separador
Atualizado:
Cultivado em regiões tropicais, traduzido em diversos idiomas e querido em todos os lugares. Em qualquer formato que ele estiver, seja bebida, sobremesas, bolos, pastas ou em barra, o chocolate agrada à maioria dos paladares, mas ele só existe graças ao manuseio do cacau. Acompanhe a história do cultivo da fruta, os rituais místicos que o envolvem e como essa plantação é sustentável e importante para o Brasil.
Os povos incas, astecas e maias e a origem do cacau
A história do cacau tem início há séculos atrás como parte integrante da cultura alimentar dos povos originários das Américas. Os astecas, em especial, cultuavam o deus Quetzalcoatl. Segundo historiadores, o fruto era a personificação da sabedoria e do conhecimento e essas qualidades eram repassadas a quem consumisse o cacau.
O cacaueiro também era nativo na região do Peru e os povos incas, que estavam há milhares de quilômetros de distância dos astecas e maias, o consumiam como uma bebida fria e espumante.
Inclusive, cada povo tinha seu próprio ritual e forma de se relacionar com a fruta. Para os incas, o cacau era cultivado e colhido em quantidade suficiente para toda a população, enquanto entre os maias e astecas, apenas a nobreza consumia o chocolate.
Na região que hoje é o México, os povos festejavam a fartura das colheitas e bebiam o “tchocolath” em taças de ouro reverenciando essa prosperidade. Inclusive, essa bebida tinha traços de amargor e picância e nada lembra o chocolate quente consumido nos dias de hoje.
Os nobres e guerreiros astecas tinham acesso a especiarias refinadas e, por isso, adicionavam baunilha e mel ao “tchocolath”. Já o restante da população, quando tinha acesso ao chocolate, o consumia misturado com vinho ou purê de milho fermentado adicionado de especiarias como pimentão, pimenta e cogumelos.
A chegada de Cristóvão Colombo à América, em 1492, demarca uma era pré e pós-colombiana. Segundo a escritora Joanna Farrow, apenas cerca de trinta anos depois que os espanhóis pisaram no continente americano ninguém poderia dizer que ali existiram dois impérios adiantados, fortes e populosos. Um mundo de tradições foi encerrado.
Poucos são os relatos e os registros arqueológicos sobre esse período e foram essas caravanas espanholas que levaram as sementes de cacau para a Europa e assim teve início a popularização do alimento por todo o mundo.
Tanto que o nome científico da fruta cacau é Theobroma cacao, batizado por um botânico sueco e, apesar do nome ser latim, Theobroma vem do grego e quer dizer alimento dos deuses.
Como foi a expansão do cacau pelo mundo
O cacau foi preservado como bebida energética e afrodisíaca pela corte espanhola por muito tempo e mantido como um segredo. Apenas quem tinha acesso à nobreza poderia consumi-lo. Data-se que no início do século 16, o italiano Antonio Carletti levou o segredo da preparação do chocolate da Espanha para a Itália e as cafeterias de Veneza e Florença passaram a comercializar a bebida.
Outro passo da popularização do chocolate aconteceu após o casamento de uma jovem da nobreza espanhola com o rei Luís 13, da França. O chocolate passou a ser servido quente em recepções solenes e caiu no gosto da nobreza em todo continente europeu.
O chocolate passou a ser adaptado de bebida para outros formatos com a chegada da Revolução Industrial, no início do século 19. Em 1828, o químico holandês Coenraad van Houten inventou a prensa de parafuso que permitia obter o pó de chocolate. Ele conseguiu também separar a manteiga de cacau desse pó e dessa forma, aquele chocolate que ainda não era maleável, bem trabalhado, passou a ficar maleável.
Enquanto os países europeus exploravam técnicas e aprimoravam a extração do chocolate do cacau, a faixa de países e as áreas cultiváveis do fruto cresciam.
Brasil, Equador, Gana, Nigéria, Camarões, Costa do Marfim, entre outros países despontaram como produtores de cacau. Inclusive, atualmente, se você olhar o mapa mundi, toda faixa de produtores do fruto concentram-se numa espécie de “cinturão” na faixa equatorial do globo.
E foi ainda na época da Revolução Industrial que ocorreram outros feitos: foi adicionado leite em pó e conseguiram uma versão de chocolate ao leite e adicionando bastante gordura da manteiga de cacau fizeram o primeiro tablete de chocolate.
Dando um pequeno salto na história, a mundialização do cacau enquanto doce, sobremesa, foi efetivada após a Segunda Guerra Mundial, quando fabricantes sem as restrições de exportação puderam ampliar a produção e comercializar o chocolate que logo se tornou um dos produtos mais populares do mundo.
