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A influência da culinária africana no Brasil

Conheça hábitos, costumes, alimentos e receitas que foram introduzidos no país por meio das cozinheiras africanas

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Atualizado: 

07/12/2022

A África é um continente tão grande e rico em cultura que seus costumes têm influência até hoje nos nossos hábitos alimentares. Reis e rainhas em suas terras natais foram trazidos para o Brasil na condição de escravos. 

E a comida feita aqui teve um papel super importante, inclusive na libertação de homens e parentes. As mulheres vendiam seus tabuleiros de comida pelas ruas e, com o dinheiro, pagavam pela liberdade dos seus familiares. 

Esse conteúdo vai levantar o processo histórico da alimentação, desde a sua origem até os dias de hoje aqui no Brasil. Acompanhe tudo até o final. 

 

História da culinária africana

Alguns historiadores apontam o continente africano como o berço do surgimento da humanidade. Os registros arqueológicos indicam que as primeiras civilizações surgiram na Tanzânia, Quênia e Egito há cerca de 6 mil anos atrás. 

Os primeiros experimentos alimentares, o processo de fermentação dos alimentos, o preparo do café, entre outros, foram criados pelos africanos. 

Os povos domesticaram e cultivaram os primeiros grãos surgidos no continente: o teff, painço, cevada, trigo, lentilha e sorgo. 

É importante destacar que falamos em povo africano de maneira ampla mas na verdade cada tribo, cada país tem modos de preparo e seus próprios pratos típicos. 

O continente africano compreende uma área de cerca de 30 milhões de quilômetros quadrados, um quinto da área terrestre da Terra e possui mais de 50 países com vegetação, clima, costumes e dialetos muito distintos. 

Mas essa geografia determinou alguns traços comuns às culinárias dos países do Norte e outras do Sul, são elas: 

  • Culinária do Norte da África (Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia e Egito): o norte da África tem uma forte ligação com o cultivo do trigo. Por isso, alguns pratos levam o alimento em sua composição. É o caso do Koshari, prato popular no Egito composto por macarrão, arroz e lentilhas marrons, coberto com um molho de tomate picante, vinagre de alho, grão de bico e cebola frita crocante. Outro ponto característico dos pratos do Norte é o uso de especiarias, como por exemplo, a erva-doce, alecrim, louro e pimentas.
  • Culinária do Sul da África: muitos vegetais ensopados e a presença de massas cozidas em água, como é o caso da Kwanga do Congo ou do Fufu. Inclusive, essas duas massas levam mandioca no preparo e o tubérculo não é nativo do continente africano. Foi levado do Brasil para o continente por aqueles que conseguiram se libertar e voltar para casa. Destaque também para o fato da maioria dos pratos levar muitos vegetais, a exemplo do Chakalaka na África do Sul. Feito a base de feijão, legumes, tomate e especiarias ele pode ser picante com bastante pimenta ou suave, de acordo com a preferência de quem prepara.

Vale falar também que o uso de talheres é pouco comum entre os países da África, a não ser para pegar a comida com uma colher e colocá-la no pão ou na cumbuca. 

Os pratos que levam grelhados e carnes geralmente são consumidos em festividades, como o jongo, a gnawa e as danças de roda que mantém-se vivas em suas terras de origem e também nos Quilombos (espaços de resistência e comunidade de famílias descendentes de negros africanos no Brasil). 

 

A culinária africana no Brasil 

As mulheres negras foram as primeiras cozinheiras desta terra sob a colonização portuguesa. Eram elas que preparavam as comidas das casas grandes e também das senzalas. 

Trouxeram não só o jeito de preparar a comida, os guisados e ensopados como também trouxeram alimentos tipicamente africanos para o Brasil, como o quiabo, o inhame, maxixe, óleo de dendê, entre outros. 

Como vimos nas outras culinárias regionais brasileiras, a culinária africana ajudou a formar várias dessas cozinhas e na Bahia tem uma forte representatividade e pratos muito próximos daqueles de origem. 

As especiarias tomaram conta dos nossos pratos, as mulheres africanas chamadas de ganhadeiras vendiam quitutes para as patroas e podiam ficar com um pouco do valor do que vendiam. 

