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Em artigo publicado pela organização intergovernamental South Centre, com sede na Suíça, três especialistas do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) expuseram casos em que empresas farmacêuticas aumentaram os preços de seus produtos no Brasil utilizando práticas de mercado abusivas.
No texto, Ana Carolina Navarrete, Matheus Falcão e Mariana Gondo mostram que o Direito Concorrencial pode ser uma ferramenta central para ampliar o acesso à saúde, e que cabe a instituições como o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) zelar pela ordem econômica e proteger a dignidade e o bem-estar das pessoas.
Além de apresentar a história e a estrutura do sistema brasileiro de defesa da concorrência, o texto traz três exemplos que ilustram diferentes estratégias corporativas para minar a concorrência e aumentar o preço dos medicamentos.
O primeiro é o da farmacêutica Eli Lilly, que foi multada em mais de R$ 36 milhões por uma prática conhecida como sham litigation. Nestes casos, a empresa abre múltiplos processos na Justiça - muitas vezes contraditórios, inclusive - para interferir no mercado e garantir seu monopólio.
A Eli Lilly do Brasil fez isso com o medicamento Gemzar, utilizado no tratamento de câncer, e por conta de decisões judiciais sobrepostas e da neutralização de seus concorrentes, conseguiu usufruir de um monopólio ilegal por nove meses. Durante esse período, o remédio foi vendido por um preço 280% maior do que o praticado quando havia concorrência.
O segundo caso envolveu a farmacêutica Roche e o medicamento Trastuzumabe, utilizado para o tratamento de câncer de mama no SUS (Sistema Único de Saúde). O produto foi incorporado em 2012 ao sistema público para uso em duas fases específicas da doença, mas até 2017 não era oferecido para pacientes terminais com o tipo HER2+ - o que levou muitas pessoas a exigirem o fornecimento do remédio na Justiça.
O Estado brasileiro, no cumprimento destas decisões judiciais, teve de adquirir o Trastuzumabe a um preço até 300% mais alto do que o praticado nas grandes compras públicas do Ministério da Saúde - o que pode ter representado uma perda de R$ 107 milhões aos cofres públicos. Por conta desse caso, a Roche enfrenta uma ação civil pública movida pelo MPF (Ministério Público Federal).
O último exemplo analisado pelos especialistas é do medicamento Sofosbuvir, produzido pela farmacêutica Gilead e utilizado para o tratamento da Hepatite C. O texto explica que a farmacêutica enfrenta investigações nos Estados Unidos por não ter conseguido demonstrar a relação entre o preço altíssimo cobrado pelo tratamento (de US$ 84 mil) e os custos de pesquisa e desenvolvimento empenhados no processo.
Também mostra que, no Brasil, a Gilead deteve um monopólio de fato sobre o mercado por mais de três anos, respondendo por 99,96% de todas as vendas do Sofosbuvir no país. Por conta de seu alto custo, as compras do medicamento feitas pelo Ministério da Saúde tiveram de ser racionadas.
Depois, em um breve período em que teve de competir com um concorrente, o preço caiu quase 90% e voltou a subir, desta vez em 1.421% em relação ao valor original, quando a Gilead recebeu a patente definitiva do medicamento. Após uma denúncia feita por organizações da sociedade civil, entre elas o Idec, o caso vem sendo alvo de uma investigação preliminar no Cade.
O artigo conclui com dez recomendações para as autoridades concorrenciais e organizações da sociedade civil, entre elas a de que os monopólios e as patentes sejam vistos como potenciais ameaças ao desenvolvimento e ao acesso à saúde, sobretudo nos países do Sul Global. Os especialistas também pedem maior protagonismo dos órgãos competentes no sentido de exigir mais transparência por parte das empresas e de demandar informações sobre a composição de preços dos produtos farmacêuticos.
Clique aqui para ler o artigo na íntegra.
Em 2020, o Idec e o South Centre realizaram um evento internacional para abordar o impacto das práticas concorrenciais abusivas no direito à saúde. Clique aqui para ver um resumo dos painéis e assistir às palestras.