Características da licitação do serviço de ônibus nas 12 capitais
Já imaginou chegar em um ponto de ônibus e encontrar um abrigo com teto, luz e informação sobre as linhas que passam ali, além da possibilidade de integração com outros modos de transporte? E mais, ao entrar no ônibus, que não demorou para chegar, se deparar com um motorista gentil, um veículo novo, que emite pouco ruído e poucos poluentes, vazio, limpo, com ar-condicionado, GPS, internet? Infelizmente, essa não é a realidade de quem usa o transporte público nas grandes cidades brasileiras, apesar de ser um direito previsto em diversas leis.
Mas por que o nosso serviço é ruim e ainda por cima caro? Será que é possível melhorar essa situação? Há muitas respostas para essas perguntas, mas entre elas existe uma especial: problemas na licitação pela qual o governo escolhe as empresas, públicas ou privadas, que serão contratadas para operar o sistema de transportes por meio de concessão.
A licitação é um processo de concorrência que acaba determinando quanto o ônibus vai custar e qual será a sua qualidade. Seu objetivo é oferecer à população o melhor serviço pelo menor custo. Para isso, é importante atrair muitas empresas para a disputa. Quanto maior for a concorrência, mais os participantes se “esforçam” para apresentar preços menores para operar o sistema, além de mais qualidade. Com isso, o custo como um todo cai, a tarifa que o passageiro paga fica mais barata e a qualidade do atendimento aumenta.
É no edital da licitação que são apresentadas as regras para selecionar as empresas e os critérios de qualidade do serviços que devem ser cumpridos após a contratação. A partir desse documento elas elaboram suas propostas de orçamento. Após a assinatura dos contratos, cabe ao poder público fiscalizar e monitorar o cumprimento do que foi acordado, com base nos parâmetros e condições previstos no edital.
Quando há transparência sobre os dados dos custos e da operação, assim como mecanismo de participação social, a população também pode contribuir com a avaliação das empresas. Isso, por meio da verificação do respeito aos horários, procedimentos de limpeza e higienização e bom atendimento, pois é ela que está, diariamente, nos ônibus, pontos de parada e terminais.
Com o objetivo de entender melhor as características da contratação do serviço de ônibus, o Idec realizou, entre 2019 e 2020, uma pesquisa sobre os editais de licitação das 12 capitais mais populosas do Brasil. Com essas informações fica mais fácil cobrar do poder público melhorias no edital das futuras licitações dessas e de outras cidades. O Idec enviou previamente os resultados obtidos e comentários paras as prefeituras das respectivas capitais analisadas.
Terminado o prazo para contribuições do poder público, a pesquisa está disponível para a população, academia, imprensa, organizações sociais etc. que queiram utilizá-la para compreender esse tema ou cobrar melhorias e avanços nos editais de licitação.
PRINCIPAIS RESULTADOS E CONCLUSÕES
Ao todo foram avaliados 34 itens nos editais. As falhas mais importantes observadas são relativas a cinco deles: a duração dos contratos, a remuneração e o financiamento do sistema de ônibus, a redução de poluentes, as exigências sobre garagens e monitoramento e qualidade do serviço. As principais fragilidades percebidas foram:
1 • A forma como as prefeituras pagam as empresas concessionárias pela operação dos serviços de ônibus tem como fator principal a quantidade de passageiros que é transportada. Isso incentiva que as empresas transportem mais pessoas por veículo e coloquem em circulação menos veículos para garantir maiores ganhos, gerando lotação dos ônibus. Essa situação foi identificada em todas as capitais avaliadas, exceto São Paulo, onde o contrato recente começou a corrigir esse aspecto.
Apesar de remunerar as empresas por passageiros transportados, os municípios de Belém, Recife, Curitiba e Porto Alegre têm nos editais critérios que visam garantir a qualidade dos serviços prestados na fórmula de remuneração da empresas. Por exemplo, caso os critérios não sejam atendidos pelas empresas concessionárias, a remuneração pode ser reduzida em até 4%, como é o caso de Recife.
2 • A maior parte das cidades tem a tarifa paga pelo usuário como fonte única ou prioritária de receita para cobrir o pagamento às empresas. Isso gera aumento gradativo da passagem, tornando o serviço caro. Existem outras maneiras de financiar o sistema como, por exemplo, com recursos públicos (subsídios); explorações comerciais e publicitária em veículos, pontos e terminais; e tributação ou recursos de outros setores, como taxação sobre a gasolina ou estacionamento em vias públicas.
Em Brasília, Curitiba, Recife e São Paulo parte dos custos do sistema pode ser bancada pelas prefeituras. Em outros sete editais pesquisados foram previstas formas alternativas de receita, além da tarifa, mas de maneira pouco detalhada.
