Qual a história que sabemos sobre as diversas comunidades africanas que vieram para o Brasil, seus costumes e tradições? E como ela constitui a nossa cultura alimentar?
Por muitos anos, houve apenas uma narrativa em destaque.
Grande parte da comida brasileira foi descrita a partir da perspectiva europeia. Os relatos de viajantes que aqui estiveram contaram em cartas sobre hábitos, alimentos e preparos sob a ótica deles.
Apesar disso, 56% da população brasileira se considera negra, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ouvimos por aí que o quiabo e o inhame, por exemplo, são heranças africanas. Mas é só isso?
Tem muitas técnicas, receitas e costumes que estão preservados até hoje, mas de alguma forma, ainda é pouco conhecida pela maioria da população.
Essa ancestralidade pulsa e segue viva nos quilombos e comunidades de terreiro que perpetuam e valorizam a manutenção dessa tradição, mas muitos hábitos alimentares presentes na maioria dos lares brasileiros também fazem parte dessa história.
Quer um exemplo? O pilão é uma tecnologia criada pelo povo egípcio e influenciou várias culturas africanas. O ato de pilar grãos com líquidos para transformá-los em angus, os pirões, as papas, é algo muito comum da cultura africana e que a gente vê muito presente em diversos lugares do país.
E a gente precisa evidenciar e dar amplitude para isso, a fim de resgatar a beleza e a potência dos saberes ancestrais.
É muito importante poder conectar as pessoas em volta da mesa, falar sobre a sabedoria presente nos diferentes modos de preparo e da relação harmoniosa que existe na cosmovisão dos povos originários com o meio ambiente.
A alimentação de matriz africana tem como base muitos cozidos, ensopados, uma variedade de feijões, preparados de diferentes maneiras. Ela privilegia alimentos in natura e minimamente processados, assim como orienta o Guia Alimentar para a População Brasileira.
Segundo a pesquisadora Rute Costa, professora do curso de Nutrição e coordenadora do CulinAfro, um projeto de extensão da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o nosso Guia Alimentar traz um olhar regional da alimentação, de reconhecer a sazonalidade e regionalidade de alimentos e seus preparos.
Mas segundo a pesquisadora, nesse espaço de pensar, de fazer e de decidir sobre a alimentação ainda falta o reconhecimento de que foram essas comunidades, esses povos, essas populações que preservaram muito daquilo que hoje valorizamos.
Por isso, é preciso problematizar o que nos foi ensinado e ressignificar esse olhar sobre a alimentação afro-brasileira.
Dentro da filosofia dos povos africanos, existe uma escritura chamada Sankofa, que é um pássaro olhando para as próprias costas, e esse símbolo quer dizer: volte e pegue. Fala sobre a importância de aprender com o passado para construir o presente e o futuro.
E o que nós podemos fazer coletivamente para a expansão dessa cultura que é tão importante para a nossa gente?
- Incentive pessoas queridas a se reaproximarem dessa realidade, dos propósitos de coletividade, de partilha, de troca, da oralidade de compartilhar histórias.
- Visitar quilombos, mesmo em contextos urbanos, para ouvir pessoas mais velhas, compreender como essa caminhada pode ser importante para as próximas gerações.
- Precisamos cobrar por políticas públicas que possibilitem que as comunidades façam a aquisição de alimentos in natura.
- A educação é um grande pilar para a capacitação de pessoas, o fortalecimento dos laços e o empoderamento da população.
- É um direito universal o acesso a uma alimentação adequada. Resgatar a alimentação ancestral afasta as pessoas de uma alimentação baseada em ultraprocessados.
Gostou do assunto? Tem conteúdo especial para você se aprofundar e conhecer mais sobre a influência da culinária africana no Brasil, além de conhecer a verdadeira história da feijoada. Confira tudo aqui.
|