Já faz um tempo que os passageiros do transporte público vêm enfrentando problemas em seu cotidiano, sentindo na pele a ineficiência desse serviço. No Rio de Janeiro, nos três primeiros meses de 2012, ocorreu um incidente a cada três dias no metrô. Em São Paulo, os trens, que movimentam cerca de 7,1 milhões de pessoas diariamente, tiveram 16 falhas graves, somente em 2012, e mais 42 falhas, em 2011, que afetou a circulação das composições.
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03/05/2012
Atualizado:
10/05/2012
Flavio Siqueira
Não é difícil encontrar na imprensa notícias sobre falhas na prestação de serviço em trens e metrôs. E também não é difícil encontrar usuários descontentes com o transporte público por esses meios, que sofrem com estações superlotadas, confusão entre os passageiros, atrasos na ida ao trabalho, e algumas vezes, com o absurdo de ter que descer nos trilhos (inclusive em dia de chuva) por falhas no sistema.
Alguns economistas justificam a atual situação precária do transporte pelo aumento da demanda muito superior ao investimento e o planejamento no transporte urbano. Os governantes defendem que não há recurso público necessário para atender à demanda e que existem projetos de melhorias da malha viária.
E quanto aos passageiros, quem poderá os defender?
Na verdade, desde o advento do CDC (Código de Defesa do Consumidor), Lei Federal 8.078/90, os passageiros, usuários das linhas de trem, metro ou qualquer outro transporte público, são considerados consumidores. E sendo um consumidor, tem ao seu lado toda a legislação que o defende e o protege da má prestação de serviço, mesmo sendo público.
De acordo com o artigo 2º do CDC, consumidor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. No artigo 3º o fornecedor é conceituado como toda pessoa física ou jurídica, público ou privada que desenvolve atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Ainda, o artigo 6º, X traz como direito básico do consumidor a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Podendo-se concluir, sem muitas dificuldades, que está caracterizada a relação de consumo entre o consumidor que paga tarifa para se utilizar do transporte público e o ente público que fornece o serviço.
É garantido aos consumidores, além de sua segurança, a adequada prestação do serviço contratado e a qualidade que se espera na prestação desse serviço. O contrato entre os consumidores-passageiros e o fornecedor do serviço se perfaz com a aquisição do bilhete de passagem, seja diretamente nas bilheterias ou através de vale-transporte recebido de seu empregador.
Desde o momento em que ingressa em um terminal ou estação de origem, até o momento em que sai do terminal ou estação de destino, o consumidor está fruindo dos serviços prestados pelo fornecedor. Qualquer problema ocorrido nesse período, o fornecedor é responsável pela qualidade do serviço e por qualquer dano causado ao consumidor-passageiro pela sua má prestação.
Na atual situação do transporte público brasileiro, especificamente se tratando da situação caótica vivida nos trens de São Paulo, vem à tona na grande mídia o drama enfrentado pelas pessoas que se deslocam de suas casas até seus postos de trabalho. Tal deslocamento pode ser ainda mais dramático em se tratando da população de baixa renda, que são “empurrados” para áreas periféricas por conta da especulação imobiliária nos grandes centros.
Assim, com tudo o que os usuários das linhas de metro e trem vêm passando nas grandes cidades brasileiras, pode-se concluir que há vício de qualidade na prestação do serviço de transporte público e que o mesmo é considerado impróprio para o consumo. Veja-se o que diz o parágrafo 2º do artigo 20 do CDC:
“§ 2º – São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade”
Nesse caso, o fornecedor de serviço deve ser responsabilizado nos termos do art. 20 do mesmo diploma legal:
“Art. 20 – O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I – a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II – a restituição paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III – o abatimento proporcional do preço”
Com o demonstrado até agora, é possível chegar a uma conclusão jurídica simples e que pode trazer esperança aos consumidores-passageiros que desejam um transporte público de qualidade:
Os passageiros que não tiverem um serviço prestado adequadamente podem pedir de volta seu bilhete de passagem para ser utilizado em outra viagem ou mesmo ter o valor pago devolvido imediatamente pelo responsável pelo transporte público quando chegar ao seu destino.
Além disso, qualquer dano causado ao consumidor-passageiro durante a fruição do contrato de transporte (como descrito acima) seja material ou moral, deve ser indenizado pelo fornecedor. Assim, qualquer acidente ocorrido com o passageiro durante o transporte, dano a algum bem que o passageiro transporte ou mesmo, eventual perigo e constrangimento de ter que descer nos trilhos por alguma falha no sistema, dá direito a uma indenização.
Tais direitos já estão garantidos ao consumidor, restando apenas serem efetivados. Por isso, é importante a atuação do consumidor reclamando e exigindo seus direitos, o que somente se dará com esclarecimento e orientação, uma vez que as pessoas necessitam de informação para o exercício da cidadania. Gilberto Dupas defende que a eficácia do comportamento consciente do consumidor pode movimentar economias, influenciando ativamente a forma de ação do Estado. O que, de fato, pode ocorrer.
Certamente se os milhões de passageiros-consumidores que se utilizam do transporte público diariamente tiverem a consciência de que podem se utilizar das ferramentas do Código de Defesa do Consumidor para exigir um serviço público de qualidade, o poder público adotará e implementará políticas públicas mais adequadas, que efetivamente atenda aos anseios de quem, na verdade, movimenta a própria economia e a máquina do Estado.