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Projeto do governo em parceria com Facebook ameaça direitos de uso da internet

Acesso limitado a determinados websites e aplicativos para população de baixa renda ou em áreas rurais fere princípios constitucionais que garantem uma rede aberta a todos, a neutralidade de rede, a liberdade de expressão e a difusão e acesso à informação

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Atualizado: 

20/05/2015
Anunciado na 7ª Cúpula das Américas pela presidente Dilma Roussef, um novo projeto em parceria com o Facebook para o oferecimento gratuito de serviço de internet no Brasil, deixou organizações e grupos de defesa do direito à comunicação em alerta. Trata-se do projeto "Internet.org", que pretende levar acesso à rede móvel em países em desenvolvimento para população de baixa renda ou que vive em áreas remotas com insuficiente cobertura de rede. Ao permitir acesso a apenas um conjunto de aplicativos e serviços, no entanto, a iniciativa acaba ferindo princípios e normas previstos em Lei e em outros acordos e declarações apoiados pelo Brasil que garantem uma rede aberta e interoperável, a neutralidade de rede e, em última instância, a privacidade, a liberdade de expressão e o acesso à informação de forma democrática, sem que haja diferenciação de origem e destino.
 
Organizações de defesa de direitos civis, entre elas, o Idec, se manifestaram em carta enviada à Presidente para alertar sobre os riscos que a iniciativa representa, tanto para o futuro desenvolvimento da sociedade da informação e da economia no meio digital, quanto para os direitos dos usuários na rede. A carta ainda foi protocolada no Ministério da Justiça, no Ministério da Cultura e na Secretaria Geral da República. Confira o documento AQUI.
 
Embora de acordo com o diagnóstico de que a extensão, qualidade e custo do acesso à internet no Brasil não atendem às necessidades da maioria da população, entende-se que o Facebook limitará o acesso à Internet a todos os demais serviços existentes na rede e oferecerá aos que têm menos recursos econômicos uma pequena parte do que constitui a Internet, limitando suas infinitas possibilidades de navegação e violando fundamentos e princípios basilares do Marco Civil da Internet (Lei nº 12965), da Declaração Multissetorial do NETMundial e dos Princípios para a Governança e Uso da Internet no Brasil do CGI.br (RES/2009/003/P).
 
Ao assumir o compromisso de oferecer acesso gratuito para dois terços da população mundial atualmente desconectada, o Facebook, na verdade, está violando a regra da neutralidade de rede, pois permite que apenas alguns aplicativos e serviços possam trafegar na web, prática conhecida internacionalmente como zero rating (taxa zero). A consequência é concentração da infraestrutura e o monopólio sobre o tráfego de dados, reduzindo o potencial de inovação e disponibilidade de conteúdos, aplicativos e serviços, assim como a liberdade de escolha do usuário.   
 
Em primeiro lugar é importante ressaltar que um pacote restrito de serviços descaracteriza o que é a internet - rede formada por inúmeros dispositivos capazes de compartilhar informações entre si, que possibilita infinitas formas de comunicação, independentemente da localização geográfica e do poder aquisitivo do usuário. E é justamente essa característica universal que torna a internet o que ela é, um serviço essencial. Ao ofertar o “básico”, além de monopolizar e controlar quem ou o quê circula na rede, acaba-se por depreciar aquilo que há de mais valioso nela, a forma horizontal com a qual as pessoas se comunicam e se expressam por meio dos mais variados serviços e plataformas, assim como a capacidade de pequenas start-ups competirem com grandes empresas como o Facebook.  
 
Segundo, por que esse acesso não é gratuito. O Facebook e suas empresas parceiras, além das operadoras de telefonia, capitalizam milhares de reais com a venda de dados, metadados, geolocalização e dados de comportamento em um mercado totalmente desconhecido pelo consumidor. Ao se acessar aplicativos, possibilita-se um lucro incalculável às empresas. A ausência de uma lei de proteção de dados no País apenas agrava esse cenário de assimetrias, pois faz com que hoje os possíveis usuários dos serviços que serão disponibilizados pelo Internet.org fiquem vulneráveis aos interesses comerciais e às pressões políticas que uma empresa com sede nos Estados Unidos está sujeita. 
 
Por fim, sabe-se que os aplicativos autorizados pelo Facebook não dão suporte a protocolos de segurança que protejam o usuário de malwares e até mesmo de interferências não autorizadas por parte dos governos.
 
Ainda cabe dizer que acordos desse tipo comprometem o desenvolvimento de culturas regionais e o direito de acesso à informação ao violar outro princípio fundamental do Marco Civil que é a liberdade de expressão. Em geral, plataformas como Facebook controlam por meio dos seus algoritmos e termos de uso os conteúdos e dados que circulam na rede, determinando de maneira centralizada e de acordo com critérios próprios e pouco transparentes, os conteúdos mais visualizados pelos usuários. Não é incomum que usuários desses serviços tenham conteúdos legais censurados de maneira arbitrária. 
 
Após o envio da carta, as entidades, entre elas o Idec, submeteram um pedido de acesso à informação ao Ministério da Ciência e Tecnologia, ao Ministério das Telecomunicações e à Presidência da República na tentativa de obter detalhes sobre o anunciado acordo.