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Como a tecnologia está sequestrando a sua mente

Como a tecnologia está sequestrando a sua mente - por um mágico e Designer Ético da Google

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Atualizado: 

07/02/2019
Como a tecnologia está sequestrando a sua mente
Como a tecnologia está sequestrando a sua mente
Tristan Harris

Artigo publicado originalmente no Medium e traduzido por Juliana Oms e Livia Pazianotto.

“É mais fácil iludir as pessoas do que convencê-las de que foram enganadas” - Desconhecido

Sou um especialista em como a tecnologia sequestra nossas vulnerabilidades psicológicas. É por isso que eu passei os últimos três anos como Designer Ético da Google me preocupando em como o criar designs que impedissem o sequestro de bilhões de mentes.

Ao utilizar tecnologias, geralmente focamos com otimismo em todas as vantagens que elas trazem para nós. Mas quero te mostrar onde ela pode fazer o oposto.

Onde a tecnologia explora as fraquezas das nossas mentes?

Eu aprendi a pensar dessa maneira quando eu era um mágico. Mágicos começam procurando por pontos cegos, vulnerabilidades e limites de percepção das pessoas, para que possam influenciar suas ações, sem que elas sequer percebam. A partir do momento que você sabe como apertar os botões das pessoas, você pode tocá-las como um piano.

Esse sou eu fazendo pequeno truque de mágica na festa de aniversário da minha mãe. Imagem: Tristan Harris / Medium

E é exatamente isso que designers de produtos fazem com a sua mente. Eles jogam com as suas vulnerabilidades psicológicas (consciente e inconscientemente) contra você, na corrida para agarrar sua atenção.

Quero mostrar para você como eles fazem isso.

Sequestro #1: Se você controla o Menu, você controla as escolhas

Imagem: Tristan Harris / Medium

A cultura ocidental é construída em volta dos ideais de escolha e liberdade individual. Milhões de nós defendem nosso direito de fazer escolhas livres, enquanto ignoramos como essas escolhas são manipuladas por menus que não escolhemos, em primeiro lugar.

Isso é exatamente o que mágicos fazem. Eles dão às pessoas a ilusão de liberdade de escolha, enquanto arquitetam o menu de escolha para que eles ganhem, independente do que você venha a escolher. Não consigo enfatizar o quão profundo esse insight é.

Quando é oferecido um menu de escolha, as pessoas raramente perguntam:

“O que não está no menu?”

“Por que estão me oferecendo essas opções e não outras?

“Eu conheço os objetivos do provedor e designer do menu?”

“Este menu está empoderando minha necessidade original, ou as escolhas são, na verdade, uma distração?” (por exemplo, uma esmagadora variedade de pastas de dente)

Quão empoderador é esse menu de escolha para a necessidade “acabou minha pasta de dente? Imagem: Tristan Harris / Medium

Por exemplo, imagine que você saiu com seus amigos, em uma quinta-feira à noite e querem manter o papo rolando. Você abre o Yelp para achar recomendações de lugares próximos e ver uma lista de bares. O grupo se torna um amontoado de rostos encarando seus celulares, comparando bares. Eles examinam as fotos de cada bar, contrapondo drinques e bebidas. Esse menu é relevante para o desejo original do grupo?

Não é que os bares não sejam uma boa escolha, é que o Yelp substituiu a questão original do grupo (“onde podemos manter o papo rolando?”) com uma questão diferente (“qual é o bar com boas fotos de bebidas?”), somente moldando o menu.

Além disso, o grupo cai na ilusão de que o menu do Yelp representa um conjunto de escolhas completas de lugares para ir. Enquanto baixam a cabeça olhando seus celulares, eles não vêm uma banda tocando ao vivo, no parque do outro lado da rua. Eles perdem a galeria em frente, que está servindo crepes e café. Nenhuma dessas opções apareceram no menu de Yelp.

Yelp remolda a necessidade do grupo “onde podemos manter o papo rolando?”, nos termos de fotos de bebidas servidas. Imagem: Tristan Harris / Medium

Quanto mais escolhas a tecnologia nos dá, cada vez em mais setores das nossa vidas (informação, eventos, lugares para ir, amigos, encontros, trabalhos) - mais assumimos que o nosso celular sempre é o menu de escolha mais útil e empoderador. É mesmo?

