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15/05/2012
Atualizado:
29/09/2017
Lisa Gunn e Adriana Charoux
Os sistemas atuais de produção e consumo de alimentos são marcados pela produção em larga escala e o consumo de massa. Eles geram a exclusão de pequenos agricultores, a exploração de trabalhadores no campo, excluem os consumidores sem poder aquisitivo. Suas atividades degradam o meio ambiente tanto pelo lado da produção (monoculturas, desmatamento, contaminação, etc.) como pela comercialização (emissão de gases do efeito estufa pelo transporte de longas distâncias, sobrepreço pelo excesso de intermediários). E trazem ainda impactos negativos sobre a saúde humana (resíduos de agrotóxicos, uso indiscriminado de aditivos, alimentos nutricionalmente pobres e ricos em gordura, sal e açúcar, etc.).
Repensar este modelo de produção e consumo de alimentos passa necessariamente pelo debate sobre o papel da mulher. No caso de alimentos, as decisões de compra são das mulheres. Infelizmente, este “poder de compra” esbarra na falta de informação sobre os impactos socioambientais dos sistemas de produção de alimentos e sobre a qualidade nutricional dos alimentos industrializados, distanciando as mulheres de alternativas mais responsáveis e saudáveis de consumo.
A piora na qualidade da alimentação da população brasileira
O padrão alimentar da população brasileira, sobretudo de crianças e adolescentes, está comprometendo a saúde pública. Segundo a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2008-2009, realizada pelo IBGE, 48% da população está com sobrepeso e 15% já se classifica em estado de obesidade. “A parcela dos meninos e rapazes de 10 a 19 anos de idade com excesso de peso passou de 3,7% (1974-75) para 21,7% (2008-09), já entre as meninas e moças o crescimento do excesso de peso foi de 7,6% para 19,4%”.¹
86% da população consome mais gorduras saturadas do que o necessário e 61% se excede no consumo de açúcar. A falta de vitaminas e nutrientes atinge 68% da população. Mais de 90% dos brasileiros não ingere as 400 gramas diárias recomendadas pelo Ministério da Saúde de frutas, legumes e verduras e prefere consumir outros tipos de alimentos pouco nutritivos. Aumenta o risco de doenças cardiovasculares, diabetes e outras graves doenças crônicas.
Mãe, compra!
Sabe-se que os hábitos de alimentação se desenvolvem na infância, e que a probabilidade de uma criança obesa se tornar um adulto obeso é muito grande. A publicidade, especialmente voltada para crianças, enaltece estilos de vida muitas vezes totalmente insustentáveis.
No entanto, existe amplo respaldo na legislação brasileira para que essa situação seja revertida, especialmente no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90). A proteção contra publicidades
abusivas está elencada entre os direitos básicos do consumidor (art. 6º, IV), especialmente aquelas que se aproveitam da de?ciência de julgamento e experiência da criança e que induzem o consumidor a se comportar de forma prejudicial a sua saúde (art. 37, § 2º).
Cabe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) estabelecer regulamentos específicos para controle da publicidade de alimentos. A regulamentação governamental em defesa das crianças não é novidade. Diversos países já o fizeram, como Suécia, Inglaterra, Noruega e Canadá.
Apesar de buscar coibir “práticas excessivas...”, a ANVISA ainda não disciplina de forma apropriada o tema. A resolução está suspensa devido a diversas ações judiciais, de diferentes associações empresariais, que são contra a regulação deste tipo de publicidade
porque tem seus interesses comerciais afetados.
Agrotóxicos
Líder mundial no consumo de agrotóxicos, o Brasil leva para a mesa alimentos de qualidade incerta, muitas vezes contaminados. Alguns agrotóxicos causam problemas neurológicos, reprodutivos,
de desregulação hormonal, e até câncer. E apesar de serem proibidos em vários locais do mundo, como União Européia e Estados Unidos, há pressões do setor agrícola para manter esses produtos
no Brasil.
Grande parte dos avanços obtidos com a Lei dos Agrotóxicos (Lei nº 7.802, de julho de 1989), não tem se tornado efetivos na prevenção, fiscalização e controle dos efeitos nocivos destes produtos. Outro ponto falho apontado é a falta de sanções e punições aos que descumprem a lei.
Aproximando consumidoras urbanas da agricultura familiar agroecológica
A crítica ao sistema atual vem promovendo o fortalecimento da agricultura familiar de base ecológica, a comercialização solidária, os grupos de consumo responsável, ações de promoção da segurança alimentar e nutricional, etc.
Os grupos de consumo responsável e as feiras de produtos orgânicos são exemplos de alternativas mais “sustentáveis”, que não se restringem a nichos de mercado para os consumidores que podem pagar mais por eles.
Foram identincadas 140 feiras de produtos orgânicos em 22 das 27 capitais avaliadas. Estas feiras aproximam os consumidores dos pequenos produtores agroecológicos. Porém temos que ir muito além, fazendo com que espaços como estes se espalhem por todas as cidades do país.
Pesquisa do Idec² levantou os preços de sete alimentos orgânicos (repolho verde, berinjela, pimentão verde, chuchu, tomate, cebola e alface americana) em quatro capitais do país. A diferença de preço de um mesmo produto pode chegar a 463%, dependendo do canal de venda (grandes supermercados, feiras de orgânicos e entregas em domicílio). Em 100% dos casos, os preços mais baixos foram os praticados nas feiras de produtos orgânicos.
É importante incentivar a aproximação das consumidoras urbanas com as pequenas produtoras rurais por meio de políticas públicas locais de abastecimento. Queremos um maior número de feiras
de produtos agroecológicos, assim como a formação de grupos de consumidores de produtos agroecológicos da agricultura familiar.
O poder do consumidor
As consumidoras podem ser atoras relevantes na luta para que as empresas reduzam os impactos socioambientais em suas cadeias produtivas e para exigir dos governos políticas públicas que estimulem o desenvolvimento de novos padrões sustentáveis de produção e consumo. Além disso, os consumidores devem ser estimulados a rever os seus hábitos de consumo e buscar alternativas para mudança.
É preciso evitar o risco de cair em uma interpretação ingênua da realidade, como se o problema se resumisse às empresas tornarem sua produção mais limpa, ou de baixo carbono, e os consumidores se tornarem conscientes dos impactos socioambientais negativos.
Novos paradigmas de produção e consumo implicam um novo modelo de desenvolvimento. A produção sustentável exigirá a revisão dos modelos de negócio, e não apenas o “esverdeamento” da produção.
1- Dados da POF 2008/2009 http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1699&id_pagina=1
2 - Revista do Idec, edição 142, abril de 2010.
*O artigo "Consumo responsável e saudável de alimentos: desafio para as mulheres" foi publicado originalmente no Le Monde Diplomatique. Confira a publicação na íntegra no encarte da Campanha Cresça.