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Ação questiona falta de transparência em licitação do Metrô de SP

Defensorias Públicas e organizações da sociedade civil querem saber como serão coletados e tratados os dados biométricos dos passageiros captados por câmeras de reconhecimento facial

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Atualizado: 

13/02/2020
Foto: iStock
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Seis instituições protocolaram nesta segunda-feira (10) uma ação judicial para cobrar informações do Metrô de São Paulo sobre a implementação de um sistema de câmeras com reconhecimento fácil que custará R$ 58,6 milhões aos cofres públicos e tem o potencial de atingir cerca de 3,7 milhões de passageiros que utilizam o sistema diariamente. A ação – movida pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Defensoria Pública da União (DPU), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Intervozes e ARTIGO 19, com apoio do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) – solicita dados de estudos prévios realizados pelo Metrô para avaliar o impacto esperado da implementação da tecnologia, bem como os riscos de usá-la no sistema de transporte coletivo. 

Segundo as organizações, um investimento dessa natureza e que gerará impacto na vida de milhões de pessoas deveria ser precedido de extenso debate público, com a divulgação ampla e transparente das informações de interesse dos usuários do sistema. No segundo semestre de 2019, o Metrô foi notificado pelo Idec sobre questões de mesma natureza, mas não forneceu respostas satisfatórias, segundo as instituições envolvidas na ação. 

Entre as questões a serem respondidas estão: a forma como os dados pessoais dos usuários serão coletados e tratados pelo Metrô; as bases de dados utilizadas como referência; os protocolos de ação em caso de identificação de possível suspeito; quais são os requisitos de confiabilidade e segurança de informação utilizados e as iniciativas a serem tomadas para mitigação de riscos ligados ao vazamento de dados. Em resumo, a ação judicial busca informações consistentes sobre a adequação da iniciativa aos princípios estabelecidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entra em vigor em agosto deste ano. 

“Faltam informações básicas sobre como será feito o tratamento dos dados dos usuários e como os direitos dos consumidores serão respeitado, já que é uma tecnologia ainda permeada de polêmica e que notoriamente pode gerar discriminação. Além disso, a depender dos procedimentos adotados, pode gerar problemas graves de segurança para os milhões de usuários que usam o sistema todos os dias”, disse o coordenador do Programa de Telecom e Direitos Digitais do Idec, Diogo Moyses. 

As organizações buscam, ainda, informações sobre os estudos realizados para verificar a eficácia da implementação da tecnologia, bem como a avaliação sobre os recursos econômicos que poderiam ser despendidos em caso de amplo vazamento de dados pessoais biométricos dos usuários do sistema, o que poderia colocar em risco a própria saúde financeira da empresa. Tais preocupações levam em conta notícias recentes de vazamentos e problemas de segurança de informação já ocorridos em diversos órgãos públicos, nos diferentes níveis federativos, incluindo o Estado de São Paulo. 

Publicado em julho de 2019 no Diário Oficial do Estado, o edital de licitação para compra do novo sistema de monitoramento ficou disponível para que empresas e consórcios submetessem propostas que incluíssem a elaboração do projeto de reconhecimento facial, a compra dos equipamentos, instalação e testes nas linhas 1-azul, 2-verde e 3-vermelha. No dia 19 de outubro, o Metrô anunciou que o consórcio Engie Ineo Johnson foi vencedor da licitação com uma proposta de R$ 58.618.282,54. 

A ação judicial protocolada pelas entidades reflete a preocupação com a falta de transparência que embasou um investimento tão volumoso em uma tecnologia que ainda possui altos índices de erro. Sem informações precisas, também é questionável a prioridade de se gastar milhões em um monitoramento falho em vez de investir na necessária melhoria e expansão do sistema de transportes sobre trilhos. 

”A adoção de tecnologias de reconhecimento facial sem cautela impõe enormes riscos a direitos dos usuários. Por isso, todas as informações precisam ser disponibilizadas para que essa avaliação seja feita de modo transparente e para que se possa de fato ponderar se os eventuais benefícios, se existirem, valem à pena. Essa discussão tem ocorrido em diversos lugares do mundo. São comuns os casos de erro, por exemplo, que podem levar a diversas situações discriminatórias e de insegurança que precisam ser consideradas, especialmente em um universo de milhões de passageiros", afirma a advogada Eloisa Machado, do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu). 

Pesquisa da Universidade de Essex, por exemplo, apontou que o reconhecimento facial utilizado pela Polícia Metropolitana de Londres possui 81% de chance de falhar. A tecnologia deveria identificar suspeitos de crimes, mas acertou apenas em 8 vezes dos 42 testes realizados. Nos restantes, o reconhecimento facial identificou pessoas que não faziam parte da lista de suspeitos. 

No Brasil, a tecnologia usada em algumas cidades também já apresentou falhas. No dia 9 de julho do ano passado, em Copacabana, no Rio de Janeiro, uma mulher foi confundida com uma pessoa procurada pela polícia e acabou detida por engano pela Polícia Militar. As informações preliminares obtidas pelo Idec confirmam que o Metrô pode repassar às imagens a órgãos de segurança pública sem autorização judicial, podendo gerar situações semelhantes na capital paulista, mas em escala exponencialmente maior. 

Assim, a ineficácia da tecnologia pode, além de produzir ações discriminatórias contra os milhões de passageiros, impactar a privacidade dos consumidores e piorar a já precarizada experiência do usuário de transporte público, que pode ter, por exemplo, seu longo e cansativo trajeto diário interrompido em virtude de “falsos positivos”. 

Tendo em vista a possibilidade de prejuízo aos cofres públicos, de violação dos direitos dos usuários e a falta de transparência em relação a elementos essenciais do processo, as organizações requerem mais informações ao Metrô de São Paulo e reforçam a importância de amplo debate público e do respeito ao ecossistema legal de proteção de dados existentes no país. Também frisam a importância de que o sistema não seja instalado em caso de falta de transparência ou da falta de garantias de respeito aos parâmetros legais existentes haja vista a probabilidade de danos irreversíveis ao poder público e consumidores.