O menu “mais empoderador” é diferente do menu que tem mais escolhas. Mas quando nos rendemos cegamente às escolhas do menu, é fácil perder a noção da diferença:

  • “Quem está livre para dar um role?” vira um menu de pessoas que mais recentemente nos enviaram mensagem
  • “O que está acontecendo no mundo?” vira um menu de compartilhamentos no feed de notícias.
  • “Quem está solteiro para sair em um encontro?” vira um menu de rostos para deslizar no Tinder (ao invés de eventos locais com amigos, ou aventuras urbanas por perto).
  • “Eu tenho que responder esse e-mail” vira um menu de respostas automáticas (ao invés de empoderar maneiras de se comunicar com uma pessoa)

Todas as interfaces de usuários são menus. E se o cliente do seu e-mail lhe desse escolhas empoderadoras de resposta, ao invés de “qual mensagem você quer responder de volta?  Imagem: Tristan Harris / Medium

Quando acordamos de manhã e olhamos nosso celular para ver uma lista de notificações - isso molda a experiência de “acordar de manhã” em volta de um menu de “todas as coisas que eu perdi desde ontem”(para mais exemplos, veja Design Empoderador de Joe Edelman).

Uma lista de notificações quando acordamos - o quão empoderador é esse menu de escolhas para quando acordamos? Ele reflete o que é importante para nós? (de Design Empoderador de Joe Edelman)  Imagem: Tristan Harris / Medium

Dando forma aos menus dos quais escolhemos, a tecnologia sequestra/se apropria/desvirtua a maneira como percebemos nossas escolhas e as substitui por novas. Mas, quanto mais de perto prestamos atenção às opções oferecidas, mais percebemos que elas não se alinham exatamente com nossas verdadeiras necessidades.

Sequestro #2: Coloque um caça-níqueis no bolso de milhões de pessoas

Se você é um aplicativo, como você mantém as pessoas conectadas a sua plataforma? Transforme-se em uma máquina de caça-níqueis.

Uma pessoa comum checa seu celular 150 vezes por dia. Por que fazemos isso? Estamos fazendo 150 escolhas conscientes?

Com qual frequência você checa seu e-mail por dia? Imagem: Tristan Harris / Medium

Uma das principais razões é o ingrediente psicológico #1 de caça-níqueis: intermitentes e variáveis recompensas.

Se você quer maximizar o vício, tudo o que designers de tecnologia precisam fazer é linkar uma ação do usuário (como puxar uma alavanca) com uma recompensa variável. Você puxa uma alavanca e imediatamente recebe ou uma recompensa sedutora (um match, um prêmio!) ou nada. O vício é maximizado quando a taxa de recompensa é variável no seu máximo.

Esse efeito realmente funciona nas pessoas? Sim. Caça-níqueis dão mais dinheiro nos Estados Unidos do que beisebol, filmes e parques temáticos combinados. Comparados com outros tipos de apostas, as pessoas se envolvem 3-4 vezes mais rápido com caça-níqueis, segundo professora Natasha Dow Schull (NYU), autora de “Addiction by Design”.

Imagem cortesia de Jopwell

Mas eis aqui a verdade infeliz - bilhões de pessoas têm um caça-níqueis em seus próprios bolsos:

  • Quando puxamos o celular do bolso, estamos jogando um caça-níqueis para ver quais notificações temos.
  • Quando clicamos para atualizar o  e-mail, estamos jogando caça-níqueis para ver qual novo e-mail chegou.
  • Quando deslizamos a tela do feed do Instagram, estamos jogando caça-níqueis para ver qual foto vem depois.
  • Quando deslizamos rostos para direita/esquerda em aplicativos de encontros, como o Tinder, estamos jogando caça-níqueis para ver se ganhamos um match.
  • Quando apertamos o número vermelho de notificações, estamos jogando em um caça-níqueis para ver o que há por trás.

Jogue como em um caça níqueis para ver quantos likes eu tenho? Imagem: Tristan Harris / Medium

Apps e sites borrifam recompensas intermitentes e variáveis por todos os seus produtos, porque é bom para os negócios.

Mas em outros casos, caça-níqueis emergem por acidente. Por exemplo, por trás de todos os emails não há nenhuma empresa maliciosa que conscientemente escolha torná-los uma máquina de caça-níqueis. Não há lucro quando milhões de pessoas checam seus emails e não há nada. Nem os designers da Apple nem os da Google querem que os celulares funcionem como caça-níqueis. Aconteceu por acidente.

