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Comida caiçara e história do povo litorâneo brasileiro

Conheça os hábitos e alimentação dos caiçaras, povo tradicional que habita do litoral sul do Rio de Janeiro até o Paraná.

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Atualizado: 

19/09/2022

Lá se vão mais de 500 anos da chegada dos portugueses para colonizar o Brasil, onde costumes e tradições originárias se misturaram com as trazidas para formar a cultura brasileira, que não tem somente uma cara, senão várias, a depender da região e de quem a construiu. Entre elas e uma das mais reconhecidas, a cultura caiçara, que tem sua culinária e modo de vida marcadas pelas fronteiras naturais do mar e da serra.

 

Caiçara, o que significa? 

Caiçara é uma palavra de origem tupi: kaai’sa. Tem diversos significados, todos relacionados com o uso de varas e cerca de ramos. A palavra foi estendida aos moradores das comunidades isoladas, que eram cercados por mar e montanhas, além das suas próprias cercas criadas para como esconderijo durante uma caça.
 

Quem são os caiçaras? 

Os levantamentos históricos apontam os caiçaras como os primeiros filhos mestiços nascidos em solo brasileiro, a partir de 1.500. Famílias que acumulavam a influência marcante das culturas indígenas litorâneas misturadas à cultura lusitana.

Foram dos indígenas litorâneos, tupis e tupis-guaranis, que o caiçara herdou os conhecimentos básicos sobre o milho e a mandioca e dos portugueses e espanhóis, a sabedoria de navegar pelos mares, produzir os barcos e outros feitos de carpintaria.

O caiçara, homem de terra e água, é um agricultor e pescador ribeirinho, seja por necessidade ou falta de opção. Apropriou-se da cultura agrícola indígena de seus antepassados, conhecia o movimento das águas e levava uma vida tranquila em meio ao mar, rio e floresta.

Natural da comunidade de Toque Toque Grande, no litoral paulista, o chef de cozinha Eudes Assis relatou que na infância tinha vergonha de ser chamado de “caiçara”, porque as crianças que passavam o verão na região usavam num sentido pejorativo.

O mesmo varal que servia para estender roupa era o local onde os peixes eram secados por sua mãe, um recurso cultural de preservar o peixe por mais tempo.

O peixe ou a caça eram estendidos no varal para secar ao sol, salgado, defumado ou envolvido em banha.

 

Qual a região do povo caiçara?

O povo caiçara não está concentrado num único lugar. Os registros históricos nos indicam que esses povos tradicionais habitavam do litoral sul do Rio de Janeiro até o Paraná.

Não existe um mapeamento de quantas comunidades caiçaras existem hoje, mas existem aqueles que batalham pela valorização da identidade cultural do seu povo.

E aqui, o chef Eudes contribui com uma história muito curiosa. Durante uma temporada morando na casa de um amigo em Lyon, na França, presenciou uma briga calorosa entre professores sobre a identidade e pertencimento de determinados alimentos e suas cidades de origem. Ali ele constatou que quando voltasse ao Brasil, iria passar a brigar também por suas raízes. 

Em 2010, ele foi premiado como Chef Revelação 2010 da Revista Prazeres da Mesa e acredita que ganhou o prêmio porque é um chef que cozinha peixe na folha de bananeira, que mantém autenticidade, regionalidade e muita lealdade às suas origens no litoral norte de São Paulo. 

 

A importância da coletividade na cultura caiçara

As comunidades possuíam um senso de ajuda muito forte. “Ora era na terra de um, ora na terra do outro”, as pessoas se juntavam para realizar as tarefas que dependiam de muitos braços, como fazer as colheitas de alimentos antes das chuvas, construir barcos, moinhos de farinha, entre outros afazeres.

A união também se fazia presente no sistema de troca. Por meio do escambo, havia a troca de produtos, produzidos ou coletados, conforme as necessidades de cada família.

Os produtos da terra que geralmente faltavam na casa das famílias caiçaras eram: sal, açúcar, fumo, querosene para o lampião, tecidos, agulhas. 

Quando não havia possibilidade de realizar a troca dentro da comunidade, os pescadores levavam para os vilarejos mais próximos os peixes para trocar por esses itens.

Quando as pescas de arrastão eram fartas, o trabalho coletivo terminava em comemoração. Todos se juntavam no baile e o dono da terra sempre  oferecia algo de comer e beber no final do dia.

As festas eram embaladas por passos da dança fandango, um estilo folclórico que veio da Europa e foi incorporado pelas comunidades, gerando o que se pode chamar de “fandango caiçara”, que é dançado em soalho de madeira, em pares e sapateado, ao som de viola, rabeca e pandeiro.

 

Pratos típicos caiçaras

Os preparos culinários caiçaras respeitam a sazonalidade dos alimentos, os peixes da época, e as espécies de árvores características da região.

Os pratos levam mandioca, milho, batata doce, abóbora, e entre as frutas, a banana tem forte presença na alimentação dos caiçaras por conta da quantidade de bananal presente principalmente no litoral paulista.

A peixada à moda de Paraty, no Rio de Janeiro, tem ingredientes parecidos com outras receitas mas o modo de fazer é bem particular aos caiçaras dessa região

No litoral paulista, o peixe azul marinho é muito famoso e desperta a atenção das pessoas, pois de fato a comida é azul. A receita leva tomate, pimentão, alho, cebola, peixe e banana verde.

Tradicionalmente a comida é preparada na panela de ferro e assim descobriram que ocorria uma reação química entre os taninos liberados pela banana com a panela de ferro que conferem ao prato um tom azul.

O arroz lambe-lambe era uma comida que os pescadores levavam no barco e que marcou toda a culinária. Para ficar dias em alto mar era preciso levar pouco utensílio mas uma comida que sustentasse.

Receita de uma panela só, levavam arroz, porque não perecia e cozinhavam o marisco junto, assim ele ia soltando a maresia. Não haviam talheres, então a concha do marisco fazia as vezes da colher. Depois de comer, os pescadores lambiam as pontas dos dedos, daí vem a origem do nome.

No Paraná, descobrimos outros pratos típicos, como o barreado. O nome do prato está ligado ao processo de barrear a panela que consiste em lacrar a panela de barro com farinha evitando que o vapor evapore. O barreado é um caldo com carne desfiada, banana e farinha de mandioca. 

Outro prato bem comum na região é a cambira, que teve influência do cipó que servia como base de varal para defumação dos peixes. A base é de poucos ingredientes, basicamente peixe seco e defumado com a banana-da-terra.