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Atualizado:
Em 27/09, Dia Nacional do Turismo, o consumidor não teve motivos para comemorar. Isso porque tramita no Senado o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados(PLC) 22/2003 que pretende afastar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) das agências de turismo, quando essas atuam como intermediárias. O projeto foi aprovado na Câmara (com o número 5.120/01), já passou pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado e agora se encontra na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo.
Segundo a proposta, de autoria do Deputado Alex Canziani (PTB/PR), se o consumidor adquirir uma passagem aérea ou um pacote turístico em uma agência de viagens e enfrentar problemas como overbooking, cancelamento/atraso de vôo ou falta de reserva no hotel, não poderá mais reclamar diretamente com esse fornecedor.
A aprovação do PLC 22/2003 segue na contra-mão não só da consolidação das leis que regem as relações de consumo, como também pega o sentido contrário das campanhas do Ministério do Turismo que visam o estímulo às viagens no país.
Depois dos duros golpes que sofreu em decorrência dos atrasos e cancelamentos de vôos que afligiram o país, o turismo no Brasil precisa ser incentivado e valorizado. "Esse projeto representa uma contradição muito preocupante. Enquanto o Ministério do Turismo lança o programa Viaja Mais Melhor Idade, tramita no Senado uma proposta absurda como essa. Do que adianta os idosos viajarem se não terão seus direitos como consumidores respeitados?", ressalta a coordenadora executiva do Idec, Marilena Lazzarini.
O consumidor não aceita a revogação do CDC para determinados fornecedores. O Código é uma conquista da sociedade brasileira, e o parlamentar que aprová-lo estará atuando contra o consumidor. Por esse motivo, o Idec enviou carta (veja íntegra) aos senadores que fazem parte da comissão que analisa o projeto, e divulgará como cada um deles votou.
Desrespeito
Se aprovado pelo Senado, o projeto de lei desrespeitará um dos pilares fundamentais do CDC, que atribui aos fornecedores a responsabilidade pela prestação dos serviços, independente da comprovação de culpa - chamada de responsabilidade objetiva.
O projeto também pretende afastar a aplicação da responsabilidade solidária, regra jurídica que permite ao consumidor, em situações em que o contrato envolve mais de um fornecedor, escolher qual deles acionará para reparação de danos.
Dessa forma, quando um serviço é mal prestado e há diversos fornecedores envolvidos na sua prestação, o consumidor pode escolher qual acionará para ressarcimento dos danos (geralmente aquele que está mais próximo), e não precisará provar a culpa desse fornecedor. Se alguém mora em São Paulo e compra um pacote de viagens para o Nordeste, não faz sentido obrigá-lo a processar o hotel, que fica longe e com o qual não se relacionou diretamente no momento da contratação do serviço.
Isso não quer dizer que o fornecedor fica com o prejuízo, mesmo não sendo o causador do problema: as leis hoje vigentes garantem ao fornecedor o direito de cobrar o ressarcimento pelos gastos que teve indenizando o consumidor do terceiro que deu causa ao problema. É o caso da agência de viagem: se ela teve que indenizar o consumidor por erro de um hotel que contratou, pode pedir ressarcimento.
Justificando o injustificável
Para justificar a necessidade do PL, Canziani alega que ele "contribuiria para o fortalecimento do segmento das Agências de Viagens e Turismo, com benefícios concretos para os consumidores". Não é verdade. Se aprovado, o PL isentará as agências de viagens e turismo da responsabilidade objetiva e solidária, assegurada pelo Código de Defesa do Consumidor.
Com isso, o consumidor será obrigado a comprovar que o problema decorreu de erro da agência. Atualmente, com a responsabilidade objetiva e solidária, todos os envolvidos na prestação dos serviços são responsáveis, indiferente da comprovação de culpa.
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Conheça algumas disposições do projeto de lei:
Art. 11. As relações contratuais entre as Agências de Turismo e os consumidores obedecem, naquilo que não conflite com esta Lei, ao disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, e na legislação civil vigente e serão objeto de contratos escritos, contratos de adesão, de condições gerais ou de condições específicas para determinadas viagens.
