Muito se fala sobre a necessidade do uso de antibióticos ser moderado e que seu excesso faz mal à saúde.
Mas, e se você soubesse que o uso indiscriminado de antibióticos está criando uma crise sanitária e a resistência a esses medicamentos já é uma ameaça para a saúde humana, animal e ambiental?
Estima-se que aproximadamente 5 milhões de mortes por ano são causadas por microorganismos resistentes ao tratamento com os antibióticos conhecidos.
Esta é uma das consequências do que chamamos de resistência aos antimicrobianos (RAM). Se nada for feito, em 2050 a RAM será responsável por 10 milhões de mortes por ano.
A resistência antimicrobiana é um efeito natural da capacidade dos microrganismos de se adaptarem e se tornarem resistentes a medicamentos que conhecemos como antibióticos ou antimicrobianos.
As bactérias, vírus, fungos e parasitas que resistem aos tratamentos conhecidos são chamados de ultra resistentes, como é o caso das superbactérias.
Por que você deve se preocupar com isso?
Porque essa é uma ameaça real e, se agirmos, podemos salvar vidas.
A resistência antimicrobiana, ou as superbactérias, são um problema crescente:
A utilização indiscriminada de antibióticos nos sistemas de saúde e na produção animal intensiva tem desencadeado no aumento de microrganismos resistentes aos antibióticos vigentes. Por isso, os antibióticos têm perdido sua eficácia como tratamento de vários tipos de infecções bacterianas em humanos e em animais. Mais de 75% da produção global desses medicamentos é destinada a animais de produção.
Está cada vez mais difícil desenvolver novas terapias:
Com a disseminação da resistência aos antimicrobianos, a indústria farmacêutica tem encontrado dificuldades e altos custos no desenvolvimento de novos tratamentos. Isso tem resultado em maiores desafios médicos e graves problemas de saúde pública.
As mortes causadas por superbactérias vêm crescendo preocupantemente:
Só no ano de 2019, infecções causadas por microrganismos resistentes aos tratamentos conhecidos causaram quase 5 milhões de mortes. As projeções indicam que esse número aumentará para 10 milhões de mortes por ano até 2050. Esse número é maior que o câncer e a diabetes juntos. A resistência antimicrobiana pode ser a próxima pandemia e a hora de atuar é agora!
O que já foi feito para evitar o agravamento dessa crise sanitária?
Ações e soluções para esse desafio no Brasil e no mundo.
Desde os anos 90, o Idec vem alertando sobre o problema. Essa é uma agenda fundamental para a defesa das pessoas consumidoras!
ANOS 2000
- Idec começa sua atuação no tema, demandando maior controle na utilização de antimicrobianos na pecuária, contribuindo para ampliar a lista de antibióticos de uso restrito no campo.
2019
- Após um ano como observador, o Idec se juntou à Coalizão de Resistência aos Antimicrobianos (Antimicrobial Resistance Coalition, em inglês).
- O Idec participa ativamente da campanha de defesa da Fundação do Remédio Popular - Furp, laboratório público paulista que produz penicilina benzatina, um antibiótico essencial e em falta em diversos lugares do mundo.
2021
- O Idec se junta à Proteção Animal Mundial para lançar seu primeiro documento de posição unificado sobre o tema, buscando fortalecer o engajamento da sociedade em torno do tema.
2024
- Em parceria com a ReAct Latinoamérica, Idec contribuiu com as discussões do G20 sobre o tema, enviando um policy brief para o grupo de trabalho da sociedade civil, que discutiu estratégia para redução da fome, pobreza e iniquidades, com o título “Impactfull approaches for antimicrobial resistance (AMR)”.
- O Idec também participa da Assembleia Geral das Nações Unidas divulgando o chamado global “Da sociedade para os líderes: precisamos agir agora!”. Nessa Assembleia, os estados-membros pactuaram com uma declaração política que apresentou avanços importantes para o tema, como o compromisso com a redução da mortalidade em 10% até 2030 e a criação do painel internacional de evidências. Mas ainda há muito para avançar!
- O Idec passa a compor o Comitê Técnico Interinstitucional de Uma Só Saúde que tem como objetivos principais criar um Plano de Ação Nacional de Uma Só Saúde, articular estratégias multissetoriais com Estados e Municípios, e apoiar pesquisas que utilizem a abordagem no enfrentamento da RAM e outras ameaças à saúde pública.
Resistência Antimicrobiana é um desafio internacional e intersetorial
A resistência antimicrobiana tem demandado mudanças na agropecuária, na saúde humana e na produção de medicamentos. Discussões internacionais reúnem organizações como a OMS (Organização Mundial da Saúde), a OIE (Organização Internacional de Saúde Animal) e a FAO (Organização para Alimentação e Agricultura), que formam um secretariado conjunto tripartido para fortalecer o combate às superbactérias. Desde 2015, a OMS coordena um Plano de Ação Global, lançado na Assembleia Mundial de Saúde, para impulsionar ações globais contra a RAM.
