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Atualizado: 

03/01/2018
Walter Moura, advogado do Idec em Brasília*

Faz 30 anos, a economia brasileira experimentava uma de suas piores recessões. A hiperinflação disparava preços que não eram acompanhados pelo poder de compra dos salários. Para conter esse fenômeno, o governo adotou medidas conhecidas como planos econômicos. Em 1987, houve o congelamento trimestral de preços orientado pelo então ministro da Fazenda, Luiz Carlos Bresser-Pereira ("Plano Bresser").

As políticas econômicas posteriores não alcançaram o êxito desejado. A perda mais relevante afetou milhões de brasileiros com dinheiro depositado em conta poupança. Era apenas o começo de um grande pesadelo que se repetiu nos anos de 1989 ("Plano Verão") e 1991 ("Plano Collor II").

Com a ajuda do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), milhões de poupadores descobriram que a correção de seus depósitos não estava correta. Parte do dinheiro guardado sumiu! O instituto apresentou Ações Civis Públicas (ACPs) para defender na Justiça os consumidores prejudicados.

As ACPs do Idec condenaram bancos a indenizar todos os poupadores que provassem ter sofrido dano. As financeiras se defenderam nesses processos, mas as condenações foram mantidas.

Na década de 2000, os tribunais mantiveram o direito dos poupadores. O que se esperava, a partir de então, era que o sistema judiciário convertesse suas decisões em pagamento aos cidadãos.

Não foi o que aconteceu.

Bancos deixaram de cumprir as condenações. Preferiram apresentar milhares de recursos judiciais ao STJ e STF. O argumento mais conhecido foi de que a conta seria grande demais para ser paga.

Em 2009, as instituições bancárias levaram ao STF medidas que, além de suspender por prazo indefinido milhões de execuções Brasil afora, geraram a possibilidade real de os poupadores não receberem nada ao final.

Em 2010, o STJ extinguiu mais de 1.100 ACPs em todo o Brasil (REsp 1.070.896, do ministro Felipe Salomão). Quase cinco milhões de suas execuções de poupadores foram extintas da noite para o dia. A imprensa pouco repercutiu essa fatídica derrota aos brasileiros.

Entre 2012 e 2016, o STJ diminuiu o alcance territorial de sentenças de ACPs e eliminou os juros remuneratórios de diversas contas (REsp 1.535.990, do ministro Felipe Salomão).

Em 2017, o STJ ainda colocou em xeque o direito de todos os poupadores não afiliados ao Idec. O tribunal ainda propôs excluir os juros moratórios, devidos a cada mês de atraso, da dívida dos bancos.

A redução do valor que a maior parte dos poupadores tinha a receber chegou a 70%. Se os juros de mora fossem excluídos, boa parte só receberia 10% do que foi pedido 20 anos atrás.

O Idec jamais deixou de defender, da tribuna, todos os poupadores, alcançando êxitos e suportando derrotas. Mas, além das perdas financeiras, os cenários futuros poderiam transformar os 3 milhões de poupadores com processos em pouco mais de 400 mil beneficiários.

Para milhares de poupadores idosos, acordar do pesadelo e ver o dinheiro efetivamente era sonho cada vez mais distante. Pior ocorreu para grande quantidade que morreu sem ver esses valores.

No início de 2016, o Idec fez pedido de mediação à Advocacia-Geral da União (AGU). O órgão, que em 2013 defendia os bancos no STF, voltou atrás e assumiu uma postura neutra, disposto a mediar um acordo. O Banco Central também veio à mesa.

Depois de mais de 50 rodadas de negociações nada fáceis, chegou-se ao consenso do texto levado ao STF.

Nenhum acordo é ideal, mas neste caso há garantias de que todos os poupadores com ação receberão valores superiores aos piores cenários que os bancos vinham conquistando na Justiça. Em troca do pesadelo permanente, o Idec despertou bancos e representantes de poupadores para acordarem entre si. É para isso que todos devem acordar.

 

*Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo