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O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) questiona a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 819/2023, que dispõe sobre a rotulagem nutricional dos alimentos embalados. A decisão, publicada na última segunda-feira, dia 9 de outubro de 2023, não foi debatida com a sociedade e prejudica o direito das pessoas consumidoras de serem informadas sobre o excesso de nutrientes críticos em produtos alimentícios processados e ultraprocessados.
Com a prorrogação, fica permitido o esgotamento do estoque de embalagens e rótulos até o dia 09 de outubro de 2024, desde que tenham sido adquiridos até o dia 08 de outubro de 2023.
"Esta publicação foi uma surpresa para todos que acompanham de perto o tema da rotulagem. Diferentemente do processo de aprovação da RDC nº 429/20 que contou com ampla participação social, essa alteração foi adotada pela Presidência da Anvisa no último dia do prazo para adequação dos rótulos da maioria dos produtos. Nós, do Idec, não tivemos acesso ao processo e tal condução em segredo levanta a suspeita de que a decisão não atenda à primazia do interesse público. Decisões assim são danosas à reputação da agência reguladora, até então conhecida por ser técnica e independente. Neste momento, estamos buscando os documentos que motivaram essa decisão absurda, mas, por enquanto, só nos resta desconfiar e lamentar que, no apagar das luzes, a Agência tenha decidido atender a empresas que provavelmente foram ineficientes e descompromissadas com os direitos do público-consumidor e desinteressadas em cumprir uma importante regra da Anvisa. Precisamos dizer publicamente que vamos acionar a Diretoria da Anvisa na Justiça, denunciar eventuais condutas de agentes públicos por desvios de finalidade, se houver, e cobrar a manutenção dos prazos de adequação tal qual haviam sido aprovados”, explica o diretor de Relações Institucionais do instituto, Igor Britto.
Um pedido de informações via Lei de Acesso à Informação (LAI) será enviado à agência reguladora e serão cobradas explicações do Ministério da Saúde, a fim de analisar se há e quais são as justificativas para o adiamento. A suspeita do Idec é de que houve interferência da indústria no processo, em detrimento do direito à informação e à saúde da população.
Prazo já era muito mais que adequado
O período para a implementação da RDC nº 429/2020 e da Instrução Normativa (IN) nº 75/2020 da Anvisa, normas que dispõem sobre a rotulagem nutricional dos alimentos embalados, já havia sido fracionado. Foram dois anos de intervalo entre a aprovação e a entrada em vigor da norma. Além disso, em outubro de 2022, apenas alimentos e bebidas que eram novos no mercado foram obrigados a sinalizar o excesso dos nutrientes críticos açúcar adicionado, gordura saturada e sódio com o selo “alto em”.
O prazo para a adequação da maioria dos produtos alimentícios processados e ultraprocessados às novas regras de rotulagem se encerraria na segunda-feira, 9 de outubro de 2023 – totalizando três anos para a indústria se adequar após a aprovação da norma. E até então, somente pequenos produtores teriam até outubro de 2024 para se adequarem, e bebidas em embalagens retornáveis, até outubro de 2025.
O Idec não deixa de considerar os valores com os materiais das embalagens que seriam descartados e os consequentes impactos no meio ambiente. Por esta razão, vale ressaltar que a própria Anvisa permitiu a adequação dos rótulos com a lupa e o novo formato da tabela de informação nutricional por meio de adesivo, justamente para evitar o descarte de materiais fabricados ainda fora da norma.
Ademais, não existe como fiscalizar o estoque de embalagens das indústrias nem saber quais materiais foram realmente fabricados até a data estipulada.
Um risco à saúde das pessoas consumidoras
Quantidades elevadas de açúcar adicionado, gordura saturada e sódio nos produtos alimentícios estão diretamente relacionadas com o desenvolvimento de obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão e diabetes.
Em estudo publicado no final de 2022 no American Journal of Preventive Medicine, pesquisadores brasileiros da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com outras instituições, concluíram que cerca de 57 mil mortes prematuras (de 30 a 69 anos) ocorreram no Brasil em 2019 em razão do consumo de produtos alimentícios ultraprocessados.
Esse número é maior do que todos os homicídios no País (45 mil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea), no mesmo ano.
"Já se passaram três anos do período de adaptação, um prazo mais do que suficiente para a indústria se adequar e demonstrar mais respeito ao seu consumidor. No momento, temos muito mais perguntas do que respostas sobre essa decisão da diretoria da Anvisa", afirma a coordenadora do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec, Laís Amaral.
O Idec participou ativamente do processo de discussão da rotulagem nutricional de alimentos embalados desde seu início, em 2014. Também vem realizando campanhas para informar a população sobre esse tema e estimulando a participação da sociedade nesse debate, justamente, pelo direito do consumidor de ter informações claras, transparentes e não enganosas nos produtos.
Para o Idec, mesmo que exista espaço para aprimoramento, a aprovação do modelo de rotulagem nutricional frontal com a lupa é um avanço para o Brasil.