Comentário Idec: A Lei 8.078 é o Código de Defesa do Consumidor. A ressalva "naquilo que não conflite com esta Lei" significa dizer que o CDC só se aplica quando esta Lei disser a mesma coisa. Exagerando: se esta lei disser que publicidade enganosa não é proibida (o CDC proíbe) há o conflito que impede a aplicação do CDC.
Art. 14. Ressalvados os casos de comprovada força maior, razão técnica ou expressa responsabilidade legal de outras entidades, a Agência de Viagens e Turismo promotora e organizadora de serviços turísticos será a responsável pela prestação efetiva dos mencionados serviços, por sua liquidação junto aos prestadores dos serviços e pelo reembolso devido aos consumidores por serviços não prestados na forma e extensão contratadas, assegurado o correspondente direito de regresso contra seus contratados.
Comentário Idec: As três condições colocadas como ressalvas tiram a responsabilidade das agências de viagem, além de serem, muito abrangentes. Exemplos (exagerados em nome da didática):1. força maior = caiu um raio no hotel onde havia feito reserva, ele foi completamente destruído, e a agência não providencia outro, nas mesmas características; 2. razão técnica = o avião não decola por motivos de manutenção e o consumidor perde um dia da viagem pela qual pagou integralmente; 3. responsabilidade de outros = a companhia aérea deixou o consumidor sem lugar no vôo (overbooking). Prevalecendo esta Lei, o consumidor teria de procurar seus direitos, exclusivamente com Deus, no primeiro caso, e com a companhia de aviação, nos outros dois.
Art. 17. Os serviços turísticos para fruição no exterior, salvo quando seu prestador tiver representação no Brasil, serão de responsabilidade das Agências de Turismo que os operem ou vendam.
Comentário Idec: o passeio de gôndola em Veneza, que o consumidor contratou no Brasil, não acontece: a agência responde. O carro alugado na agência de turismo, para ser entregue em Roma, não aparece: responde o representante da "rent a car" no Brasil.
Art. 20. A Agência de Turismo é diretamente responsável pelos atos de seus prepostos, inclusive os praticados por terceiros por ela contratados ou autorizados, se ao contrário não dispuser a legislação vigente.
Comentário Idec: a legislação vigente hoje (o CDC) diz exatamente isso, que as empresas respondem pelos atos de seus prepostos/representantes. Mantendo essa disposição, qualquer lei revogará o CDC.
Art. 12. As Agências de Viagens respondem objetivamente pelos serviços remunerados de intermediação que executam.
Comentário Idec: essa disposição restringe a responsabilidade das agências exclusivamente aos serviços de intermediação que elas executam. Se não for de intermediação e não for executado por elas, exonera-se sua responsabilidade.
Art. 13. A Agência de Viagens que intermediar a contratação de serviços turísticos organizados e prestados por terceiros, inclusive os oferecidos por operadoras turísticas, não responde pela sua prestação ou execução, salvo nos casos de culpa.
Parágrafo único. A Agência de Viagens é obrigada a informar ao contratante, no ato da contratação e em qualquer momento em que lhe for solicitado, o nome e o endereço do responsável pela prestação dos serviços contratados, além de outras informações necessárias para a defesa de direitos, sob pena de, não o fazendo ou não estando corretos os dados apresentados, responder solidariamente com o prestador de serviços pelos danos causados.
Comentário Idec: nesse ponto caracteriza-se mais uma vez a responsabilidade das agências de turismo apenas nos casos em que prestam o serviço. Se contratam terceiro, informam nome e endereço desse terceiro, e ele não presta o serviço, não se responsabilizam - a não ser se comprovada a culpa da agência pelo consumidor.
Art. 15. As Agências de Viagens e Turismo não respondem diretamente por atos e fatos decorrentes da participação de prestadores de serviços específicos cujas atividades estejam sujeitas à legislação especial ou tratados internacionais de que o Brasil seja signatário, ou dependam de autorização, permissão ou concessão.
Comentário Idec: exemplos de serviços dependentes de autorização = bancos e consórcios; de permissão = comércio (alvará); e concessão = energia elétrica e telefonia. Mais uma confirmação da exclusão da responsabilidade.