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Nos últimos anos, veio ganhando força um movimento que valoriza e incentiva o consumo de proteínas.
E se for notar, os supermercados espelham esse fluxo.
As prateleiras estão repletas de barrinhas, bebidas lácteas, biscoitos, bolos, preparos de massas, suplementos, entre outros produtos que passaram por fortificação proteica.
Ao longo do tempo, a ciência da nutrição desenvolveu diferentes formas de classificar os alimentos, e uma das mais conhecidas é a divisão deles em macronutrientes: carboidratos, proteínas e gorduras.
Esse método surgiu como um parâmetro para compreender a função dos alimentos no organismo e promover cálculos de dietas.
Ele tem utilidade para estudos e recomendações dietéticas, mas acabou ganhando força no senso comum com uma construção mercadológica que se apropria de determinados benefícios e colocou a comida como sinônimo de “percentuais” ou “gramas” desses nutrientes.
E isso tem uma nomenclatura, é o nutricionismo, um termo cunhado pelo cientista Georgy Scrinis, que é quando reduzem os alimentos apenas aos seus nutrientes, como proteínas, carboidratos e vitaminas, em vez de enxergá-los como parte de uma alimentação completa e cultural.
É perceptível que, atualmente, vende-se a lógica de que quanto mais se ingere proteína, mais saudável a pessoa está se alimentando.
Segundo reportagem do UOL (2024), o setor de suplementos alimentares no Brasil atingiu um faturamento de R$ 43 bilhões em 2023, sendo a proteína a categoria mais procurada pelas pessoas consumidoras.
Esse crescimento demonstra diretamente a busca por desempenho físico e praticidade alimentar — fatores que impulsionam a “snackficação” das refeições, ou seja, a substituição de refeições completas por lanches prontos, com foco em nutrientes isolados e alegações funcionais.
E, acompanhando esse comportamento do mercado, nós do Idec fizemos uma pesquisa com produtos que continham alegações proteicas no rótulo.
Dos 52 produtos analisados, haviam 65 alegações sobre proteína estampada na frente das embalagens.
Em 44 deles, o chamariz para atrair pessoas consumidoras é a informação sobre a quantidade, como “X g de proteína”.
Mas em 11 casos, vimos que a forma de dizer isso podia enganar o consumidor.
Foi o que nos deixou perplexos com um pacote de cookies proteicos.
Bem na frente, em letras grandes, dizia “13 g de proteína”. Só que, logo abaixo e bem pequenininho, explicava que esse valor era para cada 100 g do produto. Porém, o pacote tinha só 40 g, ou seja, na prática, o cookie entregava 5,4 g de proteína — bem menos do que a primeira impressão fazia parecer.
Outro ponto que nosso estudo observou foi que a estética da maioria das embalagens é direcionada a um estilo de vida saudável e esportivo, que induz as pessoas a acreditarem que estão fazendo uma escolha alimentar mais saudável.
A indústria tenta, por meio da publicidade abusiva, enganosa e persuasiva, fazer crer que a adição de nutrientes específicos (como as proteínas), em produtos ultraprocessados, os tornam produtos melhores.
Isso é enganação. Um ultraprocessado, com adição de proteína ou não, continua sendo um ultraprocessado.
São produtos que o consumo deles está associado com o desenvolvimento de obesidade e doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como diabetes, doenças do coração, hipertensão, entre outras.
Ingerir ultraprocessados proteicos não garante os mesmos benefícios nutricionais que o consumo de alimentos fontes de proteínas que são in natura ou minimamente processados, como os diferentes tipos de feijão, a lentilha, os ovos, o leite e seus derivados, além das carnes, para quem consome.
E quanto mais a indústria de ultraprocessados lucra adicionando proteína em produtos não saudáveis, os alimentos tradicionais, culturais e acessíveis - como os que citamos acima - têm sido desvalorizados no imaginário social.
O que fazer então?
Um caminho importante para não cair nas armadilhas dos ultraprocessados é ler atentamente a lista de ingredientes. E se encontrar na lista ingredientes de aromatizantes, corantes, conservantes e edulcorantes, saiba que é um ultraprocessado e, portanto, deve ser evitado.
O Guia Alimentar para a População Brasileira reforça que a base da alimentação deve ser construída em torno de alimentos in natura e minimamente processados, preparados de formas diversas e compartilhados no dia a dia.
Quando seguimos essa orientação, percebemos que não há necessidade de recorrer a barras, shakes ou biscoitos “turbinados” com proteína.
A suplementação de proteína e outros nutrientes somente deve ser indicada por um profissional da nutrição, em casos de necessidade.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), é recomendada uma ingestão diária entre 0,6 g a 0,8 g de proteína por kg de peso.
Mas, segundo o órgão, a ingestão na América do Sul, em 2022, era de em média 96,4 g por pessoa, geralmente mais de 1g por kg.
Enquanto isso, a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2023 para o consumo de frutas, legumes e verduras - que é de 400 gramas/dia/pessoa - não é alcançada por 78,6% de pessoas adultas que residem em capitais de estados brasileiros.
E a conclusão da conversa de hoje é que uma embalagem bonita com argumentos de saudabilidade não é garantia de qualidade para sua saúde.
Junte-se a nós, pressione para que exista maior rigor para liberar novos produtos no mercado e para que as embalagens e toda a comunicação (composição, tabela de informação nutricional, lista de ingredientes, publicidade) seja coerente e forneça informações de forma rápida, acessível e corretas para que, assim, você consiga fazer melhores escolhas.
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