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Os argumentos econômicos utilizados pela Abia (Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação) para enfraquecer a escolha do modelo de rotulagem nutricional de advertências são inconsistentes e imprecisos, e estão baseados em um estudo que contém erros metodológicos graves.
Essa é a conclusão de um parecer técnico, crítico e independente emitido pelos especialistas Denisard Alves, PhD em Economia e professor emérito da FEA-USP (Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo) e Camila Steffens, mestre em economia. Eles se debruçaram sobre dados divulgados recentemente pela Abia e concluíram que não devem ser levados em conta pelos tomadores de decisão por apresentarem falhas graves.
Um dos argumentos mais frágeis utilizados pelos fabricantes é o de que o modelo de advertências poderia causar uma retração de 10% no consumo interno porque os brasileiros não ficariam satisfeitos com as mudanças implementadas nos rótulos. A estimativa, porém, é totalmente incompatível com dados divulgados pela própria indústria que apontam que apenas 6,4% dos consumidores alegam que os rótulos são determinantes no consumo.
Os economistas lembram, ainda, que no Chile as advertências foram bem recebidas pelos consumidores. "No caso do Chile, por exemplo, a adoção da rotulagem frontal via modelo de alerta, em vigor desde 2016, teve uma boa recepção pela população, a qual considerou que essa informação era clara e confiável, permitindo a identificação dos produtos que geram maiores danos à saúde".
Além disso, o impacto econômico estimado está baseado em uma pesquisa Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística), realizada em 2017, que não é representativa da população brasileira. Uma análise cuidadosa evidencia que a proporção de indivíduos nas distintas faixas etárias, nos níveis de escolaridade e na condição de municípios estão diferentes quando a pesquisa Ibope é comparada com dados da Pnad (Pesquisa Nacional realizada pelo IBGE).
Se não há razões para alardes no mercado interno, tampouco há motivos para supor que o Brasil deixaria de exportar alimentos para países que adotam outros modelos de rotulagem frontal. Principalmente porque não há um único modelo que seja utilizado em todas as partes do mundo. É possível, aliás, que os fabricantes já tenham que se adaptar hoje em dia aos diferentes modelos em vigor mundo afora.
O que a indústria também parece ignorar é que o modelo de advertências estimula a reformulação de produtos não saudáveis para que deixem de exibir o selo de alerta para a presença em excesso de sódio, açúcar e gorduras. Esse também é um movimento que tem sido observado no Chile. Se levada em conta a possibilidade de reformulação, o impacto no consumo e, consequentemente, na produção da indústria de alimentos seria bem menor.
“A experiência de outros países indica que o mercado consegue se adaptar de forma fácil com medidas mais restritivas do que a que estamos propondo no Brasil. Não há motivo para acreditar que aqui vai ser diferente”, complementa a nutricionista do Idec, Ana Paula Bortoletto.
Impactos positivos não mensurados
Por fim, alertam os economistas, impactos positivos potenciais devem ser considerados. Reduzir o consumo de nutrientes críticos, por exemplo, traz ganhos sobretudo para a saúde e o bem-estar geral da população. Obesidade, diabetes, problemas do coração e câncer estão entre as doenças mais comuns ligadas ao consumo excessivo de produtos ultraprocessados. Ana Paula Bortoletto, do Idec, lembra que o avanço rápido das doenças crônicas não transmissíveis impacta diretamente nos custos para a saúde pública.
“Se existem evidências de que um modelo de rotulagem frontal seja mais efetivo para atingir os benefícios esperados pela política, esses impactos positivos devem ser considerados na análise de custo-benefício do modelo a ser adotado. Esse é o nosso parecer”, finalizam Denisard Alves e Camila Steffens.