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Na última sexta-feira (27), a diretoria da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) anunciou um pacote de mudanças para o mercado de planos de saúde que ameaça diretamente os direitos de consumidores.
A agência propõe uma audiência pública virtual, marcada às pressas, com documentos divulgados em cima da hora, na noite de 1º de outubro, para discutir na mesma oportunidade um conjunto variado e complexo de medidas que podem comprometer a proteção e a garantia de direitos de consumidores de planos de saúde.
A previsão é que a audiência ocorra na próxima segunda-feira (07), o que confere pouquíssimo tempo de análise dos temas propostos.
Assim, a diretoria cria condições precárias de participação social, insuficiente para dar legitimidade e respeitar o devido processo regulatório.
O Idec reitera sua posição de que a ANS tem atribuições e competências suficientes para promover avanços regulatórios significativos, protegendo consumidores no mercado de saúde suplementar. É neste sentido que, ao longo de muitos anos, a instituição tem apoiado iniciativas da agência, feito contribuições técnicas e buscado estreitar suas relações com o seu corpo técnico.
“O conjunto de propostas atende apenas a interesses do setor regulado, não incorporando nenhuma reivindicação relevante, historicamente defendida pela sociedade civil. Distorce prioridades e falha em demonstrar a causalidade entre problemas e soluções”, afirma Lucas Andrietta, coordenador do Programa de Saúde do Idec.
Os temas incluem (i) a revisão da política de preço e reajustes de planos coletivos, (ii) revisão das regras de franquia e coparticipação, (iii) reajuste por revisão técnica e (iv) retirada de urgência e emergência de planos ambulatoriais.
"As medidas e suas possíveis consequências são extremamente complexas e merecem, cada uma delas, uma discussão separada, qualificada e no tempo adequado. Misturar tantos temas assim é, na prática, confundir quem quer contribuir para um debate de qualidade. Com a crônica falta de transparência e a proximidade da troca de diretoria, o episódio pode ser considerado a ‘boiada das operadoras", aponta Andrietta.
De acordo com o coordenador, é importante salientar que a agência está em um momento de transição de diretorias, isso porque o mandato da presidência termina em dezembro deste ano. “É preocupante acelerar dessa maneira propostas que comprometem a proteção de consumidores, a toque de caixa, com propostas insuficientes ou que atendem perfeitamente às demandas das operadoras. Existem temas com maior prioridade para que a ANS cumpra suas atribuições, como equiparar planos coletivos aos individuais, coibir cancelamentos forçados de contratos. Mas, nesses casos, o que se vê é resistência e falta de interesse", completa Andrietta.
O Idec considera inapropriado discutir, na mesma audiência, convocada em um prazo tão curto e impraticável, temas tão complexos e com grande potencial negativo às pessoas consumidoras. A disponibilização pró-forma de uma nota técnica e de um voto na reunião da diretoria não são sinônimos de participação social e de respeito à Lei das Agências Reguladoras, mas tão somente uma tentativa de conferir aparência de regularidade à discussão.
O Idec espera que a audiência seja adiada e que a ANS discuta cada tema em sessões específicas, com a devida transparência e antecedência.
Temas que serão tratados na audiência e seus riscos a consumidores
Revisão técnica
Os dados mencionados para sugerir a implementação do reajuste por revisão técnica indicam que a medida não tem conexão com problemas reais, visto que nos contratos individuais a sinistralidade é mais baixa do que a média do mercado.
Basicamente, o reajuste por revisão técnica é um instrumento que permite que empresas que estejam passando por dificuldades financeiras aumentem as mensalidades de contratos individuais e familiares acima do teto da própria ANS. É uma prática vedada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao autorizar a alteração unilateral do preço, violando os princípios que deveriam reger essa relação de consumo. Ela coloca o consumidor em extrema desvantagem e insegurança. Na prática, ela estimula a ineficiência e compromete a efetividade do teto de reajustes.
Ampliação do agrupamento de contratos
O Idec já apresentou diversas sugestões sobre a regulação de planos coletivos, tendo enviado, mais de uma vez, propostas à agência e pedido uma audiência pública específica sobre o tema. O último pedido foi feito, inclusive, em 27 de setembro.
A ampliação do agrupamento de contratos (ou pool de risco) nos contratos coletivos pequenos (até 30 consumidores), é uma medida há muito reivindicada pelo Idec e por outras entidades de defesa do consumidor, mas que deve ser acompanhada sobre a necessidade urgente de limitação dos reajustes de planos coletivos. O princípio do mutualismo só funciona na prática quando um grupo grande de pessoas financia e distribui os riscos associados a despesas assistenciais.
Contudo, até o momento não houve amplo debate sobre o tema, o tamanho ideal dos agrupamentos, o melhor método de cálculo de reajustes e seus efeitos sobre os preços. A falta de transparência e informações desencontradas sugerem, inclusive, que as decisões da diretoria podem não ser compatíveis com o posicionamento do próprio corpo técnico da agência. A ANS deve justificar e embasar tecnicamente uma proposta para ampliação do pool de risco.
Franquia e coparticipação
Tema bastante sensível a consumidores. De maneira resumida, franquia e coparticipação são valores cobrados em complemento à mensalidade do plano de saúde, conforme a utilização. Ambos apenas podem ser cobrados se previstos em contrato. Na prática, o que se verifica é que muitas pessoas consumidoras reclamam dos valores cobrados. A antiga regra chegou a ser revogada, inclusive, frente às críticas que a resolução recebeu, por autorizar percentual de coparticipação até 60%.
Planos ambulatoriais
Uma das demandas mais antigas das operadoras é a autorização para comercializar planos sem cobertura para terapias, internações hospitalares e atendimentos de urgência e emergência, ou seja, desvirtuando completamente o que se conhece por plano de saúde. São os chamados planos “exclusivamente ambulatoriais”. Vale dizer que já existe um mercado de cartões de desconto e outros tipos de convênios desse tipo, mas eles não devem ser confundidos com a definição de planos de saúde regida pela Lei nº 9.656 (1998). A afirmação de que eles têm baixo potencial de comercialização não tem respaldo técnico e, ao mesmo tempo, ameaça reduzir coberturas de contratos atuais, autorizando uma confusão conceitual prejudicial ao consumidor.
O tema de planos ambulatoriais não foi incluído expressamente na discussão da audiência pública de 07/10, mas houve a autorização da presidência da agência tratar do tema futuramente, em uma Tomada Pública de Subsídios. Ou seja, em um momento de participação social que acontecerá futuramente.