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Há muitas histórias de consumidores que tiveram problemas de atendimento com aplicações de internet como Uber, iFood, Airbnb e outras amplamente utilizadas em smartphones. As histórias geralmente possuem um mesmo padrão: o usuário utiliza um serviço por meio da plataforma de intermediação (ex: entrega de comida feita em outro restaurante). Aí ocorre um problema (ex: a comida vem errada). O consumidor, então, tenta pedir uma solução ou reembolso, mas fica limitado às opções do próprio aplicativo de celular.
Assim, surgem aborrecimentos e descontentamentos. Às vezes, as respostas são rápidas e eficientes. Às vezes, o consumidor fica no escuro, sem resposta e com a comunicação limitada por apenas uma forma, como e-mail. Seria o caso de atualizar o Código de Defesa do Consumidor para lidar especificamente com esse problema?
É essa a proposta de um projeto de lei do Senado, apresentado em dezembro de 2017 pelo senador Waldemir Moka (MDB/MT).
O projeto (PLS 481/17) é simples e prevê uma mudança pontual no Código de Defesa do Consumidor: a inclusão de um artigo 35-A, no capítulo de “Práticas Comerciais”, para definir que “os provedores de aplicações de internet manterão serviço de atendimento ao usuário para a solução de demandas em relação a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do serviço contratado”.
Além desse artigo, há dois parágrafos que o qualificam. O primeiro diz que o serviço “compreenderá a disponibilização de canal de atendimento em tempo real por meio telefônico, de aplicativos de mensagem instantâneas ou recurso tecnológico equivalente”. O segundo diz que os pequenos provedores de aplicações, “assim definidos em regulamentação”, poderão ser dispensados do parágrafo primeiro.
O projeto é bem intencionado, mas há duas questões que merecem ser discutidas pela comunidade de defesa do consumidor no Brasil.
Primeiro, é preciso discutir se não há sobreposição do projeto com o “Decreto do Serviço de Atendimento ao Consumidor” ensaiado pelo governo federal em 2018. Na minuta do Ministério da Justiça apresentada em fevereiro, as regras de atendimento também seriam aplicadas ao comércio eletrônico e prestadores de serviços de intermediação.
Além de abordar a questão do atendimento multicanal, a minuta do Decreto também previa regras de acessibilidade, impossibilidade de condicionamento do atendimento à coleta de dados pessoais, tempo máximo de espera para atendimento telefônico, direitos de acesso ao protocolo de atendimento, histórico de atendimento e eventual gravação de conversa telefônica, e o direito de bloqueio de eventuais chamadas de telemarketing que seriam decorrentes do próprio atendimento.
Em outras palavras, o “novo SAC” parece muito mais sofisticado do que a regra simplista proposta pelo PLS 481/2017. Não seria o caso de retomar a discussão em torno desse Decreto de regulamentação do CDC?
Segundo, o projeto diz que pequenos provedores de aplicações seriam excluídos da regra de atendimento multicanal. Mas quem definiria os critérios de “pequenos provedores”? Seria por número de usuários? Proporcionalmente a um território? E como isso seria definido? Por um decreto de regulamentação do Código de Defesa do Consumidor, tal como o “Decreto do SAC”?
Esse tipo de exceção para pequenos não encontra respaldo na lógica sistêmica do Código de Defesa do Consumidor. Uma pequena loja ou e-commerce não possui o privilégio de não cumprir com os direitos básicos dos consumidores. Estaria essa exceção justificada apenas por uma questão de custos? Como ela seria justificada, se a minuta do Decreto do Serviço de Atendimento ao Consumidor não prevê tal tipo de exceção?
Essas duas questões merecem ser enfrentadas na audiência pública sobre o PLS 481/2017 que será realizada na Comissão de Defesa do Consumidor do Senado nos próximos meses, que precisa incluir não somente empresas de tecnologia mas também entidades de defesa do consumidor.