Capital | Remuneração | Financiamento | Procedimento de reajuste | |
---|---|---|---|---|
Remuneração | Variável segundo qualidade | |||
Belém | Passageiro transportado por tarifa técnico | Não | Tarifa e outras receitas | |
Belo Horizonte | Diretamente pelo passageiro Transportado | Não | Tarifa e outras receitas | Cesta de Índices |
Brasília | Passageiro transportado por tarifa técnica | Não | Tarifa, Subsídio orçamentário e outras receitas |
Cesta de Índices |
Curitiba | Passageiro transportado por tarifa técnica | Sim | Tarifa e Subsídio orçamentário | Cesta de Índices |
Fortaleza | Participação no mercado | Não | Tarifa | Pela planilha de custos |
Goiânia | Diretamente pelo passageiro Transportado | Não | Tarifa e outras receitas | Cesta de Índices |
Manaus | Diretamente pelo passageiro Transportado | Não | Tarifa | Pela planilha de custos |
Porto Alegre | Participação no mercado | Sim | Tarifa e outras receitas | Pela planilha de custos |
Recife | Passageiro transportado por tarifa técnica | Sim | Tarifa e Subsídio orçamentário | Inflação |
Rio de Janeiro | Diretamente pelo passageiro Transportado | Não | Tarifa | Cesta de Índices |
Salvador | Diretamente pelo passageiro Transportado | Não | Tarifa e outras receitas | Inflação |
São Paulo | Custo do Serviço | Sim | Tarifa, Subsídio orçamentário e outras receitas |
Cesta de Índices |
* Para mais detalhes sobre esse tópico, ver item 4.20 “Fórmula de remuneração”, do Relatório de Pesquisa.
3 • A longa duração dos contratos é outro obstáculo. Entre as 12 cidades avaliadas, nove apresentam extensão superior a 15 anos, sendo que em Salvador chega a 25 anos e no Rio de Janeiro e em Goiânia são potencialmente prorrogáveis até depois de 2045.
Contratos longos dificultam que sejam feitas alterações no sistema em resposta a novas exigências ambientais e tecnológicas ou mudanças estruturais nos padrões de mobilidade. Também prejudicam a participação de novas empresas no mercado, diminuindo a competitividade entre elas e, consequentemente, a oferta de um serviço melhor com custo menor. Por outro lado, contratos mais curtos tendem a exigir mais ações de gestão do poder público.
4 • Apenas metade das cidades possui nos editais ou contratos incentivos para a redução de emissões de poluentes. Dez capitais apontam para o uso de ônibus menos poluentes, estimulando o uso de motores mais modernos e combustíveis renováveis de origem vegetal (biodiesel). Entretanto, apenas São Paulo e Goiânia estipularam nos editais metas claras de redução de emissão por ônibus, mencionando os tipos de gases que deveriam ser monitorados. São Paulo prevê que as empresas operem seus ônibus com reduções anuais decrescentes tendo como referência o ano de 2016 e conta com um comitê gestor que irá regularmente monitorar as concentrações destes gases.
Vale ressaltar que a exigência de frota de ônibus com idade baixa tem relação direta com a diminuição da poluição, visto que os veículos possuem uma tecnologia mais nova, além de maior conforto.
Capital | Idade máxima do ônibus | Metas de redução da emissão de poluentes | |
---|---|---|---|
Belém | 10 anos | Não | Não há informações complementares. |
Belo Horizonte | de 7 a 12 anos | Parcial | Exigem das empresas um plano de substituição do diesel |
Brasília | de 7 a 10 anos | Não | |
Curitiba | Edital não defini idade máxima | Parcial | Meta de colocar biodiesel sem prazo (meta na proposta) |
Fortaleza | Edital não defini idade máxima | Não | Não há informações complementares. |
Goiânia | Edital não defini idade máxima | Sim | 20% de redução do peso dos poluentes |
Manaus | 10 anos | Não | Não há informações complementares. |
Porto Alegre | 9 anos ao início da operação e 10 anos durante o restante da concessão | Parcial | Meta de colocar biodiesel sem prazo (B20) |
Recife | de 7 a 10 anos | Não | Não há informações complementares. |
Rio de Janeiro | de 6 a 20 anos | Parcial | Meta de colocar biodiesel sem prazo (B20) |
Salvador | de 7 a 10 anos | Não | Não há informações complementares. |
São Paulo | de 10 a 15 anos | Sim | Cumprir a Lei Municipal para a zerar as emissões de CO2 em 20 anos. |
5 • Outro quesito crucial avaliado nos editais foi o nível de competitividade proporcionado pelos critérios exigidos, entre eles: a obrigação dos concorrentes possuírem garagem, prazo para início da operação, divisão das linhas em lotes e existência de barreiras de concentração societária.
No caso das garagens, as empresas que atuam hoje no sistema de transporte saem com vantagem, pois já possuem garagem própria nas cidades, enquanto que as companhias novas, interessadas em concorrer, teriam que desapropriar ou até comprar um terreno novo, o que inviabiliza a participação no processo. Existem alternativas para que se possa eliminar essa exigência, como a desapropriação das garagens pela prefeitura para entregá-las a novas concessionárias . Outra alternativa seria a concessão desses terrenos para instituições que não estejam ligadas ao setor de transporte, para que possam manter e explorar comercialmente o local.
