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Na tarde de ontem (07), a Anvisa anunciou em reunião da sua diretoria colegiada como serão os novos rótulos de alimentos e bebidas. Para o Idec, o modelo de lupa escolhido pela agência para estampar a parte frontal das embalagens compromete a legibilidade, clareza e simplicidade da informação.
Segundo avaliação do LabDSI da UFPR (Laboratório de Design de Sistemas de Informação da Universidade Federal do Paraná), que auxiliou no desenvolvimento do modelo de triângulos apresentado pelo Idec à Anvisa, há incongruências na lupa aprovada pela agência e a definida para consulta pública em 2019.
“Apesar de a Anvisa manter o símbolo da lupa da proposta inicial, o atual desenho diferencia-se em seu design da informação, comprometendo a legibilidade, clareza e simplicidade gráficas. A legibilidade do novo modelo proposto ainda fica comprometida com uso de tipografia em corpo muito reduzido e diminuição do espaço ocupado pelo rótulo na face frontal das embalagens”, diz o documento da universidade.
O grupo ainda afirma que não há evidências científicas que comprovem a eficácia comunicativa das mudanças feitas no desenho, na letra e no espaço de ocupação da rotulagem frontal, visto que não foram testados no Brasil, particularmente quanto à visibilidade e legibilidade das informações. “Desta forma, a proposta da Anvisa na Instrução Normativa é frágil, carecendo de fundamentação sólida de pesquisa”, ainda informa o documento.
Imagens elaboradas pelo LabDSI da UFPR
As evidências científicas disponíveis até o momento demonstram que os modelos de advertência nos formatos de octógonos e triângulos são mais efetivos para a compreensão e tomada de decisão de compras dos consumidores. Entretanto, a lupa sugerida na consulta pública não se mostrou ineficiente, somente menos efetiva que os outros modelos. Contudo, com a aprovação de hoje, houve uma mudança significativa de entendimento.
“Com esse novo cenário, tivemos ainda um revés no próprio modelo de lupa sugerido pela Anvisa em 2019. Vamos continuar realizando estudos e questionando os argumentos científicos utilizados pela agência para aprovar essa proposta”, afirma Teresa Liporace, diretora executiva do Idec.
Imagens elaboradas pelo LabDSI da UFPR
Regras mais brandas
Outra regra que está menos rigorosa é em relação ao perfil de nutrientes selecionado. “Sem justificativa, a agência aprovou um perfil que deixará muitos alimentos e bebidas, que deveriam ser rotulados por conta da sua composição nutricional inadequada, sem rótulo frontal. Dessa forma, os biscoitos recheados de chocolate Negresco, Oreo e Passatempo, por exemplo, não apresentarão o rótulo ‘alto em gordura saturada’, mas somente o alerta ‘alto em açúcar adicionado’ por conta da exclusão do limite mais rigoroso do perfil de nutrientes”, afirma Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec.
A nutricionista ainda critica a decisão da Anvisa de deixar de fora da rotulagem nutricional frontal os alertas para adoçantes. “Esse é um ponto bastante preocupante, uma vez que sua informação na lista de ingredientes não é clara para o consumidor, e pelas diversas evidências científicas demonstrando riscos à saúde relacionados ao consumo de adoçantes, especialmente no caso de produtos destinados ao público infantil”, comenta Bortoletto.
Prazo para implementação incoerente
O Instituto discorda também a respeito do prazo estabelecido para a norma começar a valer. De acordo com a resolução aprovada, as empresas de alimentos e bebidas embalados apenas serão obrigadas a alterar os seus rótulos daqui 2 anos.
Passado esse prazo, no caso de produtos específicos como refrigerantes com embalagem retornável, a norma ainda concede mais 36 meses para a adequação dos rótulos, totalizando 5 anos para adequação. O Idec considera preocupante o prazo estendido para esse tipo de produto que tem altos teores de açúcar e, em algumas versões, de sódio, além de ser prejudicial à saúde.
“A rotulagem nutricional é um tema de saúde pública, que a cada dia de atraso prejudica a saúde da população e fere o direito à informação dos consumidores brasileiros. Além disso, o prazo estabelecido não é coerente com outros processos regulatórios e nem plausível, ainda mais se considerarmos que as indústrias de alimentos e bebidas participaram desde o início da discussão”, pontua Liporace.
Avanços nas informações da tabela nutricional
Apesar de todos os retrocessos da norma aprovada hoje, a Anvisa estabeleceu grandes avanços em relação à tabela de informação nutricional. O Brasil é o único país da América Latina que atrelou a norma de rotulagem frontal à norma de rotulagem nutricional, o que garante a coerência das informações ao consumidor.
“A padronização dos aspectos de design da tabela, como o tamanho, tipo e cor da fonte e o box branco para contrastar as demais cores das embalagens, são essenciais para que a informação seja facilmente visualizada. Além disso, a inclusão dos açúcares totais e adicionados e a apresentação da informação nutricional por 100g ou 100ml também representam um passo importante no direito à informação clara e adequada. Porém, a Anvisa manteve a apresentação da informação nutricional também por porção e por %VD do produto que, além de não serem reais, variando de consumidor para consumidor, são referências que podem gerar confusão na hora da tomada de decisão, ou até induzir o consumidor a erro”, afirma a nutricionista do Idec.
Histórico
O Idec participou ativamente do processo de revisão da rotulagem nutricional de alimentos desde o início do processo em 2014. O Instituto integrou o grupo de trabalho que discutiu o assunto, participou de reuniões com a equipe técnica e com os diretores da Anvisa, apresentou a proposta dos alertas de triângulos e evidências científicas que a embasam, enviou contribuições na Tomada Pública de Subsídios e na consulta pública e, junto com os membros da Aliança pela Alimentação Adequada Saudável, realizou campanhas para informar a população a respeito do tema e estimular a participação da sociedade no processo regulatório.
O Idec e a Aliança realizaram provavelmente a maior campanha de comunicação já feita no Brasil para divulgar o processo e estimular a participação da sociedade na consulta. Os números demonstram o resultado. Com mais de 23 mil participações, o processo teve recorde no número de contribuições da agência.
“O processo regulatório conduzido pela Anvisa, até setembro de 2020 pareceu transparente, com participação social e baseado em evidências científicas. Entretanto, a finalização do processo se deu de forma conturbada, com o compromisso da Anvisa de encerramento em dezembro de 2019, depois em abril de 2020 e, finalmente, até setembro de 2020, o que não foi cumprido, sem nenhuma justificativa. Outro ponto preocupante foi a marcação da reunião da diretoria colegiada para 7 de outubro de 2020 com o tema da rotulagem nutricional na pauta sob ameaça de não haver reunião pela falta de quórum, já que três dos diretores tinham finalizado seus mandatos e nenhuma indicação tinha sido realizada para os cargos vagos”, finaliza Liporace.