Nesta semana, mais especificamente no dia 15 de março, comemora-se o Dia Mundial do Consumidor. Essa data comemorativa foi instituída pelo presidente americano John Kennedy em 1962 e a partir desse momento foi inaugurado também o conceito “direito do consumidor”, que posteriormente foi difundido pelo mundo. No Brasil, o movimento consumerista nasceu a partir dos anos 70 com a criação das primeiras associações de defesa do consumidor e com o avanço das informações a respeito de regras internacionais que já visavam a proteção dos cidadãos – efetivos consumidores de produtos e serviços.
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15/03/2013
Atualizado:
15/03/2013
Christian Printes
No entanto, o marco do Direito do Consumidor no país se deu em 1990 com a publicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal 8.078/1990), que trouxe normas de ordem pública e interesse social, nos termos dos artigos 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e 48 das Disposições Transitórias. E foi a partir da sua vigência que os desafios para a aplicação das regras contidas na legislação consumerista começaram, pois era algo novo, que reequilibrava as relações contratuais e garantia maiores direitos aos cidadãos.
Passados mais de 22 anos de sua publicação, a legislação consumerista ainda passa por dificuldades e sua aplicabilidade resta prejudicada em muitos casos. Diversas são as frentes de lutas para que haja uma proteção melhor e mais eficiente aos milhares de consumidores que são lesados por práticas abusivas e desleais de um sem fim de fornecedores, privados e públicos, sem contar com a escassez de regulamentação e falta de pulso de agências reguladoras ligadas à administração indireta.
Notadamente, neste meio tempo, não se pode olvidar do trabalho das entidades de defesa do consumidor aliado aos órgãos do Governo que tratam da matéria (Procons, Ministério Público, Secretaria de Defesa do Consumidor vinculada ao Ministério da Justiça, dentre outros) e que ativamente vêm tentando fazer valer, nos diversos polos de atuação a aplicação da legislação consumerista da melhor forma possível, malgrado certos entendimentos sobre assuntos de interesses difusos e coletivos que o Judiciário, Legislativo e algumas Agências Reguladoras vêm fundamentando ainda nos dias de hoje.
Mas essa luta incessante pela correta aplicação do Código de Defesa do Consumidor seria tão acirrada se os princípios mais comezinhos do direito consumerista fossem seguidos à risca por fornecedores, consumidores, Poder Público e órgãos reguladores? A resposta vem escrita na própria lei ao tratar da Política Nacional das Relações de Consumo. O artigo 4º do CDC trata não só de elencar parte dos direitos básicos dos consumidores, mas traz em seu bojo os princípios que regem as relações de consumo, dentre eles, o da boa-fé objetiva, previsto no inciso III do artigo em comento.
Referido dispositivo legal trata justamente da harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e visa compatibilizar a proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
Diferentemente do conceito primitivo de boa-fé, que trata da ignorância de determinado indivíduo acerca de um fato modificativo ou impeditivo de seu direito, o princípio da boa fé objetiva vai além da mera expectativa de um direito ou de sua possível perda pela ignorância de fatos, mas vai de encontro justamente à harmonização, cooperação, lealdade e probidade entre todos os participantes da relação de consumo, a fim de que haja nela equilíbrio suficiente a garantir sua proteção e paridade.
Tal princípio ultrapassa o direito contratual e visa precipuamente a proteção da pessoa do consumidor. Como individuo vulnerável que é, depende de fornecedores, Poder Público e Agências Reguladoras que lhes proporcionem, além de liberdade contratual e desenvolvimento econômico e técnico, informações e meios protetivos eficazes a serem garantidos principalmente antes de se estabelecer a relação de consumo, coibindo eventuais vícios ocasionados pela má-fé ou abusos de direitos por partes dos fornecedores.
Houve também a preocupação do legislador pátrio em tipificar diversas hipóteses legais, que prescrevem deveres que se incluem no âmbito da boa-fé, de tal sorte que o próprio Código estabelece em outros dispositivos normas asseguradoras do princípio. Isso pode se verificar nos enunciados sobre a oferta (art. 30), sobre o dever de informação (arts. 9º, 12, 14, 31 e 52), sobre os deveres de lealdade e de probidade na publicidade (arts. 36 e 37) e que são garantidos ainda em fase pré-contratual dado que o contrato em si inexiste, mas os deveres da boa-fé na relação de consumo sejam assim garantidos.
E no tocante a fase contratual, a boa-fé objetiva também é garantida pelo Código de Defesa do Consumidor, de forma a coibir, reprimir, e posteriormente, se necessário, oprimir eventuais abusos pela aplicabilidade da norma do artigo 51, IV, CDC em consonância com os demais artigos protetivos dos direitos consumeristas, dado que considera nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Note-se, contudo, que apesar da boa-fé objetiva destacar-se como meio de interpretação e ser auxiliar a aplicação dos deveres contidos na lei consumerista, verifica-se a sua imprescindibilidade de verificação prévia a fim de garantir não só os princípios estabelecidos no Código, mas também as normas preventivas e punitivas pela falta de observância de tais deveres legais.
Portanto, para que haja paridade e equidade na relação de consumo, a interpretação dos ditames consumeristas de acordo com os deveres da boa-fé objetiva e dos demais princípios estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor, faz-se estritamente necessária. Seja por meio de sua aplicabilidade pelos Magistrados no Judiciário, em aprovação de novas leis regulamentares no Legislativo, de Políticas Públicas mais eficazes pelo governo, resoluções mais sólidas por parte das Agências Reguladoras e também pelos consumidores, de modo que não utilizem dos direitos previstos no Código de forma oblíqua.
Forte nessas considerações, se atendidos os princípios previstos no CDC, principalmente o da boa-fé objetiva, que também garante a aplicabilidade de princípios constitucionais econômicos, demonstra-se a falta de necessidade de alterações da lei consumerista, como muitos querem que ocorra. O que de fato é necessário é a criação de leis específicas sobre os mais variados temas atinentes à defesa do consumidor, que regulamentem e atendam os princípios e normas gerais estabelecidas no CDC.
E como a atual presidente prometeu para o próximo dia mundial do consumidor novos instrumentos legais para premiar as boas práticas nas relações de consumo e punir as más, reforçando ainda as estruturas já existentes, como os Procons, com o intuito de permitir uma fiscalização mais rigorosa e a aplicação de multas mais adequadas aos fornecedores, espera-se que sejam elas positivas e possibilitem em efetivo uma melhoria na atuação e fortalecimento não só das entidades protetoras dos consumidores, mas também exijam um papel mais rigoroso das Agências Reguladoras com o fim de coibir práticas abusivas de todos os gêneros.