Mas agora empresas como Apple e Google têm a responsabilidade de reduzir esses efeitos, convertendo recompensas variáveis e intermitentes em recompensas menos viciantes, mais previsíveis e com design melhor. Por exemplo, elas poderiam incentivar as pessoas a estabelecer horários previsíveis, durante o dia ou semana, para checar os “apps caça-níqueis” e ajustar para que novas mensagens sejam entregues nesses momentos estabelecidos.  

Sequestro #3: Medo de Perder Algo Importante (MPAI)

Outra maneira dos aplicativos e websites sequestrarem as mentes das pessoas é induzindo aquele “1% de chance de que você poderia perder algo importante”.

Se eu te convenço que sou um canal importante de informação, mensagem, amizade, ou potenciais oportunidades de sexo - será difícil para você me desligar, se desinscrever, ou remover sua conta - porque (aha, eu ganho) você talvez perca algo importante:

  • Isso nos mantém inscritos a newsletters mesmo quando elas não tenham entregado benefícios recentemente (“e se eu perco um comunicado futuro?”)
  • Isso nos mantém “amigos” de pessoas com quem não falamos há anos (“e se eu perco algo de importante deles?”)
  • Isso nos mantém deslizando rostos em aplicativos de encontros, mesmo quando não servem para conhecermos ninguém há um bom tempo (“e se eu perco aquele match incrível que gosta de mim?”)
  • Isso nos mantém usando mídias sociais (“e se eu perco aquele story importante ou fico para trás no que os meus amigos estão falando?”)

Mas se damos um zoom nesse medo, vamos descobrir que não há limites: sempre vamos perder algo importante em algum momento quando paramos de usar algo.

  • Existem momentos mágicos que vamos perder no Facebook não utilizando-o por seis horas seguidas (por exemplo, um amigo antigo que está visitando a cidade agora).
  • Existem momentos mágicos que vamos perder no Tinder (por exemplo, a pessoa dos nossos sonhos) não deslizando até a 700ª pessoa.
  • Existem telefonemas emergenciais que vamos perder se não estivermos conectadas 24 horas por dia.

Mas viver cada momento com medo de perder algo importante não é como fomos construídos para viver.

E é incrível quão rápido acordamos dessa ilusão, a partir do momento em que abrimos mão desse medo. Quando nos desconectamos por mais de um dia, nos desligamos daquelas notificações ou vamos para um retiro - as coisas que temíamos que ocorressem não acontecem de verdade.

Não perdemos o que não vemos.

O pensamento “e se eu perder algo importante?” é gerado antes de sair das plataformas - e não depois. Imagine se as empresas de tecnologia reconhecessem isso e nos ajudassem proativamente a fortalecer nossos relacionamentos com amigos e negócios nos termos de “tempo bem gasto” para nossas vidas, ao invés de “o que podemos perder”.

Sequestro #4: Aprovação social

Marc Haumann te marcou em uma foto. 'Ver foto' ou 'Ir para notificações'. 

Facilmente uma das coisas mais persuasivas que um ser humano pode receber. Imagem: Tristan Harris / Medium

Somos vulneráveis à aprovação social. A necessidade de pertencimento, de ser aprovado ou apreciado por nossos pares é uma das principais motivações do ser humano. Mas agora nossa aprovação social está na mão das empresas de tecnologia.

Quando eu sou marcada em uma foto pelo meu amigo Marco, o imagino fazendo uma escolha consciente de me marcar. Mas não vejo como uma empresa, por exemplo, o Facebook, orquestrou essa ação em primeiro lugar.

Facebook, Instagram ou SnapChat podem manipular a frequência com a qual as pessoas são marcadas em fotos, automaticamente sugerindo todos os rostos que quem postou a foto deveria marcar (por exemplo, mostrando um box com “Marcar Tristan nessa foto?”).

Então, quando Marc me marca, ele está, na realidade, respondendo à sugestão do Facebook, e não realizando uma escolha consciente. Mas, através de escolhas de design como essa, Facebook controla a multiplicação da frequência com a qual milhões de pessoas experimentam a aprovação social online.

“Quer marcar você mesmo?”

O Facebook usa sugestões automáticas como essa, para que mais pessoas sejam marcadas, criando mais externalidades sociais e interrupções. Imagem: Tristan Harris / Medium

O mesmo acontece quando mudamos a foto de perfil. O Facebook sabe que esse é um momento em que estamos vulneráveis à aprovação social: “O que os meus amigos pensam da minha nova foto?”. O Facebook pode ranquear isso no feed de notícias, mantendo o acontecimento na parte de cima da timeline, para que apareça por mais tempo e mais amigos comentem. Cada vez que alguém dá um like ou comenta, somos puxados de volta.

Todo mundo inerentemente responde à aprovação social, mas alguns segmentos (adolescentes) são mais vulneráveis que outros. É por isso que é tão importante reconhecer o quão poderoso são esses designers que exploram nossas vulnerabilidades.

Quantos likes eu consegui?  Imagem: Tristan Harris / Medium

Sequestro #5: Reciprocidade Social (uma mão lava a outra)

  • Você me faz um favor - eu fico te devendo
  • Você diz “obrigada” - eu respondo “de nada”
  • Você me manda um e-mail - seria mal educado não responder
  • Você me segue - seria mal educado não te seguir (o que se aplica especialmente para adolescentes)

Nós somos vulneráveis à necessidade de corresponder aos gestos do outro. Mas, assim como acontece com a aprovação social, companhias de tecnologias manipulam a frequência da ocorrência de situações que nos exigem tal postura.  

Em alguns casos, ocorre acidentalmente. Email, SMS e aplicativos de mensagens são fábricas de reciprocidade social. Mas, em outros casos, as empresas exploram essa vulnerabilidade de propósito.

O LinkedIn é o que mais se aproveita desta fragilidade. O LinkedIn estimula as pessoas a criarem o máximo de obrigações sociais possíveis umas com as outras, já que cada vez que há reciprocidade (aceitando um convite, respondendo uma mensagem ou recomendando as competências de alguém) as pessoas necessariamente voltam para o site linkedin.com, onde são induzidas a ficarem por mais tempo.

Assim como o Facebook, o LinkedIn explora uma assimetria na percepção do que está ocorrendo. Quando você recebe o convite de alguém, imagina que aquela pessoa fez conscientemente a escolha de convidar você, quando, na verdade, ela inconscientemente apenas respondeu uma sugestão de contato da lista disponibilizada pelo LinkedIn. Em outras palavras, LinkedIn transforma seus impulsos inconscientes (de adicionar uma pessoa) em novas obrigações sociais que milhões de pessoas se sentem na obrigação de responder. Tudo isso lucrando com o tempo gasto pelas pessoas em sua plataforma.  

Não é estranho que o LinkedIn case as solicitações de conexão com a sugestão de enviar ainda mais convites?  Imagem: Tristan Harris / Medium

Imagine milhões de pessoas sendo interrompidas assim ao longo do dia, como galinhas sem cabeça correndo sem direção e correspondendo umas às outras - tudo desenhado por empresas que lucram com isso.

Bem-vindo à mídia social.

Depois de aceitar uma recomendação que fizeram sobre você, o LinkedIn toma vantagem da sua fragilidade por corresponder, oferecendo *quatro* pessoas adicionais para você recomendar em troca. Imagem: Tristan Harris / Medium

Imagine se as empresas de tecnologia possuíssem a responsabilidade de reduzir a reciprocidade social. Ou se houvesse uma organização independente que representasse o interesse público - um consórcio industrial ou uma agência federal para tecnologias - e monitorasse quando as empresas de tecnologias abusassem dessas tendências humanas?

O LinkedIn finalmente valeu a pena - me deu dois seguidores novos no Twitter. Imagem: Tristan Harris / Medium

Sequestro #6: Cumbucas sem fundo, feeds infinitos e autoplay

O Youtube começa automaticamente o próximo vídeo depois de uma contagem regressiva. Imagem: Tristan Harris / Medium

Outra forma de enganar as pessoas é mantê-las consumindo coisas, mesmo quando já não têm mais fome.

Como? Fácil. Pegue uma experiência que era limitada e finita e transforme-a em um fluxo contínuo.

O professor Brian Wansink da Universidade Cornell provou esta teoria em seu estudo, ao demonstrar que se pode enganar as pessoas para que continuassem comendo uma sopa dando-as uma tigela infinita, reabastecida automaticamente enquanto a consumiam. Com as tigelas sem fundo, as pessoas comeram 73% mais calorias em comparação com aquelas que consumiram a sopa em tigelas normais, além de subestimar o consumo de aproximadamente 140 calorias.