Regulamentação na Europa
Desde 2006, a Europa baniu os aditivos antimicrobianos como promotores de crescimento e, em 2019, aprovou novas regulamentações que restringem fortemente o uso de antibióticos na agropecuária. Como resultado, as vendas de antibióticos de uso animal caíram 53% entre 2011 e 2022 em 25 países europeus. Além disso, houve uma redução média de 1,2% no uso de antibióticos em humanos entre 2013 e 2022 em toda a Europa.
E aqui no Brasil, qual é o cenário?
Desde 2011, o Brasil obriga a prescrição médica para uso de antibióticos. O que pode ter impactado positivamente na redução da utilização desses medicamentos. Mas, a pandemia de Covid-19 foi um fator importante para aumento do uso de azitromicina e outras classes de antimicrobianos.
Outros avanços incluem a criação do Plano de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no âmbito da Saúde Única, o PANBR (2018-2022), e a publicação da Diretriz Nacional para elaboração de Programas de Gerenciamento do Uso de Antimicrobianos em Serviços de Saúde, que visa orientar profissionais na implementação desses programas. Em 2019, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) lançou o Projeto Stewardship Brasil para avaliar o panorama nacional de programas de gerenciamento em UTIs adultas.
E na agropecuária?
Embora o Brasil esteja implementando políticas para banir o uso de alguns antimicrobianos, a quantidade de antimicrobianos utilizados em sistemas produtivos é alta, se comparado com países da União Europeia. Isso revela a gravidade do problema e a distância para soluções eficazes. Outro estudo encontrou genes resistentes a antibióticos críticos para a saúde humana, como é o caso da ciprofloxacina e oxitetraciclinas, em áreas de produção de suínos banhados pelo rio Guaporé, no Rio Grande do Sul
O Sistema de Dados de Venda de Antimicrobianos de Uso Veterinário (AgroMonitora) foi implementado em 2021 para monitorar as vendas de antimicrobianos veterinários, mas é necessário melhorar o acesso e uso desses dados para formular políticas públicas eficazes de combate à resistência antimicrobiana (RAM).
O que precisamos fazer hoje para evitar uma catástrofe amanhã?
Garantir acesso a medicamentos sem excesso: Utilizar os medicamentos disponíveis de forma correta, ou, como se diz no meio farmacêutico, de forma racional, usando-os apenas quando forem necessários: somente no tratamento de uma infecção bacteriana diagnosticada; utilizando a substância mais adequada para cada situação; e monitorando o uso desses produtos nas redes de saúde.
Ações preventivas: Promoção de hábitos saudáveis como lavar as mãos e lavagem dos alimentos, e o investimento contínuo na infraestrutura de saneamento básico brasileiro. Aproximadamente 15,8% da população brasileira não tem acesso à água tratada, 44,5% não tem acesso à coleta de esgoto.
Saúde e bem-estar animal: É necessário proibir o uso profilático de antimicrobianos em animais e sua aplicação como promotores de crescimento, limitando seu uso ao tratamento para o bem-estar animal. Slogans e produtos "livres de antibióticos" podem ter o efeito oposto, negligenciando o tratamento de doenças. Além disso, é fundamental um controle mais transparente da comercialização e uso de antimicrobianos por empresas, pontos de venda e órgãos como o Ministério da Agricultura e o Ministério da Saúde.
Investimento em pesquisa: É essencial investir em pesquisas para descobrir novos antibióticos e desenvolver vacinas e tecnologias em saúde. Criar medicamentos envolve anos de pesquisa e testes clínicos, e a venda de antibióticos de baixo valor é pouco atraente para a indústria, exceto em grandes volumes. Laboratórios públicos podem ajudar a resolver isso. A dependência da produção de fármacos na China e Índia pode causar escassez, como ocorreu no surto de sífilis congênita em 2016 no Brasil, devido à falta de penicilina.
Trabalho intersetorial: Avançar com ações efetivas requer a abordagem "Uma só saúde". No Brasil, o primeiro passo foi a criação do Comitê Técnico Interinstitucional em Uma Só Saúde, que busca desenvolver um Plano de Ação Nacional, articular estratégias multissetoriais com Estados e Municípios e apoiar pesquisas baseadas nessa abordagem para enfrentar a resistência antimicrobiana e outras ameaças à saúde pública.
Mudanças no ecossistema: Organizações como a ReAct Latinoamérica destacam a necessidade de uma abordagem ecossistêmica para enfrentar a resistência aos antibióticos, substituindo a metáfora da guerra, que vê as bactérias como inimigas, por uma visão que reconhece o papel essencial dos micróbios na saúde humana. O desenvolvimento de eubiotas surge como alternativa aos antibióticos, mas não é uma solução única, já que antimicrobianos ainda são necessários para tratar infecções.
Saiba mais:
- Idec entra para coalizão internacional de resistência a antibióticos
- Antibiotic Resistance Coalition
- ReAct Group
- ReAct Latinoamérica
- Tackling antibiotic resistance from a food safety perspective in Europe - WHO
- Stop using antibiotics in healthy animals to prevent the spread of antibiotic resistance
- Haja Estomago
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Realização
Essa campanha foi construída pelo Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) em parceria com a ReAct Latinoamérica, uma rede global dedicada a combater a resistência aos antibióticos.