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O recado das cerejeiras do Japão ao Brasil

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Atualizado: 

22/04/2021
Foto: iStock
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Clauber Leite

Artigo publicado no jornal O Globo, em 20/04/2021

As cerejeiras no Japão estão florescendo dez dias mais cedo do que o esperado na primavera oriental. A antecipação pode soar poética, mas é, na verdade, uma resposta da natureza ao aquecimento global. De acordo com o documento "State of the Climate 2019", relatório elaborado por cientistas de todo o mundo, a década passada foi a mais quente da história do planeta, e 2019 esteve entre os três anos com as mais altas temperaturas já registradas desde o século 19.

De olho no clima, os governos de mais de 100 países já ratificaram a Emenda de Kigali, que tem como principal objetivo estabelecer um cronograma de redução gradual no consumo dos hidrofluorcarbonetos (HFCs). Esses gases são usados como fluidos refrigerantes em condicionadores de ar, geladeiras e freezers e têm elevadíssimo impacto no efeito estufa. Para se ter uma ideia, o gás mais utilizado na maior parte dos aparelhos de ar condicionado à venda no Brasil, o R410A, tem potencial de aquecimento global duas mil vezes superior ao do dióxido de carbono.

No Brasil, o projeto de aprovação da emenda já passou pelas comissões da Câmara dos Deputados e aguarda há um ano e meio para ser levado ao plenário. Se for ratificada, a Emenda de Kigali aproximará o Brasil dos Estados Unidos e das demais nações da OCDE nos esforços para desacelerar o aquecimento global. Alvo de manifestações negativas internacionais pela forma como vem lidando com o desmatamento da Amazônia, o país enfrenta também críticas relativas ao descompasso em implementar medidas cuja execução é muito mais simples, como o cronograma de redução escalonada de consumo dos gases HFCs definido pela emenda.

É um problema que precisa ser encarado rapidamente. O Brasil tem hoje cerca de 28 milhões de aparelhos de ar condicionado e uma taxa de crescimento anual de cerca de 10%. Eventuais vazamentos do fluído desses aparelhos ou seu descarte inadequado ao final de sua vida útil representarão um volume enorme de gases refrigerantes com elevadíssimo potencial de aquecimento global. O crescimento acelerado do mercado indica que o problema tende a crescer exponencialmente nos próximos anos.

A ratificação trará ainda um outro benefício: alinhar a indústria brasileira às tendências do mercado internacional, aumentando sua competitividade e colocando o país na rota da inovação. Com a aprovação, estima-se que o parque industrial terá acesso a mais de US$ 100 milhões, a fundo perdido, para adotar processos produtivos de equipamentos com fluidos refrigerantes de menor potencial de efeito estufa. Essa modernização também deve garantir equipamentos mais eficientes para os consumidores brasileiros. O dinheiro é parte dos recursos do Fundo Multilateral para Implementação do Protocolo de Montreal para o período de 2021-2023.
O Legislativo tem a oportunidade de marcar o Dia Mundial da Terra, 22 de abril, com esse importante passo para ajudar a salvar o planeta. Mais, ao colocar a emenda em votação, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, tem em mãos a possibilidade de se apresentar como líder político alinhado com as tendências globais e de ajudar o novo chanceler, embaixador Carlos Alberto Franco França, a reabrir portas para a diplomacia brasileira. A maior parte dos países europeus já adota condicionadores de ar com fluidos de baixo potencial de aquecimento global. No mercado japonês, onde florescem cedo demais as cerejeiras, essa medida alcança 100% do mercado. O Brasil precisa fazer a sua parte.

*Clauber Leite é coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor