, soja, açúcar, leite constituído e substâncias que melhoram a palatabilidade, como aditivos alimentares. A venda deles é regulada por uma instrução normativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). O Ministério da Saúde contraindica a oferta do produto para crianças menores de 2 anos, em razão da presença de açúcar e aditivos alimentares.
O Idec observa que assemelhar os rótulos de ambos os produtos tem um objetivo: associar duas mercadorias diferentes para estimular consumidores a migrar da compra de um produto para o outro. Essa prática, entretanto, viola o Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao incorrer em publicidade enganosa e abusiva e ao desrespeitar o direito à informação adequada. Também fere leis de proteção à maternidade e desrespeita a Constituição Federal.
Os argumentos da ação judicial são referendados por um laudo técnico anexado que analisou características das embalagens de fórmulas infantis e compostos lácteos, concluindo que não há uma justificativa para tais semelhanças. “Resta claro e evidente que a estratégia das empresas em questão é proposital para levar o consumidor ao engano”, comenta Igor Britto, diretor de Relações Institucionais do Idec.
“Com as semelhanças nos rótulos, as empresas levam a crer que um item que só pode ser usado sob prescrição, a fórmula infantil, é parecido com um alimento ultraprocessado, que faz mal à saúde, o composto lácteo”, acrescenta a nutricionista Laís Amaral, pesquisadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec.
Condenação e ilegalidades
A ação judicial pede que Nestlé, Mead Johnson e Danone sejam condenadas a deixar de apresentar fórmulas infantis e compostos lácteos em embalagens semelhantes e a evidenciar as diferenças entre os produtos. Enquanto isso não ocorre, a peça solicita que seja colocado um encarte adesivo nos rótulos, alertando os consumidores e chamando a atenção para as distinções entre as duas mercadorias.
Além disso, a ação civil pública requisita que as empresas paguem juntas uma indenização de R$ 60 milhões em danos morais coletivos e que a prática de promoção cruzada desses produtos seja reconhecida como ilegal. O Idec ainda pede que as companhias indenizem individualmente consumidores que incorreram em engano devido à comunicação confusa.
De acordo com a peça, a conduta de Nestlé, Mead Johnson e Danone também desrespeita os direitos à liberdade, à informação, à defesa do consumidor, à saúde, à segurança, à alimentação e à proteção da maternidade e da infância, previstas na Constituição. A prática, segundo a ação judicial, ainda viola a NBCAL e pode incentivar indiretamente o abandono precoce do aleitamento materno.
Assemelhar os dois produtos, ademais, contraria uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que sugere às empresas fabricantes de fórmulas infantis que se abstenham de promover outras de suas mercadorias para bebês e crianças pequenas. “A prática de promoção cruzada (...) é uma ameaça à amamentação e à saúde infantil”, afirma a OMS.
Outras ações
No começo de abril, o Idec enviou ao Procon do Distrito Federal (DF) uma representação contra a Brasal Refrigerante S.A, fabricante da linha Del Valle Fresh. A entidade apontou que o rótulo da bebida contém imagens que induzem o consumidor ao erro, por darem a entender que o produto é feito à base de frutas, sendo que esse alimento compõe menos de 1,5% da bebida, na realidade. O Procon do DF e de outros estados, como Rio de Janeiro e Santa Catarina, iniciaram procedimentos para investigar a denúncia.
Denúncias como essas são resultado da atuação do Idec por meio do OPA (Observatório de Publicidade de Alimentos), plataforma em que os consumidores podem denunciar publicidades de alimentos que contrariem as normas vigentes. O observatório tem como objetivo fortalecer o direito dos consumidores à informação adequada, apoiando a identificação de publicidades ilegais de alimentos e facilitando a sua denúncia aos órgãos competentes.