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Fórum Pix: Lições para a Governança de Infraestruturas Públicas Digitais

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Atualizado: 

27/08/2024
Fórum Pix: Lições para a Governança de Infraestruturas Públicas Digitais
Maria Luciano*

Nos últimos quatro meses, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) tem desempenhado um papel ativo no Fórum Pix, grupo consultivo permanente do Banco Central do Brasil (Bacen), no qual as regras e procedimentos do sistema de pagamentos instantâneos são discutidos. O Idec, primeira organização da sociedade civil a integrar o grupo, tem apresentado contribuições com o apoio de sua equipe de Infraestruturas Públicas Digitais (IPDs), buscando trazer a perspectiva dos usuários finais.

Uma das pautas recentes do Fórum foi a discussão sobre o aprimoramento do Mecanismo Especial de Devolução (MED), recurso criado para reembolsar consumidores que tenham sido vítimas de fraudes no Pix. Desde sua implementação em 2021, o MED tem mostrado limitações: em 2023, apenas 9% dos valores solicitados foram devolvidos. Um estudo da fintech de segurança financeira digital Silverguard constatou que 9 em cada 10 brasileiros não sabem o que é o MED ou como ele funciona.

O relatório também aponta que a maioria das solicitações de reembolso via MED são rejeitadas. Cerca de 89% dos pedidos não são atendidos devido à ausência de fundos ou ao fechamento das contas de quem recebeu. Isso ocorre porque, na maioria dos casos, o fraudador transfere rapidamente o dinheiro para outras contas ou saca o dinheiro logo após o golpe, tornando o reembolso impossível. No modelo atual do MED, o aviso de violação permite o bloqueio apenas na primeira conta — a primeira camada — que recebeu o valor, sem rastrear o fluxo do dinheiro. O novo projeto, MED 2.0, terá como objetivo bloquear fundos em outras camadas de triangulação. Sua implementação está prevista para o final de 2025.

90% dos brasileiros desconhecem o funcionamento do MED

O projeto MED 2.0, atualmente em discussão, promete mudanças importantes. Ele busca permitir o bloqueio de valores em camadas adicionais de triangulação, dificultando a movimentação dos recursos fraudados. A implementação do novo modelo está prevista para o final de 2025.

Governança do Fórum Pix e reflexões do Idec

Nossa experiência no Fórum Pix gerou importantes reflexões sobre a governança das infraestruturas digitais públicas no Brasil. Se o sucesso do sistema Pix deveu-se, em grande medida, ao processo de cocriação e colaboração fomentado pela criação de um grupo de trabalho de pagamentos instantâneos em maio de 2018, a forma como a governança do sistema tem sido conduzida desde o início de sua implementação pode ajudar a explicar alguns dos desafios atuais — como o aumento do número de fraudes e a acima mencionada ineficiência dos mecanismos de reparação.

Como uma infraestrutura digital que é pública, nós do Idec acreditamos que a criação de valor público não se resume apenas em medir como a sociedade se beneficia do Pix. Trata-se também de como esse valor público é criado: seus objetivos, como acontece, quem está envolvido e quem garante que ele seja relevante. As discussões sobre o MED 2.0 apresentam alguns questionamentos importantes nesse sentido.

Como tanto o Fórum Pix quanto o Banco Central do Brasil têm se mostrado abertos e receptivos às nossas contribuições e esforços, pensamos em compartilhar algumas reflexões, esperando trazer mais pessoas para a conversa.

Desafios de representatividade no Fórum Pix

O Fórum foi estabelecido pela Portaria do Ministério da Economia e do Banco Central do Brasil, nº 102.166, de 19 de março de 2019, como um comitê consultivo permanente para auxiliar o Banco Central do Brasil na definição das regras e procedimentos que regem as operações do Pix (Resolução BCB nº 1, de 12 de agosto de 2020).

