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Artigo publicado no portal Congresso em Foco, em 13/04/2021
Assim como o consumidor tem em suas mãos o poder da escolha, o eleitor tem em suas mãos o poder do voto para mudar a sociedade. Dois atos individuais, mas que, quando repetidos por muitas pessoas numa mesma direção, tornam-se um movimento. E é para alguns desses movimentos que precisamos dar atenção: a preocupação com a sustentabilidade da cadeia produtiva e a consciência de que o ambiente alimentar influencia a saúde das pessoas.
Um deles parece já ter entrado no radar dos nossos parlamentares. Segundo o Relatório Visão Socioambiental do Congresso Nacional, que integra o Painel Parlamento Socioambiental, e que ouviu 179 congressistas entre deputados e senadores, a maioria dos entrevistados (54,7%) entende que o Estado deve introduzir regras que obriguem os envolvidos na cadeia produtiva a "comprovarem a origem de seus produtos, focando nos mercados externo e interno, o que atende a consumidores e contribui para o combate ao desmatamento".
Neste ponto, é importante ressaltar que há uma pressão da comunidade internacional sobre o agronegócio brasileiro. A exemplo das ameaças de investidores europeus que, em 2020, informaram que retirariam seus investimentos do país caso o desmatamento na Amazônia não fosse controlado. Mas, internamente, essa cobrança por processos responsáveis, que respeitem os animais, o ambiente e os trabalhadores, também é forte e vem se ampliando.
Mesmo que os principais frigoríficos do Brasil venham investindo em diversas iniciativas para garantir a sustentabilidade do seu negócio, principalmente visando a redução do desmatamento, ainda há problemas. Um deles é o chamado mecanismos de “lavagem” ou “esquentamento” de gado. Fazendeiros usam documentos de fazendas regulares para vender gado criado em terras irregulares, que promovem o desmatamento. Justamente o controle desses fornecedores indiretos é falho.
Portanto, é pertinente que o Congresso comece a olhar com mais atenção para este processo visando criar regras que possam ser fiscalizadas e garantam que o produto que chega para o consumidor, seja ele brasileiro ou estrangeiro, não foi obtido por algum processo socioambiental destrutivo. Afinal, isso também interfere na qualidade final do produto.
Outro movimento importante que parece começar a ter um consenso entre os parlamentares é a necessidade de aumentar tributos sobre produtos danosos à saúde, a exemplo do que já foi feito com o tabaco. Bebidas alcoólicas, refrigerantes e produtos responsáveis por alta emissão de carbono no uso ou na produção também teriam maior carga tributária em razão dos prejuízos que acarretam à sociedade.
A ressalva nesse ponto é que o entendimento do problema ainda parece parcial. Enquanto a maioria dos entrevistados disse concordar em aumentar as taxas sobre os produtos acima, há uma divisão na opinião sobre os impostos de alimentos ultraprocessados.
Por conta do conteúdo excessivo de nutrientes associados a doenças crônicas não transmissíveis (sódio, açúcares, adoçantes, gordura trans e gordura saturada), o consumo de ultraprocessados reflete diretamente nas condições de saúde da população.
Pesquisas recentes já concluíram que o consumo desses produtos aumenta em 26% o risco de obesidade. Além disso, aumenta o risco de sobrepeso, obesidade e circunferência abdominal elevada em 23-34%, de síndrome metabólica em 79%, de dislipidemia em 102%, de doenças cardiovasculares em 29-34% e da mortalidade por todas as causas em 25%.
Ainda assim, o Congresso não parece estar disposto a mexer com a indústria alimentícia nesse momento. O mesmo ocorre quando se fala de produtos responsáveis por alta emissão de carbono. Há propensão a aumentar impostos e um reconhecimento dos impactos negativos da ausência do compromisso do Governo Federal com a prevenção de causas da mudança climática e da poluição urbana.
Contudo, a reversão desse contexto também requer que os parlamentares reconheçam fontes emissoras, como as mudanças de uso da terra, atividades industriais e aumento da taxa de motorização. Esta última é a fonte de emissão de gases efeito estufa que mais cresce e uma das principais responsáveis pela poluição do ar de centros urbanos. Mas o Congresso se divide sobre se deve ou não aumentar os tributos relativos ao uso de combustíveis fósseis na produção de produtos.
Neste caso não há desculpa de que a medida seria impopular. Uma pesquisa de 2018 do Instituto Clima e Sociedade (ICS) mostra que os consumidores concordam que combustíveis fósseis devem, sim, ser penalizados. Isso sem mencionar que a eletrificação do transporte tem ficado cada vez mais competitiva.
Vale ressaltar ainda que, enquanto ficamos presos a fontes de energias poluentes, perdemos oportunidades de avançar na implementação e busca de fontes de energia renováveis, que são mais baratas. Chega a ser decepcionante constatar que a maior parte dos entrevistados não conhece os projetos que tramitam no Congresso que visam modernizar o setor elétrico (35,8%) ou sequer responderam à pergunta sobre isso (30,2%).
Ainda assim, é preciso reconhecer que nossos deputados e senadores parecem estar ouvindo um pouco mais seus eleitores, e percebendo os movimentos das escolhas dos consumidores, mas para além de ouvir é preciso agir. Esta pesquisa sinaliza que a ação ainda está distante da percepção, uma vez que 68,16% dos parlamentares concordam que a Reforma Tributária deve incluir regras que incentivem a sustentabilidade socioambiental, mas, apenas 37,87% acham que a aprovação dessas regras seja factível.
Está na hora de não só escolhermos uma sociedade mais responsável socioambientalmente, mas também movimentar nossos votos na direção que queremos.
*Teresa Liporace é diretora executiva do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)