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O novo mundo exige uma nova defesa aos consumidores

Tragédia climática ocorrida no Rio Grande do Sul, que se repetirá por mais vezes em outros locais, evidencia que não estamos preparados para acolher os atingidos

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Atualizado: 

10/05/2024
Lauro Alves/Secom
Lauro Alves/Secom
Carlota Aquino e Igor Britto*

O mundo mudou. Ele não vai mudar ou está em transformação. Essa mudança já chegou, embora muitos governantes e representantes do mercado ainda insistem na dúvida. Vivemos os impactos anunciados das mudanças climáticas que batem à porta da casa de todos e todas nós diariamente.

O colapso climático deve ser levado a sério. São as ondas de calor ou de frio extremo, os ciclones, as enchentes, os furacões, as queimadas. Tudo isso é realidade. Não adianta ficar com o discurso de que é preciso ter um plano de adaptação, de mitigação, de emergência. Isso já era para ter sido feito há tempos. Agora o que a gente precisa é de ação.

A tragédia que ocorre em 401 municípios do Rio Grande do Sul é a repetição majorada do que houve nessa mesma região no ano passado, e em outras regiões do Brasil e do mundo, e não será a última. A diferença entre o discurso em meio ao cenário evitável da crise humanitária e as ações revela que as empresas e governos não acreditam nas mudanças do clima, não sabem o que falar, não têm ideia do que fazer em uma situação de crise e agora todos nós vamos sofrer as consequências dessa barbárie institucionalizada.

Eles negam as evidências científicas, dizem que tudo é alarmismo dos defensores da natureza e que a defesa ambiental impede o avanço econômico. Comparam a tragédia com uma guerra, mas em catástrofes climáticas o inimigo é a negação aos alertas aos riscos do aquecimento global. Tudo isso produzido pelas ações das empresas, pelo desmatamento e pelos próprios governantes que flexibilizam leis que destroem o nosso país e o nosso planeta.

E o consumidor? A ponta mais fraca e mais prejudicada dessa cadeia de horrores não pode ser a mais penalizada. Não existe uma lei que trate sobre isso, mas é essencial um Marco Legal de Defesa de Consumidores Vítimas de Eventos Climáticos Extremos. Enquanto essa legislação não é feita, é necessário que o debate seja levado adiante.

O consumidor se tornou um refugiado climático, não pode arcar com os prejuízos por conta de um desastre ambiental. A ganância das grandes empresas, dos conglomerados financeiros e de setores que atuam no desmatamento e impactam diretamente as nossas áreas verdes, como o agronegócio, são, junto com a inércia de governos e parlamentares, os grandes responsáveis por essas tragédias. Então, eles que se entendam e paguem a conta da desgraça.

Agora que a conta chegou não vale fingir que não estamos colhendo o resultado das recentes decisões tenebrosas tomadas pelo Congresso Nacional e algumas Assembleias Legislativas, como a do próprio Rio Grande do Sul. Flexibilizaram leis ambientais, o licenciamento ambiental, liberaram mais agrotóxicos e destruíram o nosso Código Florestal. Tudo isso com anuência dos governos federais e estaduais que sequer tiveram coragem de vetar essas leis extremamente prejudiciais a toda população. Vidas foram e são destruídas. Sabe-se lá o tempo necessário para a reconstrução.

É essencial lembrar, por exemplo, da recente multa confirmada pela Justiça que o Ibama aplicou contra o Santander por ter dado crédito a uma empresa desmatadora da Amazônia. Isso sem falar do escândalo do Banco do Brasil emprestando valores a desmatadores do Pantanal. Tudo isso confirma a relação direta e promíscua entre empresas, governos e a destruição ambiental.

Toda e qualquer dívida, boleto, tarifa, taxa de juros, financiamento, crédito, empréstimo que uma vítima de um desastre como esse do sul tiver deve ser suspensa por tempo indeterminado até que esse consumidor tenha condições mínimas de poder pagar cada uma dessas obrigações. E é suspensão mesmo. Sem juros, sem multa, sem nada. Já as seguradoras devem facilitar o pagamento das indenizações referentes aos bens perdidos e/ou danificados.

Afinal, como uma pessoa vai pagar o financiamento ou IPTU de uma casa que está embaixo d’água ou que foi totalmente destruída pela correnteza? Como cobrar por um carro que está de cabeça para baixo na rua alagada em local incerto? Que conta de luz é essa se a cidade inteira não tem energia? Internet? Não tem luz, como vai ter internet? Como cobrar, se as causas dessa destruição toda partem de grandes empreendimentos que desmatam e aniquilam a natureza?

Nada disso deve ser cobrado de pessoas consumidoras. O que elas precisam agora é de água potável para beber. O dinheiro, se ainda tiver, vai ser usado para comprar comida, sabonete, remédio, absorvente, fraldas. O básico para sobreviver.

As grandes empresas de telefonia, energia, bancos, financeiras e todas as outras que absorvam, em solidariedade e necessidade, essa tragédia na vida de seus consumidores. Que mantenham o acesso sem cobrar um centavo sequer, pois a falta desses serviços pode comprometer as chances de sobrevivência, de resgate, de mitigação. Em especial para grupos populacionais que são excluídos historicamente, como pessoas negras, povos originários, comunidades remanescentes quilombolas, população periférica e ribeirinhos.

Foram as grandes corporações, em conjunto com governos coniventes com esses crimes ambientais, que transformaram o mundo em um apocalipse climático! São essas atividades econômicas que produzem o caos e a causa-raiz da destruição de vidas impactadas por eventos climáticos extremos! Por isso, são esses conglomerados que devem pagar pela catástrofe.

Enquanto não doer no bolso dos grandes responsáveis por essas e outras tragédias, nada vai mudar. Consumidores vítimas do colapso climático precisam de ajuda efetiva e duradoura, não apenas de compaixão. Quem deve pagar a conta pelo crime que as vítimas estão sofrendo são os que hoje dão entrevistas e publicam notas sem saber o que fazer com todo esse caos.

 

*Carlota Aquino é diretora executiva do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores)

*Igor Britto é diretor de Relações Institucionais do Idec (Instituto de Defesa de Consumidores)

 

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