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Após noticiado na imprensa uma proposta unilateral de uma nova lei dos planos de saúde, elaborada por empresas e entidades do setor, o Idec divulgou hoje (18) uma análise crítica do projeto, que pode trazer prejuízos ao sistema de saúde e aos 47 milhões de cidadãos vinculados à assistência médica suplementar.
Para o Idec, o projeto é baseado nos ganhos financeiros das empresas e não há preocupação com os impactos negativos para os usuários de planos de saúde. “É um conteúdo arrogante que classifica médicos, hospitais, doentes crônicos e idosos como inimigos a serem combatidos”, diz o documento.
Entre os principais problemas apontados pelo Instituto está a mudança na comercialização de planos individuais pelas operadoras, que fica condicionada à isenção de taxas, coberturas reduzidas e descontos. Segundo o Idec, restrições radicais de cobertura são atrativas num primeiro momento pois fazem reduzir os valores das mensalidades, mas tendem a gerar gastos catastróficos para indivíduos e famílias no momento do adoecimento.
Além disso, a análise critica a redução de coberturas, que passam a ser baseadas em módulos assistenciais que serão limitados a uma ou a determinadas possibilidades de uso de serviços de saúde. Ou seja, permite a contratação de planos apenas com consultas médicas, mas sem exames ou terapias; planos com internação, mas sem emergência, ou com internação, mas sem taxas de admissão em centros cirúrgicos, ou sem possibilidade de acompanhante.
A proposta das empresas sugere ainda mudanças relacionadas a reajustes de mensalidades, encerramento do ressarcimento ao SUS e impõe controles a médicos e hospitais, entre outras alterações.
O Idec ressalta que tão grave quanto as mudanças pretendidas é a maneira como o projeto foi formulado e supostamente encaminhado ao Legislativo. “Ao apresentar uma proposta pronta e acabada, uma iniciativa explicitamente autoritária, seus autores desprezam o debate e os processos democráticos de construção das normas sociais”, analisa o documento.
A análise com 11 pontos críticos foi realizada pelos especialistas Ligia Bahia (professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ), Marilena Lazzarini (presidente do Conselho Diretor do Idec) e Mário Scheffer (conselheiro do Idec e professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP). Confira os pontos de maior atenção com as mudanças:
COBERTURAS
Como é hoje
Hoje os planos de saúde devem atender todas as doenças listadas na Classificação Internacional de Doenças, e o consumidor pode contratar até três tipos de coberturas, que podem ser combinadas: ambulatorial, hospitalar e obstetrícia (além da completa, chamada referência).
Como querem os planos de saúde
As coberturas passam a ser divididas em "módulos". No caso do atendimento ambulatorial, seria possível contratar planos apenas com consultas médicas; consultas com exames e tratamento; e consultas com terapias. No caso das internações hospitalares a proposta prevê oito módulos: só emergência; só internação; internação com UTI; pagamento de honorários de profissionais de saúde; exames e medicamentos; taxas para admissão em centros cirúrgicos; acompanhantes para adultos; e atividades de fisioterapia, nutrição, fonoaudiologia e psicologia.
Consequências na Prática
O consumidor não tem condições de prever quais serviços de saúde pode precisar. Assim, com a nova proposta, ele poderia adquirir planos sem acesso a emergência ou especialidades, sem acesso a exames, UTI, ou salas de cirurgia. Por exemplo, quem tiver um plano apenas com o módulo consultas médicas, em especialidades básicas, seria atendido por profissionais generalistas, mas não teria acesso a especialistas nem a exames necessários para o diagnóstico.
REAJUSTES
Como é hoje
A ANS estabelece um teto de reajuste anual para os planos individuais. Já nos planos coletivos (empresariais, de adesão) ou contratados por microempreendedor individual (planos MEI), os aumentos não são definidos ou regulados pela ANS, as empresas apenas informam e aplicam os valores do reajuste.
Como querem os planos de saúde
Os reajustes anuais para contratos individuais e coletivos serão baseados na variação dos custos médico-hospitalares e das novas tecnologias diagnósticas e terapêuticas. As operadoras poderão definir reajustes diferenciados conforme a região do país e em função do tipo de plano (módulos segmentados de cobertura e padrões da rede credenciada)
Consequências na Prática
A proteção que existe hoje nos planos individuais cairia por terra uma vez que as empresas de planos de saúde poderiam impor cobranças elevadas de mensalidades para se “protegerem”da alegada elevação de despesas assistenciais, como acontece hoje com os planos coletivos. O aumento das mensalidades dos planos já é um dos problemas mais reclamados e judicializados hoje.