As empresas de tecnologia exploram o mesmo princípio. Feeds de notícia são propositalmente desenhados para se auto abastecer de razões para que você siga neles, e propositalmente eliminar qualquer razão para você parar, reconsiderar ou deixá-los.

É por esta mesma razão que mídias sociais e de vídeos como Netflix, Youtube ou Facebook reproduzem automaticamente o próximo vídeo depois de uma contagem regressiva, ao invés de esperar que você conscientemente escolha reproduzir outro conteúdo. Grande parte do tráfego nesses sites é conduzido pela reprodução automática.

Netflix automaticamente inicia o próximo episódio depois da contagem regressiva. Imagem: Tristan Harris / Medium

Facebook deliberadamente inicia em automático o próximo vídeo depois da contagem regressiva​. ​Imagem: Tristan Harris / Medium

Empresas de tecnologia geralmente afirmam que “estamos somente facilitando o acesso aos vídeos que os usuários querem ver” quando estão, na verdade, atendendo os interesses de seu negócio. E você não pode culpá-los, porque aumentar o tempo gasto em suas plataformas é a forma pela qual lucram.

Imagine, por outro lado, se as empresas de tecnologia empoderassem você para conscientemente limitar sua experiência e alinhá-la com o que seria um “tempo bem gasto” para você. Não somente limitando a quantidade do tempo que você gasta, mas a qualidade do de um “tempo bem gasto”.

Sequestro #7: Interrupção abrupta vs. Entrega respeitosa

As empresas sabem que mensagens interrompendo abruptamente as pessoas são mais persuasivas para fazê-las responder em comparação com mensagens de verificação não instantâneas (como emails).

Dada a escolha, o Messenger (ou Whatsapp, Wechat, Snapchat ou coisas do tipo) preferiria desenhar seu sistema de modo que os destinatários fossem interrompidos imediatamente quando enviada a mensagem (mostrando uma caixa de diálogo), ao invés de ajudar os usuários a respeitar a concentração uns dos outros.

Em outras palavras, interrupção é bom para o negócio.

Além disso, é do interesse das companhias aumentar o sentimento de urgência e reciprocidade social. Por exemplo, o messenger automaticamente conta ao emissor quando você visualizou sua mensagem, ao invés de permitir a escolha sobre a confirmação da leitura (“agora que você sabe que eu vi a mensagem, me sinto ainda mais obrigado a te responder.”).

Por contraste, a Apple respeitosamente disponibiliza aos usuários a opção de ligar ou não a opção de confirmação de leitura.

O problema é que maximizando interrupções em função do negócio cria-se uma tragédia comum, arruinando a concentração global e causando bilhões de interrupções desnecessárias todos os dias. Esse é um enorme problema que precisamos consertar com designs padrões compartilhados (potencialmente, como parte do tempo bem gasto).   

Sequestro #8: Juntando suas razões com as razões deles

Outra forma de aplicativos sequestrarem você é pegando suas razões para visitá-los (realizar uma tarefa específica) e torná-las inseparáveis do que alimenta o negócio deles (maximizando o quanto você consome uma vez que já acessou a plataforma).

Por exemplo, no mundo físico das lojas de conveniência, as duas razões mais populares que motivam as pessoas a visitá-las são comprar remédios e leite. Porém, lojas de conveniências querem maximizar as compras das pessoas, então elas colocam os remédios e o leite no fundo da loja.

Em outras palavras, elas tornam o que os consumidores querem (leite e remédios) inseparáveis do que o negócio deseja. Caso as lojas fossem realmente organizadas para ajudar as pessoas, colocariam os itens mais populares na entrada.

As empresas de tecnologia desenvolvem seus sites da mesma maneira. Por exemplo, quando você quer olhar um evento do facebook que ocorrerá hoje a noite (sua razão), o aplicativo não te permite fazê-lo sem antes passar pelo feed de notícias (a razão deles) e este é o motivo. O Facebook quer converter todas as razões que você tem para usá-lo na razão deles, que é maximixar o tempo que você gasta consumindo conteúdo na plataforma.

