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Artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, em 20/05/2020
A pandemia de Covid-19 alterou drasticamente nossas rotinas e multiplicou os exemplos de solidariedade. O que falar da dedicação dos profissionais de saúde e de serviços essenciais, que arriscam suas vidas pelo bem de todos? Igualmente exemplar é a atitude daqueles que permanecem em casa e colaboram com o próximo. O mesmo se aplica a tantas empresas que fazem doações ou adaptam-se para suprir seus consumidores e a sociedade.
Mas, infelizmente, há exemplos negativos. O setor de planos de saúde, atividade essencialmente ligada ao enfrentamento da pandemia, é um deles. Poderoso, responde por mais da metade dos gastos em saúde no país para atender a um quarto da população, sem fornecer tratamentos que apenas o SUS oferece, como transplantes, e a maior parte dos medicamentos de uso não hospitalar.
Dados recentes da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram estabilidade financeira das operadoras e faturamentos crescentes, destacando-as como um dos poucos setores que aumentaram o faturamento durante a crise financeira de 2015. Em 2016, o lucro desse setor aumentou 70,6%, mesmo com a diminuição de usuários.
Essa situação permanece. No meio da pandemia, uma das maiores operadoras anunciou R$ 12 milhões em dividendos a seus acionistas. Dados recentes da ANS revelam tendência de aumento do retorno sobre o patrimônio líquido das operadoras de planos médico-hospitalares, com alta de 16,4%.
Em março, o Ministério da Saúde anunciou a liberação de R$ 15 bilhões ao setor, provenientes de um fundo formado por recursos das mensalidades dos consumidores para garantir a solvência das operadoras em momentos de crise. Um mês depois, a ANS definiu os termos para acesso a tais recursos, exigindo duas contrapartidas durante a pandemia: a manutenção do atendimento, mesmo em casos de inadimplência, e a manutenção do pagamento a prestadores de serviços de saúde.
Apesar de exigências bastante razoáveis, e sem incluir outras necessidades dos consumidores no acordo, houve grande contrariedade entre as operadoras, que queriam os recursos sem oferecer nada em troca.
A FenaSaúde, representante das grandes operadoras, rechaçou a proposta ao alegar sobrecarga do setor e estímulo à inadimplência. No final de abril, a ANS confirmou a pífia relação de nove operadoras que aderiram ao acordo, em um universo de mais de 700, nenhuma de grande porte.
Quanto aos custos que essas empresas enfrentam com a pandemia, nada se pode garantir até o momento, pois não há transparência. Se, por um lado, a Covid-19 produz um aumento inesperado da demanda, por outro a situação levou ao adiamento ou à suspensão de diversos procedimentos não urgentes.
Em relação à inadimplência, além de não ser razoável a presunção de má-fé da maioria dos usuários, voltamos ao exercício da solidariedade, ponto fundamental da discussão. Este é o melhor momento de praticar essa virtude, quando todos fazem sacrifícios mesmo vendo sua renda ser corroída.
Tal postura, de colocar a maximização do lucro a frente da vida das pessoas, é lamentável.
Marilena Lazzarini é Presidente do Conselho Diretor do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)
Teresa Liporace é Diretora-executiva do Idec