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STJ adia decisão sobre alcance de cobertura dos planos de saúde

Com voto técnico e preciso, ministra Nancy Andrighi defende rol exemplificativo e afirma que ANS não pode limitar coberturas quando a própria lei não o faz

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Atualizado: 

25/02/2022
Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil
Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) retomou na tarde desta quarta (23) um julgamento iniciado em setembro de 2021 sobre a natureza do rol de procedimentos da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) - uma lista usada como referência básica para a cobertura de tratamentos pelos planos de saúde. Apesar da intensa comoção social ao redor do tema, a decisão foi novamente adiada após a leitura do voto da ministra Nancy Andrighi por um pedido de vista coletivo. 

Ainda não há previsão para a retomada do debate na 2ª Seção do Tribunal - a instância foi ativada neste caso para pacificar entendimentos divergentes entre a 3ª e 4ª Turmas sobre o tema. 

Em jogo está o acesso a tratamentos e procedimentos dos mais de 49 milhões de usuários de planos de saúde do país. Isso porque uma mudança na natureza exemplificativa da lista publicada pela ANS significaria, na prática, uma ampliação generalizada das negativas de cobertura por parte das operadoras. Qualquer tratamento ou procedimento não contemplado pelo rol poderia ser sumariamente negado pelas empresas, mesmo com indicação médica e comprovada eficácia. 

No julgamento desta tarde, a ministra Nancy Andrighi abriu divergência com o relator, o ministro Luis Felipe Salomão. Em voto, Salomão havia incorporado os argumentos econômicos das operadoras de planos de saúde e defendido o rol como referência taxativa para as coberturas, com limitadas exceções. 


Julgamento virtual ocorrido nesta quarta-feira

Julgamento virtual ocorrido nesta quarta-feira

Andrighi, por outro lado, recuperou princípios e garantias da Constituição Federal, do Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Planos de Saúde para sustentar que a ANS - que é favorável ao rol taxativo - não tem a prerrogativa de limitar o alcance das coberturas quando a própria lei que regula o setor não o faz. 

“O rol é uma relevante garantia enquanto instrumento de orientação, mas não pode representar a delimitação taxativa da cobertura assistencial, alijando o consumidor de se beneficiar de todos os procedimentos em saúde que se façam necessários para seu tratamento”, afirmou a ministra. “A taxatividade esvazia a razão de ser do plano de referência, que é garantir ao usuário tratamento efetivo a todas as doenças”, completou. 

A ministra sustentou, ainda, que o rol exemplificativo, tal como vem sendo interpretado de maneira majoritária pelo Judiciário, protege o consumidor da exploração predatória das empresas e utilizou dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e da própria ANS para refutar a afirmação de que a manutenção do atual modelo encareceria as mensalidades. 

“Ao temer o risco de elevação exponencial do preço das mensalidades a partir do reconhecimento da natureza exemplificativa do rol, a ANS incorre em um sofisma. Essa afirmação não condiz com as informações disponibilizadas no portal eletrônico da própria Agência quanto às receitas e despesas das operadoras”, explicou Andrighi. Depois de apresentar dados que mostram a duplicação do lucro das empresas entre 2014 e 2018, a ministra concluiu: “dadas as circunstâncias, uma eventual elevação exponencial do preço não teria outra finalidade a não ser a de aumentar a lucratividade das operadoras, onerando injustificadamente o consumidor”. 

Para o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a ministra foi técnica e precisa ao recuperar princípios básicos que devem nortear o mercado de saúde suplementar e pediu compromisso dos demais ministros com a conclusão do julgamento, dada a pertinência e urgência do tema para milhões de consumidores em todo o país. 

“Hoje tivemos a felicidade de assistir argumentos calcados na lei, na doutrina e na jurisprudência sendo trazidos para o debate através do voto da ministra Nancy Andrighi. Esperamos que os demais ministros analisem os fatos sem perder a Constituição e as garantias e avanços duramente conquistados através do Código de Defesa do Consumidor e da Lei de Planos de Saúde do horizonte”, afirma Ana Carolina Navarrete, coordenadora do Programa de Saúde do Idec. 

“O ministro Salomão tentou colocar usuário contra usuário recorrendo ao falso argumento de que o acesso a tratamentos não contemplados pelo rol traria prejuízos coletivos, aumentando a mensalidade de todos os consumidores. Com esse discurso falacioso, o ministro parece ignorar pelo menos três fatos: o primeiro, a natureza do próprio sistema mutualista; o segundo, que os riscos e variáveis que podem afetar os gastos das operadoras são sempre incluídos nos cálculos financeiros; e terceiro, que os custos das operadoras poderiam ser dramaticamente reduzidos com melhorias de gestão, sem penalizar ainda mais os pacientes”, explica Navarrete.  

“Esperamos que a Corte leve em conta o enorme impacto que uma mudança na natureza do rol terá sobre os usuários de planos de saúde e sobre o SUS, que terá de absorver grande parte desses procedimentos. A negativa de cobertura já é um problema generalizado no mercado de saúde suplementar e uma interpretação restritiva da lista, na prática, legalizaria esse abuso. O lucro das empresas não está acima da vida das pessoas”, conclui. 

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