FRANQUIA E COPARTICIPAÇÃO SEM LIMITES
Como é hoje
Hoje há entendimentos da ANS prevêem que a coparticipação (pagamento por cada atendimento) tenha o valor máximo de 30% do que custa o procedimento. É proibida a cobrança em valor elevado ou que caracterize financiamento integral do procedimento e na coparticipação para casos de internação e atendimento de emergência hoje é estipulada a cobrança de um único valor fixo.
Como querem
Franquia (valor que a operadora não cobre, ficando sob responsabilidade do consumidor) e coparticipação para todo tipo de necessidade de atenção à saúde. Esses pagamentos adicionais não teriam limites por condições de saúde ou tipo de atendimento. Os valores de coparticipação poderão ser escalonados, ou seja, aumentar de acordo com o uso do consumidor.
Consequências na Prática
Será impossível arcar, simultaneamente, com o pagamento de mensalidades e com a soma das coparticipações. As normas brasileiras já destoam das internacionais ao admitirem coparticipação para internações e emergências. A nova proposição, ao permitir que cada empresa tenha regras próprias para os eventos e valores a serem cobrados, poderia negar a quem pagou o plano durante muitos anos o direito de ser atendido quando necessitar.
PRAZOS DE ATENDIMENTO
Como é hoje
As atuais normas da ANS estabelecem prazos máximos para o agendamento de consultas (7 dias em especialidades básicas e 14 dias nas demais especialidades médicas) e para internações eletivas (21 dias).
Como querem
As operadoras poderão descumprir prazos e critérios de atendimento, baseados inclusive na oferta regional (existência ou não de serviços na região). A postergação do atendimento não será motivo de punição das operadoras.
Consequências na Prática
O acesso a consultas e internações poderá ser retardado, impedindo diagnósticos precoces e início de tratamentos, o que pode levar ao agravamento de condições clínicas. Na prática, a ausência de tempos máximos de espera para atendimento impedirá o acesso, o que colocará em risco a saúde dos pacientes.
BARREIRAS AO ACESSO
Como é hoje
Hoje em dia as operadoras lançam mão de diversas barreiras que impedem o acesso do consumidor aos serviços de saúde adequados, através de mecanismos como autorizações prévias e juntas médicas prévios à liberação ou não de tratamentos, que impedem que os pacientes e seus médicos tenham liberdade de escolha de especialistas, de locais de realização de exames e de serviços credenciados ou retardam atendimento.
Como querem
Pela nova lei, os mecanismos hoje existentes serão oficializados, além de mecanismos novos, como a triagem e avaliação inicial, que poderá ser feita por um gate-keeper (“médico-porteiro”, que tem a função de evitar o acesso direto ou o encaminhamento para médicos especialistas e exames), referendados.
Consequências na Prática
Pelas novas regras a atenção especializada e de alto custo poderia ser negada com base em normas legalmente instituídas. Os pacientes não acessariam serviços até mesmo credenciados pela operadora. Com isso, a rede de serviços apresentada como propaganda para atrair clientes não corresponderia àquela efetivamente disponível. As juntas médicas contratadas pelas operadoras trarão conflitos de interesses, levando a impasses éticos e atritos entre profissionais que dificultariam a efetividade do atendimento aos pacientes.
DOENTES E IDOSOS
Como é hoje
A lei proíbe a discriminação em função de idade ou doença, embora seja possível reajustes em função da idade e pessoas com doenças preexistentes possam ser submetidas ao cumprimento de períodos de carência (mas nunca excluídas dos planos). No caso dos reajustes, os valores das mensalidades para a faixa etária acima de 59 anos podem ser até seis vezes mais do que os da primeira (0 a 18 anos); ou seja, é permitida variação de 500% entre a primeira e a última faixa etária.
Como querem
A proposta permite que as empresas de planos excluam previamente de seus contratos coletivos pessoas classificadas como potencialmente causadoras de despesas com saúde - os doentes. As operadoras poderão negar contratos para empregados doentes em planos coletivos e vedar doentes em outras modalidades (pessoa Jurídica e coletivos por adesão). Os planos teriam regras mais flexíveis de reajuste de acordo com a idade, com revisão a cada quatro anos. Seriam também comercializados planos que admitem elevação dos preços a cada ano de vida.
