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Nota pública sobre a suspensão do reajuste de preços de medicamentos

Medida é insuficiente para reprimir aumentos porque incide sobre o teto de preços, que está descolado da realidade dos valores praticados no mercado farmacêutico

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Atualizado: 

07/04/2020
Foto: iStock
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No dia 31 de março, o Presidente da República, por meio da Medida Provisória nº 933/2020, determinou a suspensão do reajuste* anual dos preços dos medicamentos por 60 dias, em decorrência da pandemia do novo coronavírus. A medida é insuficiente para refrear aumentos nos preços destes produtos essenciais, que com ou sem reajuste anual, já estão ocorrendo, como constatou recentemente a Fundação Procon SP e diversos órgãos do Ministério Público. Isso porque os reajustes estipulados pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos** (CMED) não incidem diretamente sobre os preços dos medicamentos, mas sim sobre um teto de preços.

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A existência de um órgão como a CMED no Brasil é um avanço inequívoco, considerando a comprovada necessidade mundo afora de se regular preços no setor farmacêutico. Contudo, pesquisas elaboradas pelo Idec e por outras organizações de defesa do consumidor demonstram que o teto estabelecido pela CMED não tem exercido um limite real aos preços desses produtos essenciais. Exemplos não faltam para ilustrar o problema. O caso do medicamento Sofosbuvir, que cura 95% dos casos de Hepatite C é emblemático, em que foi possível a uma indústria e suas distribuidoras praticarem preços que variaram entre R$ 64,94 e R$ 956,87 o comprimido, tudo dentro do teto da CMED. Na verdade, abaixo do teto temos um verdadeiro “mercado livre”.

Se dentro da normalidade essa regulação ineficaz já prejudica consumidores e aquisições públicas de medicamentos, numa situação de crise sanitária a fragilidade da regulação atual fica ainda mais acentuada. Nunca é demais reforçar que medicamentos, sendo bens essenciais, podem ter preços fixados em patamares elevados sem comprometimento da demanda, porque pessoas e governos, frente a preços extorsivos, farão esforços hercúleos para pagar.

A curto prazo, mais do que suspender reajustes, é preciso que autoridades como Ministério Público, Procons e o Cade fiscalizem os aumentos que já estão e continuarão ocorrendo. Contudo, tais fiscalizações não podem levar em consideração o teto da CMED, totalmente descolado da realidade dos preços praticados hoje no país, conforme conclusão de auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União. Para tanto, é urgente e necessário utilizar outros parâmetros para avaliar a abusividade dos preços, como inflação, preço de insumos na cadeia e as margens de lucro de farmácias, distribuidoras e indústria farmacêutica. Sem, falar da necessidade de transparência sobre as políticas de desconto feitas por essas empresas.

No médio prazo, o teto da CMED precisa realmente se transformar em um instrumento de regulação dos preços. Recentemente, países como Canadá e Alemanha reviram suas políticas de regulação para conter a alta de preços de medicamentos de maneira bem sucedida, em cujo exemplo o Brasil pode se inspirar.

O sucesso desses países em aprimorar sua regulação contrasta com o aumento cada vez maior de preços de medicamentos em países com regulação fraca ou mesmo sem regulação, como é o caso dos EUA,  onde os preços estão entre os mais elevados do mundo. Por essa razão ainda é também essencial que, assim como fez o Canadá em 2019, os EUA sejam excluídos da lista de países de referência que a CMED utiliza para definir o preço de entrada. 

Além disso, incluir critérios de custo-efetividade na avaliação dos preços abre um caminho racionalizador, como fez a Alemanha em 2011, bem como a reavaliação do preço de entrada (hoje restrito apenas aos medicamentos inovadores com ganho terapêutico comercializados em menos de 3 países da cesta). 

Por fim, o fato de reajustes serem sempre positivos não permite a redução do teto para medicamentos com versão genérica, ainda que se aumente a concorrência. É preciso, como recomendou o TCU, que a CMED possa fazer reajustes negativos, com autorização legal.

A discussão toda aponta para falta de transparência no setor farmacêutico. A solução passa por uma regulação eficaz, com tetos de medicamentos realmente condizentes com a realidade. Isso envolve também a transparência dos gastos em pesquisa, desenvolvimento, produção e logística na cadeia farmacêutica, inclusive considerando o quanto de dinheiro público esteve envolvido nos estudos que o criaram.

Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

São Paulo, 02 de abril de 2020.

 

Observações:

*O reajuste é calculado com base na inflação dos últimos 12 meses (medida pelo IPCA), na produtividade das indústrias de medicamentos (chamada de Fator X), nos custos não captados pela inflação, como o câmbio e tarifa de energia elétrica (Fator Y) e a concorrência de mercado (Fator Z)

** A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos - CMED é um órgão composto por representantes do Ministério da Saúde, Ministério da Economia, Ministério da Casa Civil, Ministério da Justiça e Ministério do Comércio Exterior, Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

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