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Atualizado:
O Brasil ousou criar o maior sistema público de acesso universal à saúde do mundo, o Sistema Único de Saúde (SUS). Ele é direito de qualquer pessoa que resida no Brasil, é integral – o que significa que deve fornecer o tratamento a qualquer problema de maneira completa – e é equitativo – igual para todos, priorizando as pessoas que mais necessitam. Conseguimos assim criar uma política de saúde acima de qualquer governo, federal, municipal ou estadual, superando o modelo anterior, do Inamps, mais caro, menos acessível e restrito a quem tinha carteira de trabalho.
A alternativa audaz foi também a mais eficiente. O SUS, como a maior parte dos sistemas de acesso universal, é mais barato e mais eficaz que as alternativas privadas e conseguiu melhorar sensivelmente indicadores da população brasileira, como as taxas de mortalidade infantil e materna. Contudo, tem sofrido ao longo do tempo com falta de recursos. E, em um momento que enfrentamos a pandemia do novo coronavírus, o subfinanciamento das políticas de saúde pode tomar proporções catastróficas. Ainda mais quando se torna mais evidente que esse sistema universal é o que apresenta a melhor resposta nesse momento de crise.
Desde sua criação, o sistema faz muito, com poucos recursos. Além dos serviços públicos, o sistema brasileiro custeia medicamentos, próteses, órteses e outros insumos, é responsável pelo Serviço Móvel de Atendimento de Urgência (SAMU) no país todo, pela política de imunização (inclusive produzindo vacinas), coordena um sistema de vigilância em saúde que unifica eventos importantes, como casos de Covid-19, e conta com um amplo conjunto de laboratórios para realização de testes e produção de medicamentos. Um exemplo disso são milhares de pacientes com acesso gratuito a exames para o Covid-19, o que não se repete em outros lugares.
Comparando-se com o setor de planos de saúde, nosso sistema público custa aproximadamente 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto a rede privada responde por um montante de 4,2% do PIB em gastos. No entanto, a saúde suplementar atende somente em torno de 25% da população brasileira, não custeia medicamentos fora do ambiente hospitalar e não garante atendimento móvel de urgência. Além disso, o SUS é responsável por realizar mais de 95% dos transplantes em território nacional, que os planos de saúde se recusam a custear.
A despeito disso, o SUS sofre com a falta de recursos. O Brasil gasta muito menos em seu sistema público do que a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do que seus vizinhos latino-americanos ou outros países de renda média.
Não bastasse isso, o golpe mais intenso na sustentabilidade financeira do sistema público foi a aprovação da Emenda Constitucional Nº 95 (EC95) pelo Congresso Nacional em 2016, congelando os investimentos em saúde e educação até 2036. De acordo com estudo apresentado na Comissão de Orçamento e Financiamento (Cofin) do Conselho Nacional de Saúde (CNS) por diversos especialistas, o SUS deixou de receber, de 2018 a 2020, R$ 22,48 bilhões. Até 2036, os danos são estimados em R$ 400 bilhões a menos para a saúde.
E, frente ao novo coronavírus, é urgente redefinir as prioridades de investimento, garantindo recursos ao SUS. Os dados do cenário brasileiro apontam a insuficiência de leitos para atender a uma emergência de saúde do porte que estamos vivendo. Na verdade, poucos países têm. E a distribuição absolutamente desigual de leitos e recursos entre as regiões e os estados da federação, junto à dificuldade de acesso da população rural ou que vive distante das capitais agrava o caso.
Muitas medidas serão necessárias para o enfrentamento dessa verdadeira crise sanitária, mas é certo que investir e fortalecer o Sistema Único de Saúde é a melhor opção para sociedade brasileira. É preciso agir e ampliar a capacidade de resposta do SUS agora. E o caminho começa pela revogação da EC nº 95, com a recomposição do financiamento das políticas de proteção social.
Dizer que a saúde é direito é um grande passo, mas essa ideia depende, para ser colocada na prática, de um sistema bem administrado, transparente, bem financiado e universal, que se faça presente em toda a sociedade e em todas as instituições. É preciso que cada família e que cada comunidade se convença de que o SUS é seu e que o sonho de se ter um plano de saúde seja substituído pela ideia de que o SUS pode ser o melhor plano de saúde de todos.
Não basta apenas elogiar o projeto. Os poderes da República devem se comprometer novamente com ele revertendo medidas que lhe retiraram recursos, aumentando os repasses para o SUS - especialmente aqueles advindos da União, que proporcionalmente menos contribui com o sistema -, cancelar os benefícios hoje dados às empresas de planos de saúde, fortalecer o Complexo Industrial da Saúde, assegurando a soberania e abastecimento do sistema brasileiro e acreditar na ciência e no imenso potencial de quem se dedica a pesquisar pela saúde.
Revogar a EC nº 95 é fundamental para o enfrentamento da pandemia. Tal passo vem sendo dado de diversas maneiras. No âmbito do Judiciário, as ADINS nº 5658, 5680 e 5715 questionam a constitucionalidade da Emenda. Já a ADPF nº 671 foi proposta no STF para permitir que os governos da União, estados e municípios possam requerer equipamentos de saúde para combater o coronavírus. Consumidores e usuários de serviços públicos também podem fazer sua parte. O Conselho Nacional de Saúde, um colegiado deliberativo e permanente do Sistema Único de Saúde, responsável por fiscalizar, acompanhar e monitorar as políticas públicas de saúde lançou no dia 20 de março a campanha #RevogaEC95, que pede a reversão dessa medida prejudicial ao SUS.
Por isso, neste 07 de abril, dia Mundial da Saúde, o Idec convoca toda a população a apoiar o Conselho Nacional de Saúde na campanha. Assine e nos ajude a tirar do caminho do SUS os problemas que o impedem de atender direito a todo mundo.
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
07 de abril de 2020