Consequências na Prática
Trabalhadores do setor privado e público e seus dependentes poderão ser impedidos de se vincularem a planos de saúde. Aumentos por idade penalizariam os idosos que a cada ano teriam suas mensalidades majoradas não apenas por índices de reajuste, mas também em função de completarem mais anos de vida. Ficaria inviável para idosos manterem seus contratos com aumentos cumulativos e em progressão geométrica. Na prática, as operadoras poderão excluir doentes e “expulsar” idosos.
DEVERES DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE
Como é hoje
Os contratos e as relações entre profissionais de saúde e operadoras não são regulamentados pela ANS.
Como querem
A lei estabelece normas para a atuação de profissionais de saúde que prestam assistência para clientes de planos de saúde, ficando proibidos contratos de exclusividade de médicos e profissionais com operadoras de planos de saúde. A negociação entre operadoras e profissionais é livre e as formas, valores e prazos de pagamentos e remuneração dos planos de saúde aos prestadores de serviços serão negociados caso a caso.
Consequências na Prática
Por meio da livre negociação de valores de remuneração, a lei permitiria que planos de saúde se contrapusessem à autonomia dos médicos. Alguns controles sobre os prestadores definiriam um ambiente carregado de desconfianças, gerando ainda mais desvios, distorções e práticas indevidas.
PLANOS INDIVIDUAIS
Como é hoje
Atualmente poucas empresas comercializam planos individuais, já que a prioridade são os contratos coletivos, isentos da observância das atuais regras de reajuste e rescisão de contratos.
Como querem
A comercialização de planos individuais pelas operadoras ficará condicionada à isenção de taxas, coberturas reduzidas e descontos.
Consequências na Prática
A venda de planos individuais retorna, porém com coberturas reduzidas e com isenção de taxas e descontos para empresas. Isso aumentaria o número de clientes, mas faria crescer no mercado o número de planos com fragmentação do atendimento e menor resolução de problemas de saúde.
RESSARCIMENTO DO SUS
Como é hoje
Hoje o ressarcimento é previsto para as coberturas contratadas e apenas para atendimentos eletivos, mas não ocorre em emergências atendidas na rede SUS. Nas regras atuais, a ANS cruza os dados e identifica os usuários de planos atendidos no SUS. O valores a serem ressarcidos constam em tabela de procedimentos aprovados pela ANS, sendo inferno iores aos praticados pelas operadoras.
Como querem
Caberá ao SUS providenciar a notificação de que um paciente de plano de saúde foi atendido na rede pública e, caso notificada, a operadora fica encarregada de entrar em contato e providenciar a transferência para o atendimento ambulatorial e hospitalar em sua rede credenciada. Se efetivado, os valores do ressarcimento serão os mesmos dos praticados pela tabela do SUS.
Consequências na Prática
A nova lei transfere para a rede pública a obrigação de atender clientes de planos de saúde e notificar as operadoras, além de desobrigar as empresas de pagar pelo atendimento de pacientes muito graves atendidos no SUS e que não podem ser transferidos por critérios médicos.
MULTAS
Como é hoje
A proporção entre multas aplicadas e multas arrecadadas é desigual, havendo pressões para cancelamento de penalidades. Ambas representam parcela significativa das atividades regulatórias e do orçamento da ANS.
Como querem
As receitas obtidas com multas não poderão ser utilizadas pela ANS e passaria a existir um teto. O projeto prevê perdão de multas, cobrança de acordo com a “capacidade” do plano de saúde em pagá-la e o retorno dos valores cobrados para os próprios planos infratores.
Consequências na Prática
As multas deixariam de ter o efeito de inibir práticas abusivas. A quase impossibilidade de penalizar operadoras intensificaria problemas e reclamações de usuários e destituiria a ANS de seu papel regulatório.
AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR
Como é hoje
A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) é a instância executiva encarregada da regulação dos planos de saúde. Já o CONSU (Conselho de Saúde Suplementar), integrado por membros de ministérios e indicados do governo federal, é um órgão de natureza política pouco acionado nos últimos anos.
Como querem
O CONSU passaria a ter um papel hierarquicamente superior ao do ANS, arbitrando conflitos e celebrando termos de mediação.
Consequências na Prática
O rebaixamento da ANS descaracteriza suas atribuições regulatórias e decisórias. As diretrizes da regulação passariam a ser definidas por critérios prioritariamente políticos e ainda mais sujeitas a pressões econômicas.