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Mais retrocessos contra os consumidores dos planos de saúde

Iniciativa do Consu, comandada por Queiroga, demonstra desconhecimento técnico do papel da saúde suplementar

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Atualizado: 

12/05/2021
*Ana Carolina Navarrete e Maria Stella Gregori

Quem acompanha a agenda do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, já pressentia que velhos temas poderiam voltar ao debate. Desde que assumiu a pasta, Queiroga reuniu-se somente com representantes do setor privado, das operadoras e dos prestadores de serviço.

O resultado dessas articulações desavergonhadas veio à luz agora, com o anúncio de uma consulta pública sobre a chamada “Política Nacional de Saúde Suplementar Para o Enfrentamento da Pandemia da Covid-19”, que seria elaborada pela Agência Nacional de Saúde (ANS) com diretrizes e princípios definidos pelo Consu (Conselho de Saúde Suplementar), um órgão de representação interministerial.

A PNSS-Covid-19 vem tarde e vem torta. O texto, genérico e propositalmente impreciso, abre espaço, por exemplo, para a extinção dos prazos máximos de atendimento e para a proliferação de planos subsegmentados, mais baratos e com baixíssima cobertura, que se apoiam no SUS para a realização dos procedimentos mais caros e complexos.

Outra aberração é a ideia de ampliar o poder de interferência das operadoras nas relações entre médicos e pacientes, inclusive fazendo mais exigências para autorizar procedimentos e tratamentos – uma burocratização que tem o único objetivo de reduzir os gastos das empresas às custas da saúde dos consumidores.

Por fim, o texto desestimula o atendimento de consumidores de planos de saúde pelo SUS, o que fere nossa Constituição Federal, que garante atendimento a qualquer cidadão. As diretrizes propostas pelo Consu violam a autonomia técnica da ANS – que, aliás, foram fortalecidas pela Lei das Agências Reguladoras.

Desde o início da pandemia, não faltaram oportunidades para que a ANS e as operadoras de planos de saúde contribuíssem de maneira voluntariosa com o enfrentamento da crise.

O que a sociedade ouviu foi uma sequência de negativas cruéis. Cessão de leitos disponíveis para atendimento de pacientes em fila única com o SUS? Não. Ampla testagem da Covid-19 para os consumidores? Não. Inclusão irrestrita dos testes sorológicos no Rol de Cobertura Obrigatório? Não. Suspensão ampla dos reajustes para planos individuais e coletivos? Não. Suspensão da recomposição dos reajustes? Não.

Apesar de tudo isso, as operadoras agora são tratadas como grandes aliadas na batalha contra a pandemia e, como recompensa, ganharam a chance de impulsionar o setor em detrimento do SUS e dos direitos dos consumidores. Com o cheque em branco da nova política, elas podem finalmente emplacar sua agenda histórica de desregulação e redução das garantias assistenciais, em um mercado onde os abusos são persistentes.

E fica pior. A consulta pública acontece no exíguo prazo de dez dias, absolutamente incompatível com a complexidade e importância das questões que o texto da PNSS-Covid-19 levanta. O que se quer, não resta dúvidas, é envolver de legitimidade um processo com desfecho combinado: o fortalecimento e a ampliação do mercado de saúde suplementar e a oficialização do parasitismo em relação ao SUS – o que o texto do Ministério da Saúde convenientemente chama de “integração”.

Em todo o mundo a pandemia serviu para ressaltar a importância dos sistemas públicos e universais. O Brasil, mais uma vez, corre na contramão. A iniciativa do Consu, capitaneada pelo ministro da Saúde, demonstra desconhecimento técnico do papel da saúde suplementar nas ações de saúde no país e atesta que este governo se move à revelia da crise, sem compaixão ou empatia com milhares de pessoas e famílias dilaceradas pela Covid-19. O foco está na área econômica, e não nos cidadãos e consumidores. É por isso que defendemos a rejeição integral da proposta.

* Ana Carolina Navarrete - Advogada e coordenadora do Programa de Saúde do Idec.

* Maria Stella Gregori - Advogada, professora da PUC/SP, ex-diretora da Agência Nacional de Saúde (ANS).