A história do cultivo do cacau no Brasil
Temos algumas pesquisas nacionais que afirmam que os povos originários da América tinham um fluxo migratório e o cacau nativo do México foi trazido para a Região Amazônica (e as partes de floresta que não estão apenas no Brasil).
A espécie se adaptou bem ao local, visto que o cacaueiro é uma planta que não tolera muito sol, gosta de um ambiente que tenha sol em determinado momento do dia e do ano e temperaturas amenas. Esse cinturão que citamos acima, são florestas tropicais e com bom período de chuvas, tal qual a Amazônia é.
Os guardiões dessas plantas eram os indígenas que habitam a região amazônica que sabiam onde cultivar o cacau e o quanto ele foi se tornando importante para o entorno, servindo de alimentos para humanos e também para a fauna local que, além de comer o fruto, espalhavam as sementes ampliando a área de plantio.
E por volta da década de 60, esse cultivo que estava basicamente restrito ao estado do Amazonas, passa a ter o sul da Bahia como potencial para o cultivo, já que o fruto se adapta bem à Mata Atlântica, fazendo com que a região passe por forte expansão do plantio, elencando o estado como primeira produtora de cacau do mundo.
E aqui vai um fato curioso sobre a planta: vive até 100 anos, uma vez que ela cresce (leva entre três a cinco anos para ser produtiva), pode dar frutos durante todo o seu ciclo de vida.
Entretanto, no fim dos anos 80, uma praga devastou as plantações na Bahia. O fungo Crinipellis perniciosa, que causa a doença popularmente conhecida como vassoura-de-bruxa, assolou as plantações causando um desenvolvimento anormal dos cacaueiros e tirando a Bahia e o Brasil do ranking de maior produtor.
Para se ter uma ideia, de 1991 até 2000, o Brasil teve sua produção anual reduzida de 320,5 mil toneladas para 191,1 mil toneladas, caindo a sua participação no mercado internacional de 14,8% para 4%.
Apesar desse fato histórico lastimável, os produtores rurais seguem passando de geração em geração a arte de colher, fermentar e tratar a semente do cacau até transformá-lo em um delicioso chocolate.
Do grão à barra: processos artesanais de preparo do chocolate
Em realidade, todo cultivo de cacau é artesanal. Diferente de outras culturas, como o milho ou arroz, existe um padrão ancestral e secular de cultivo.
O produtor vai com o alicate de corte para tirar fruto a fruto, abre com facão, um por um para conferir se estão bons, as sementes ou amêndoas - como também são chamadas - e logo elas são colocadas nos cochos de madeira para passar por fermentação.
E esse processo precisa ser monitorado para não surgirem fungos indesejados durante a fermentação do cacau. Qualquer chocolate terá passado por esse rito, por esses procedimentos.
O que difere é que, após as sementes passarem por fermentação nas fazendas, existe uma parcela que é vendida para a indústria produzir os chocolates industrializados.
E na indústria o cacau pega um caminho muito diferente das suas características originais. Ele se torna um produto ultraprocessado pois acrescentam muitos açúcares, aromatizantes, entre outros aditivos químicos nos bombons e barras que estão disponíveis no mercado.
E isso é possível constatar com o monte de embalagem de chocolate com a lupa de “alto em” açúcar adicionado e gordura saturada. Essas versões não contribuem para a saúde e nem para o meio ambiente.
Na maioria dos casos, visam apenas coletar sementes de cacau em quantidade sem preocupação com a origem do fruto, muito menos com as condições de trabalho das pessoas nas fazendas.
Mas de uns anos para cá, alguns cozinheiros e pessoas interessadas no resgate da produção inteiramente ancestral e mais artesanal passaram a demandar produtores rurais a ter um produto mais elaborado, com maior percentual de cacau.
Algumas iniciativas menores ofertam no mercado nacional uma produção artesanal do chocolate, onde o cacau tem um tratamento especial, a amêndoa passa por um controle de qualidade maior e também faz parte do conceito bean-to-bar (do grão à barra) que o cacau adquirido contribua para a conservação ambiental.
Nesses casos, a fermentação da amêndoa é monitorada, são feitos testes de qualidade das espécies de cacau, e o melhor: se você olhar o rótulo desses chocolates, é apenas ele e - alguns casos, um pequeno percentual de açúcar para as pessoas não estranharem o sabor forte do cacau 100% integral. Prefira esses produtos e colabore com a produção sustentável do chocolate e sua saúde!