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Atualizado:
Em clima de Black Friday, o Burger King Brasil usou em sua estratégia de comunicação o principal meio de pagamento dos brasileiros: o Pix.
A rede de fast-food adotou uma maneira inusitada, mas já utilizada por alguns usuários do Pix, para ser notada: fazer do meio de pagamento um meio de comunicação. Para conseguir se destacar entre as muitas estratégias promocionais do período, o Burger King enviou Pix a seus consumidores e valeu-se do campo descritivo da transferência bancária para transmitir sua promoção.
Clientes do Clube BK receberam o valor de R$0,01 centavo, via Pix, como forma de incentivo à compra de um produto da rede. E aqueles que não eram cadastrados no clube de benefícios poderiam enviar os dados da chave Pix, via WhatsApp, para também ter acesso à promoção.
"Ficou sem Pix? Pera aí que o adm resolve!!!
Mande uma mensagem no Whatsapp para o número (11) 947842293 que a gente manda R$0,01 centavo pra você!!!
Assim, ninguém fica de fora da nossa #BKFriday e pode levar 2 BK Franguinhos por R$0,25 centavos só até dia 29/11!
Tá esperando o quê? Vem de zap!"
Enviar dinheiro como forma de atingir diretamente os consumidores por meio de um canal de comunicação inesperado produz likes e surpresa, mas a estratégia de marketing coloca alguns questionamentos aos consumidores mais atentos: em que momento as chaves Pix dos clientes Burger King foram armazenadas pela rede? Quais critérios de segurança foram adotados para o manuseio dos dados bancários de inúmeros clientes? Quem teve acesso a esses registros? E por fim: seria permitido utilizar informações bancárias para fins publicitários?
Em tempo de redes sociais e compartilhamento intensivo de dados, a preocupação com o vazamento de informações pessoais deve ser uma constante. Informações como nome, telefone, endereço, números de documentos e dados bancários são pessoais e devem ser protegidos pelas empresas que os coletam conforme a LGPD. O acesso e o uso indevido desses dados por terceiros mal-intencionados podem trazer muita dor de cabeça e prejuízos às pessoas. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicado em 2024, o país apresenta uma queda nos roubos de rua, enquanto os estelionatos e golpes virtuais crescem praticamente em todos os estados. O mundo digital mudou significativamente as características dos crimes contra o patrimônio e tem facilitado a aplicação em larga escala da ação delituosa - uma modalidade de crime que atinge rapidamente muitas pessoas, deixa poucos registros e dificulta a recuperação dos valores.
É diante desse cenário que instituições de defesa do consumidor insistem na importância de ampliar a segurança nas relações consumeristas – alertando sobre boas práticas na proteção de dados pessoais, insistindo na necessidade do letramento digital como forma de minimizar riscos ligados às fraudes e buscando aprimorar a segurança do sistema Pix perante o Banco Central. No entanto, com a intenção de fazer barulho nas redes sociais, a ação de marketing proposta pelo Burger King vai na contramão de todos os esforços empregados até o momento. O estímulo ao fornecimento de dados pessoais, mesmo que de forma consensual, apresenta-se como um desserviço ao trabalho de alerta e prevenção aos golpes.
Será que o recebimento de R$0,01 é mesmo um benefício para o consumidor?
Se essa prática promocional se consolidar, corremos o risco de sermos bombardeados por inúmeras mensagens Pix ao longo do dia. Ter de silenciar as notificações oriundas dos aplicativos dos bancos devido ao excesso de publicidade fragilizaria ainda mais nossas práticas de gestão financeira. Além de contribuir para uma sobrecarrega do sistema de pagamentos, a simples visualização de um extrato bancário tomado por transações de valores irrisórios causaria mais confusão aos clientes.
A solicitação de chave Pix, via rede social, para participar de ações promocionais, sem dúvidas, abre ainda mais espaço para novos golpes financeiros. Além disso, interações comunicativas abusivas que não podem ser bloqueadas ou controladas não deixam dúvidas sobre quão nociva pode ser uma estratégia promocional. Vale perguntar: vale tudo na Black Friday? Pix não é SPAM!
Viviane Fernandes é pesquisadora em Infraestruturas Públicas Digitais no Idec, doutora em Antropologia Social e mestre em Comunicação.
Nahema Falleiros é pesquisadora em Infraestruturas Públicas Digitais no Idec. É doutora em Ciência da Informação pelo Ibict-UFRJ, mestra em Sociologia e bacharela em Ciências Sociais pela USP.
Agradecimento à coordenação do Programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec que contribuiu com comentários e sugestões valiosos ao artigo: Luã Cruz e Camila Leite Contri.