Está agendado para 26 próximo o início da votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 37, que dá exclusividade das investigações criminais à polícia judiciária. A polêmicada PEC 37 gira em torno de se retirar o poder de investigação do Ministério Público. Porém, caso seja aprovada, seus efeitos podem ter alcance ainda não percebido.
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11/06/2013
Atualizado:
27/07/2017
Vidal Serrano Junior e Flavio Siqueira Júnior
O atual sistema constitucional brasileiro permite que diversos órgãos públicos realizem atividades investigativas. E, no âmbito de suas atribuições, podem apurar fatos que dão ensejo a sanções administrativas e também a sanções penais. Tais órgãos enviam o resultado de suas fiscalizações ao Ministério Público para ser usado como prova, na hipótese de processo criminal.
Assim, a aprovação da PEC 37 afetaria não só o Ministério Público, mas também a Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, os Procons, as agências reguladoras e todos os órgãos públicos que fazem parte do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Isso porque, nas relações de consumo, as infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas a sanções administrativas, civis e penais.
Publicidade enganosa, venda de combustível adulterado, formação de cartel, venda de produtos impróprios são apenas exemplos de crimes contra as relações de consumo, tipificados na Lei nº 8.137/90 e no Código de Defesado Consumidor. Ora, se um órgão público levanta informações para impor sua sanção administrativa, porque elas não poderiam ser usadas em uma ação penal para comprovar o mesmo fato considerado como crime?
Com a aprovação da PEC abrir-se-ia a possibilidade de o Poder Judiciário desconsiderar o conjunto de provas levantado pelo órgão administrativo e levado à ação penal pelo MP. Havendo a exclusividade na investigação criminal, toda a investigação teria de ser refeita pela polícia, o que poderia levar à absolvição de um criminoso por se perderem no tempo elementos que comprovem o crime.
Talvez seus idealizadores nem tenham se dado conta, mas ao dar exclusividade à polícia na apuração de fatos considerados crimes, a PEC enfraquece também a proteção e a defesa do consumidor, além de reforçar o antagonismo entre agentes que, na verdade, deveriam atuar em conjunto para defender a sociedade. O caso da fraude do leite é um exemplo da eficiência da cooperação entre o Ministério Público e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que contou, inclusive, com apoio da Brigada Militar e da Polícia Civil gaúcha.
Na atual dinâmica das relações de consumo, quando a produção de prova para um futuro processo criminal se restringe a apenas um agente público, há um retrocesso absolutamente incompatível com a democracia. Além disso, tal alteração vai contra uma garantia fundamental do cidadão, estabelecida na própria Constituição, em seu art. 5º, XXXII, que determina que o Estado deve promover a defesa do consumidor.
Por fim, vale lembrar que a PEC nº 37 não favorece sequer as polícias, supostas beneficiárias da emenda. Hoje, um delegado de polícia que enfrenta grandes obstáculos numa investigação mas quer prosseguir nela, pode solicitar e contar com o auxílio do Ministério Público. Seria cínico e desonesto não reconhecer que as dificuldades da polícia pelo país afora são enormes, inclusive de estrutura e pessoal. Com a vedação desse auxílio, ele estará limitado aos recursos. Portanto, ganham também 100% dos criminosos e perdem 99% da polícia.
O caminho mais eficiente para atender as necessidades dos consumidores, com o respeito à sua dignidade e a proteção de seus interesses econômicos, é a interação e a colaboração entre as diversas instâncias de fiscalização e controle. Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a aprovação da PEC nº 37 poderá ser sentida em diversas dimensões do interesse social. As relações de consumo são apenas uma delas, sendo imprescindível a participação de todos na séria discussão sobre a alteração de nossa Constituição.