Governado pelo Bacen, ele tem entre sua lista de deveres e responsabilidades “analisar e responder as contribuições dos participantes do Fórum Pix acerca das propostas” apresentadas ao Fórum para consulta pública (artigo 7º da Resolução BCB nº 1, de 12 de agosto de 2020). Essa atribuição faz parte da liderança do Banco Central na criação das “condições necessárias para o desenvolvimento de um ecossistema de pagamentos instantâneos que seja eficiente, competitivo, seguro, inclusivo e que acomode todos os casos de usos” (Comunicado BCB nº 32.927, de 21 de dezembro de 2018).

Contudo, o Bacen não tem conseguido seguir com a publicação das contribuições apresentadas pelos membros do Fórum, nem com suas análises e respostas a elas - apenas os slides usados durante as reuniões plenárias foram publicados. As contribuições ao grupo de trabalho de pagamentos instantâneos que precedeu o Fórum Pix, por outro lado, foram disponibilizadas publicamente.

Seus membros devem incluir: (1) participantes do arranjo, individualmente ou por meio de associações nacionais representativas; (2) prestadores e potenciais prestadores de serviços de tecnologia da informação; (3) pagadores e recebedores, por meio de associações nacionais representativas; e (4) prestadores de serviços de compensação e liquidação que ofereçam mecanismos de provisão de liquidez no âmbito do Pix (artigo 6º da Resolução BCB nº 1, de 12 de agosto de 2020). Além disso, a governança e as estruturas do sistema “devem garantir (1) a representatividade e pluralidade de instituições e de segmentos participantes e (2) o acesso não discriminatório” (artigo 4º da Resolução BCB nº 1, de 12 de agosto de 2020).

O Banco Central também aceitou a oferta da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) de assumir, em caráter voluntário, a secretaria do grupo de trabalho de segurança, tornando-a facilitadora de discussões como aquelas sobre o MED 2.0.

No entanto, nenhum procedimento de seleção ou nomeação ao Fórum foi estabelecido, e nenhuma lista de membros atuais está publicamente disponível.

Olhando para o futuro

O Fórum Pix tem potencial para se tornar uma referência para o mundo enquanto modelo de governança de IPDs. Para isso, contudo, é fundamental refletir sobre como garantir legitimidade e participação na tomada de decisões dentro do sistema Pix, para que a sua evolução continue construindo um sistema que seja eficiente, inclusivo, seguro e inovador. Nesse sentido, acreditamos que algumas iniciativas são importantes, como:

1. Diretrizes claras para a participação de diferentes stakeholders: necessidade de identificar os principais atores interessados e afetados pelo sistema, definir seus papéis e responsabilidades, com processos seletivos transparentes, mandatos expressamente estabelecidos e mecanismos participativos claros. Acreditamos que isso pode contribuir para a confiança da sociedade no Pix e garantir segurança jurídica aos participantes do ecossistema.

2. Processos para coletar inputs e incorporar contribuições: necessidade de tornar os documentos estratégicos publicamente disponíveis e responder de forma significativa às contribuições externas. Acreditamos que isso daria aos stakeholders acesso à racionalidade por trás das decisões, garantindo, assim, a prestação de contas e supervisão pela sociedade, que poderá avaliar o progresso, identificar lacunas e desafios, e fornecer recomendações baseadas em evidências.

3. Iniciativas de capacitação de atores: necessidade de alocar recursos e desenvolver as capacidades e habilidades de todos os atores interessados e afetados pelo sistema, para que possam participar de forma igualitária e significativa no Fórum Pix e no ecossistema do Pix — incluindo, necessariamente, consumidores.

Com essas reflexões, nós do Idec reafirmamos o nosso compromisso de colaborar com o Banco Central do Brasil e com o Fórum Pix para o aprimoramento contínuo do sistema de pagamentos, visando torná-lo cada vez mais eficiente, inclusivo, seguro e inovador.

*Maria Luciano é líder de pesquisa em Infraestruturas Públicas Digitais no Idec, membra da iniciativa “UN Universal Safeguards for Inclusive DPI” e professora no tema de governança de dados no setor público no Data Privacy Brasil.

*Equipe de Infraestruturas Públicas Digitais (IPDs), que contribuiu com comentários e sugestões valiosos ao artigo: Luã Cruz, Viviane Fernandes, Nahema Nascimento e Camila Leite Contri.
 

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