Já os prazos curtos para início da operação são um problema porque dificultam às novas empresas mobilizar recursos para realizar a enorme quantidade de contratações e compras necessárias para se iniciar o serviço, como veículos e recursos humanos.
A divisão das linhas em lotes e a existência de barreiras de concentração societária, por outro lado, favorecem que mais empresas participem da concorrência. No primeiro caso porque dividi-se o território geográfico em diferentes áreas de operação, entregando-as a diferentes empresas. No segundo, impede-se que essa áreas sejam entregues a companhias do mesmo grupo empresarial.
Na maioria das cidades analisadas, o edital exige que já na proposta comercial ou técnica a empresa interessada apresente o compromisso de disponibilidade de imóvel para garagem. Os prazos de instalação variam de seis a 24 meses. São Paulo é a única que exige posse de garagem pela empresa candidata anteriormente à licitação e que, assim como Fortaleza, elas estejam localizadas nos próprios municípios.
Belém e Manaus exigem que as empresas tenham a frota de ônibus necessária após 60 dias da assinatura do contrato, diferentemente, por exemplo, de Brasília, Goiânia, Porto Alegre e Salvador, que estabelecem prazos bem maiores, após o início do contrato.
A cidade com o maior número de lotes é São Paulo, que também é o maior sistema em número de linha e quilometragem. Além disso, a maioria das cidades tem algum tipo de mecanismo para impedir concentração societária, menos Goiânia e a capital paulista.
Capital | Garagens | Prazo para início da operação | Quantidade de lotes | Barreira para concentração de empresas | |
---|---|---|---|---|---|
Categoria | Prazo para instalação | ||||
Belém | Posse após assinatura de contrato | 30 dias após assinatura de contrato | Até 60 dias | 2 | Sim |
Belo Horizonte | Compromisso de disponibilidade | 120 dias após assinatura de contrato | De 60 a 120 dias | 4 | Sim |
Brasília | Compromisso de disponibilidade | 24 meses após início das operações | Até 180 dias | 5 | Sim |
Curitiba | Posse após assinatura de contrato | 90 dias após assinatura de contrato | Até 90 dias | 3 | Sim |
Fortaleza | Posse após assinatura de contrato | 90 dias após assinatura de contrato | Até 90 dias | 5 | Sim |
Goiânia | Compromisso de disponibilidade | Prazo ofertado em proposta técnica | Até 180 dias | 5 | Não |
Manaus | Posse após assinatura de contrato | 60 dias após ordens de serviço | Até 60 dias | 10 | Sim |
Porto Alegre | Compromisso de disponibilidade | 24 meses após início das operações | Até 180 dias | 7 | Sim |
Recife | Compromisso de disponibilidade | Para início das operações | Até 90 dias | 2 | Sim |
Rio de Janeiro | Compromisso de disponibilidade | Sem prazo máximo | Prazo ofertado em proposta técnica |
5 | Sim |
Salvador | Compromisso de disponibilidade | 180 dias após assinatura de contrato | Até 180 dias | 3 | Sim |
São Paulo | Posse prévia à licitação | Para início das operações | Até 120 dias | 32 | Não |
6 • A transparência de dados - como número de passageiros transportados, cumprimento das viagens e localização dos ônibus em tempo real - é uma condição indispensável para garantir o controle social e a qualidade do serviço de ônibus. Essa informações devem estar disponíveis em websites e demais canais do poder público. Não menos importantes são os quesitos que estabelecem critérios para atendimento ao usuário, como treinamento de funcionários (motoristas e cobradores) e recursos tecnológicos que garantem conforto e praticidade no interior dos veículos
A implantação de centros de controle operacional (CCO) está previsto na maioria dos editais, com exceção de Fortaleza e Manaus. Já o monitoramento de localização por meio de GPS (ou similar), está ausente apenas no edital de Manaus.
Algumas licitações preveem que os ônibus disponham de itens que melhorem o conforto dos usuários, e que em muitos casos são indispensável durante a viagem, como o ar-condicionado, sinal wi-fi e portas USB.
Capital | Monitoramento da operação | Atendimento ao usuário | |||
---|---|---|---|---|---|
Centro de Controle | GPS ou sistema similar para localização dos ônibus | Treinamento dos motoristas | Outros itens (USB, wifi, etc) | Ar condicionado | |
Belém | Sim | Sim | Sim | Não | Sim |
Belo Horizonte | Sim | Sim | Sim | Não | Não |
Brasília | Sim | Sim | Sim | Não | Não |
Curitiba | Sim | Sim | Sim | Não | Não |
Fortaleza | Não | Sim | Sim | Não | Não |
Goiânia | Sim | Sim | Não | Não | Não |
Manaus | Não | Não | Não | Não | Não |
Porto Alegre | Sim | Sim | Não | Não | Sim |
Recife | Sim | Sim | Sim | Não | Sim |
Rio de Janeiro | Sim | Sim | Não | Não | Sim |
Salvador | Sim | Sim | Sim | Não | Não |
São Paulo | Sim | Sim | Sim | Sim | Sim |