Seus tabuleiros eram repletos de mingaus, peixes fritos, bolos, acarajés e cocadas. Elas saiam para vender pelas ruas das cidades e com a venda dos alimentos compravam a liberdade dos companheiros, filhos e outros parentes. 

E assim o kosai ou àkàrà (que significa bola de fogo de comer na etnia iorubá), que necessariamente não são o mesmo bolinho mas tem uma base parecida, deram origem ao nosso acarajé. 

E esse lugar de preparo dos alimentos que era majoritariamente das mulheres ao longo do processo de evolução da sociedade foi sendo apropriado por homens. 

Mas não podemos deixar de reverenciar nessa construção histórica a primeira chef de cozinha com diploma no país, a Benedita Ricardo de Oliveira. 

Uma mulher negra que teve sua adolescência traçada como a de milhares de outras garotas sem família, destinada ao trabalho doméstico nas casas em troca de comida e moradia. 

Benê Ricardo venceu em 1978 um concurso de receitas da Revista Cláudia, conseguiu trabalhar na cozinha experimental do periódico, alcançou visibilidade pelo seu dom e assim conseguiu uma bolsa de estudos para fazer o curso de 1º cozinheiro em 1981, aos 38 anos, no Senac de Águas de São Pedro, São Paulo. 

Ela foi uma pioneira, uma mulher que rompeu barreiras, que sentiu na pele o racismo, o machismo e o preconceito de classe, mas perpetuou pratos e preparos afro-brasileiros e tem uma importante contribuição na gastronomia brasileira. 


 

Os pratos afro-brasileiros 

Já parou para pensar na origem de certos pratos brasileiros? Muitas receitas que parecem tipicamente brasileiras receberam influência direta da culinária africana. 

É o caso da rabada, feijoada, galinha com quiabo, acarajé, canja, pirão, angu e canjica. 

 

Como foi contado acima, alguns alimentos não eram nativos do Brasil, como é o caso do quiabo e do inhame. Os negros trazidos para o Brasil trouxeram consigo não só uma sabedoria milenar do preparo dos alimentos como também espécies novas para serem cultivadas aqui. 

 

Segundo a arquiteta Flávia Portela, pesquisadora e autora do livro “Gula d'África”, muitos temperos, aromas e preparos foram mantidos nas versões daqui, mas salvo algumas adaptações. 

 

Veja o tamanho da similaridade de certos pratos africanos com suas versões abrasileiradas: 

 

  • O azeite de dendê é uma adaptação do azeite de palma africano
  • A rabada, prato típico da África do Sul, tem temperos diferentes da versão brasileira, como cravo da índia e alcaparras
  • A canja de galinha da Guiné-Bissau leva tomate e hortelã, a brasileira, não
  • O baião de dois foi inspirado no Waakye do Gana e é preparado com caldo de camarão e tomate, além do arroz e feijão, bem diferente da versão final que temos por aqui
  • A muamba africana feita na Angola leva molho de dendê para encorpar o frango com quiabo
  • Já o pirão funjí recebeu influência brasileira, com a exportação e adaptação da mandioca nos solos ao longo do continente 
  • Sabe a carne ensopada de panela que você conhece na receita da sua família? Tem inspiração direta com o cozidão, um preparo que leva cenoura, batata, abóbora e carne, feito em várias regiões da África
  • Sobre a feijoada existem controvérsias entre os pesquisadores. Alguns estudiosos apontam que ela é uma derivação do cozido português, já a investigação da Flávia Portela aponta que a feijoada foi uma invenção africana feita em terras brasileiras e surgiu de um preparo com os restos de comida da casa grande que não serviam aos patrões 
  • O acarajé é um parente distante do falafel dos árabes. Esse delicioso bolinho de feijão fradinho tem nomes diferentes em cada região do continente: kosai no norte da Nigéria, koose em Gana e akara em outros lugares
  • O couscous marroquino é feito do trigo, enquanto o cuscuz consumido no nordeste é derivado do floco de milho. Mas existem lá suas semelhanças no modo de servir e nos acompanhamentos