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A agenda ambiental precisa caminhar junto com o combate às injustiças sociais

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Atualizado: 

21/09/2022
Rafael Rioja Arantes*

A emergência climática e suas consequências há muito avançam para além do campo das evidências. São uma dura realidade que vêm comprometendo a saúde das pessoas consumidoras e do planeta. As assimetrias decorrentes dos impactos também são visíveis, ao passo que populações em vulnerabilidade socioeconômica são também as mais afetadas pela (in)justiça climática. Ela se expressa através da falta de acesso a alimentos, energia, saneamento, bens e serviços, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos, assim como pelo comprometimento de outros direitos fundamentais. 

As relações de produção e consumo se estabelecem no cotidiano das sociedades, estejam elas inseridas nos contextos locais ou globais. Nas últimas décadas, os sistemas hegemônicos têm se baseado no esgotamento do tecido social e dos recursos naturais, comprometendo a nossa e as futuras gerações. Entendemos o consumo sustentável e responsável como um caminho para a mudança de modelo, nas dimensões socioeconômica, cultural e ambiental. Ele é meio para a construção de sociedades em que a justiça social e ambiental caminhem juntas. 

Desmatamento zero tem que ser prioridade de qualquer governo

O Brasil é um dos países signatários do Acordo de Paris e tem como compromisso diminuir em 50% a emissão de gases do efeito estufa e acabar com o desmatamento ilegal até o ano de 2030. Pode parecer longe, mas está logo ali. Se o país não começar agora a se preocupar com o problema do desmatamento, o acordo não será cumprido e essa vai ser mais uma vergonha da política ambiental brasileira.

Por isso, defender e propor políticas públicas efetivas sobre o desmatamento zero é essencial para qualquer governo que assuma o país no próximo ano. O compromisso tem que ser de todas as candidaturas.

Porém, não é isso que se vê nos planos de governo disponibilizados ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Todas as candidaturas citam, ao menos, que se deve proteger o meio ambiente, mas a maior parte não explica como e o que de fato vai ser feito.

O que dizem as principais candidaturas sobre a agenda ambiental

Lula

O candidato que lidera as pesquisas, Luís Inácio Lula da Silva, traz o compromisso com o desmatamento zero e outras propostas para fortalecer novamente os órgãos que foram muito impactados com a gestão atual de Jair Bolsonaro.

Lula traz alguns feitos do governo dele na área ambiental e propõe aumentar ainda mais essa defesa do meio ambiente, inclusive com a criação de um ministério próprio para os povos originários brasileiros. Apesar do inegável avanço, em seu governo também foram observadas algumas contradições com o fomento a setores relacionados a padrões insustentáveis de produção  

Em importante sinalização, recentemente, Lula se reuniu com a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e acolheu as propostas dela para a pauta, o que inclui a criação da Autoridade Nacional sobre Mudanças Climáticas, definitivamente a proposta mais concreta e efetiva entre as quatro principais candidaturas para o Governo Federal. 

Esse órgão trabalharia com o intuito de fortalecer os demais existentes: Funai, Ibama e ICMBio, além de ter recursos próprios para políticas públicas que façam com que o país cumpra as metas do Acordo de Paris e chegue ao tão sonhado desmatamento zero.

Bolsonaro

O presidente da República, Jair Bolsonaro, trouxe um capítulo inteiro no programa de governo para tratar da questão ambiental, que vem sendo muito criticada em todo o primeiro governo dele.

O Brasil tem índices atuais de desmatamento gigantescos e esse número só aumenta. Além de toda a destruição de órgãos fiscalizadores, como o Ibama, a Funai e o ICMBio. Isso sem falar na tragédia com mortes de dezenas de indígenas, inclusive com a extinção de povos originários, como aconteceu recentemente com a morte do último índigena Tanaru.

Apesar de todos esses fatos, Bolsonaro afirma no programa que vai investir em diferentes soluções para garantir a proteção ambiental em conjunto com um desenvolvimento econômico nas áreas protegidas. Porém, não trata com a clareza necessária o comprometimento com o desmatamento zero. Sendo que, em participações em eventos internacionais, ele garantiu que cumpriria esse compromisso, caso fosse reeleito.

Ademais, por estar no cargo, o atual presidente pode ser avaliado pela forma como geriu a área ambiental durante seu mandato. O que as robustas evidências e medidas demonstram é que foi um período de intenso retrocesso, despriorização e enfraquecimento da agenda ambiental.

Ciro Gomes

Entre as quatro candidaturas mais bem colocadas nas pesquisas, o programa de Ciro Gomes é o que menos trata da questão ambiental. Afirma que é preciso diminuir o desmatamento na Amazônia e fomentar novas formas de crescimento econômico, mas não explica muito bem como fazer isso.

Em entrevistas, Ciro afirma que uma dessas formas seria a plantação de uma espécie nova na floresta para evitar o desmatamento ilegal do mogno. Porém, plantar uma espécie exótica em uma floresta que já está sendo devastada está longe de ser uma boa ideia. Além de não cumprir com o reflorestamento real das áreas degradadas, essa opção pode fazer piorar a situação, como ocorre, por exemplo, com a plantação de eucalipto em áreas da Mata Atlântica.

Ciro Gomes também já chegou a tratar sobre a exploração de determinados tipos de caça e de pesca na região amazônica, o que também pode piorar muito a situação de violência e degradação do ecossistema que já foi bastante atingido nos últimos anos.

Simone Tebet

Simone Tebet traz também um capítulo próprio para tratar das questões ambientais. Ela demonstra em diferentes momentos a afirmação de que o agro e o meio ambiente podem caminhar juntos e fornece uma série de propostas para isso.

Porém, enquanto senadora, Simone também votou e participação ativamente de aprovações de projetos de lei que atacavam os povos indígenas e também a proteção ambiental, como no caso da defesa pelas mudanças no chamado “Estatuto do Índio”, em que a candidata lutou para atrapalhar a demarcação de terras indígenas no país.

É preciso o compromisso com o meio ambiente

O que se espera é que, independentemente de quem vença, a pauta ambiental seja tratada com a seriedade necessária. A agenda climática não está apartada das outras questões sociais, ao passo que os grupos em maior vulnerabilidade socioeconômica são também os mais atingidos por ela  O Brasil é um dos países campeões no uso de veneno em comida por meio dos agrotóxicos, que destroem florestas, biomas e ecossistemas. É o país dos grandes crimes ambientais, como os cometidos pela Vale S/A em Mariana e em Brumadinho. É o país da impunidade socioambiental, já que nenhum desses crimes teve até hoje uma responsabilização correta e devida.

É preciso que quem vença assuma o compromisso não apenas com o fim do desmatamento, mas também com o reflorestamento de mata nativa das áreas degradadas. O controle, fiscalização e punição de quem comete crimes ambientais e de quem ameaça, tortura e mata ativistas e povos originários e tradicionais.

É preciso que quem vença assuma o compromisso de garantir uma real reforma no sistema alimentar que oriente novamente a vocação do país para alimentar sua população com alimentos saudáveis, produzidos com o correto uso da terra e com justiça para quem os produz,  que invista na transição agroecológica, na comida sem veneno, na agricultura familiar e em um desenvolvimento rural que seja compatível com as necessidades do povo brasileiro. Hoje são 33 milhões de pessoas passando fome e 125 milhões que não sabem se vão ter o que comer amanhã.

É preciso que quem vença assuma o compromisso de uma maior fiscalização e responsabilização de práticas danosas nos diferentes setores, como no agronegócio, na mineração ou na geração de energia. Não dá mais para suportar crimes e a poluição dos nossos rios, lençóis freáticos, a escassez de água, de alimentos, tudo em prol do lucro acima de tudo e de todos. Não é possível mais um país como o Brasil sobreviver com uma política que privilegia interesses privados e atinge diretamente os mais pobres e mais necessitados.

É preciso que quem vença assuma o compromisso de garantir a real demarcação de todas as terras indígenas e quilombolas. Para assim evitar as várias mortes, destruições e crimes que esses povos têm sofrido no país em todos esses mais de 500 anos de chegada dos portugueses por aqui.

É preciso que quem vença assuma o compromisso de construir as bases para que os investimentos e financiamentos sejam indutores de relações mais equitativas e sustentáveis nas diferentes áreas de produção e consumo, passando por alimentos, energia, mobilidade, resíduos e outros bens e serviços. 

Apenas com políticas fortes, enérgicas e reais é que será possível o Brasil ser um país ambientalmente sustentável e socialmente justo.

* Rafael Rioja Arantes é coordenador do Programa de Consumo Sustentável do Idec

 

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