Ao invés disso, imagine se…

  • Twitter desse uma forma separada de postar um tweet que não passasse pelo feed de notícias.
  • Facebook desse um caminho separado para conferir os eventos de hoje a noite, sem que fôssemos forçados a passar pelo feed de notícias.
  • Facebook te desse um caminho separado para usar o “facebook connect” como um passaporte para criar novas contas em outro aplicativos e sites de festas, sem nos forçar a instalar seu aplicativo, passar pelo feed de notícias e verificar nossas notificações.

Num mundo do tempo bem gasto, sempre há um caminho direto para ir onde você quer separadamente do que o negócio deseja. Imagine uma “declaração de direitos digitais” determinando padrões para o design que forçasse os produtos utilizados por bilhões de pessoas a permití-las navegar diretamente para o que elas querem, sem a necessidade intencional de passar por lugares de distração.

 ​Imagem: Tristan Harris / Medium

Sequestro #9: Escolhas inconvenientes

Nos dizem que “basta o negócio disponibilizar as opções” aos usuários:

  • se não gosta, você sempre pode usar outro serviço
  • se não gosta, você pode sair das plataformas
  • se você está viciado no seu aplicativo, sempre pode desinstalá-lo do seu celular

Os negócios naturalmente querem facilitar as opções que eles querem que você tome e dificultar as que eles não querem. Mágicos fazem a mesma coisa. Você torna mais fácil para o espectador pegar aquilo que você quer que ele pegue e torna mais difícil para o espectador pegar aquilo que você não quer que ele pegue.

Por exemplo, NYTimes.com te permite cancelar a assinatura digital. Mas, ao invés de apenas cancelá-la, quando você pressiona o botão “cancelar assinatura”, te enviam um email informando que para proceder o cancelamento, você deve fazer uma chamada para um telefone que apenas opera em determinadas horas.

 ​Imagem: Tristan Harris / Medium

Ao invés de olhar o mundo sob a ótica das possibilidades de escolhas, devemos olhá-lo pensando nos empecilhos que cada escolha implica. Imagine um mundo onde as escolhas fossem rotuladas pelo nível de desgaste que acarretam ao serem levadas até o fim (como um coeficiente de dificuldade) e houvesse uma autoridade independente - um consórcio industrial ou agência sem fins lucrativos - que rotulasse estas dificuldades e estabelecesse padrões de dificuldade para a navegação.  

Sequestro #10: Prevendo erros e estratégias de chutar o pau da barraca

 ​Imagem: Tristan Harris / Medium

Nos últimos tempos, os aplicativos vêm explorando a falta de habilidade das pessoas em prever as consequências de um click.

As pessoas intuitivamente não preveem o verdadeiro custo de um click ao realizá-lo. Os fornecedores usam técnicas de chutar o pau da barraca, fazendo poucas perguntas iniciais simples (“apenas um click para ver qual tweet foi retuítado”) e iniciam a escalada a partir delas (“por que você não fica um pouco mais?”). Virtualmente, todas as redes sociais usam esse truque.

Imagine se navegadores e celulares, os instrumentos pelos quais as pessoas fazem estas escolhas, realmente estivessem cuidando das pessoas e as ajudassem a prever as consequências de um click (baseado em dados reais sobre quais os benefícios e custos de fato daquela ação).

Por conta dessa razão eu adiciono o “tempo estimado de leitura” no início dos meus posts. Ao colocar o custo real de uma escolha na frente das pessoas, você trata os usuários ou espectadores com dignidade e respeito. Em uma internet do tempo bem gasto, as escolhas poderiam ser classificadas nos termos de sua projeção de custos e benefícios, de forma que as pessoas fossem empoderadas para realizar escolhas por seu conhecimento anterior, não por ter trabalho extra.       

 ​Imagem: Tristan Harris / Medium


Resumo e como podemos consertar este problema

Ficou triste porque a tecnologia sequestra sua mente? Eu também. Eu listei algumas técnicas, mas na verdade existem milhares. Imagine toda uma prateleira de livros, seminários, oficinas e treinamentos que ensinam técnicas assim para novas empresas de tecnologia. Imagine centenas de engenheiros cujo emprego é inventar novas formas de manter você em suas respectivas plataformas.  

A máxima liberdade é a mente livre e precisamos que a tecnologia esteja ao nosso lado para nos ajudar a viver, sentir, pensar e agir livremente.

Precisamos que nossos celulares, telas de notificações  e navegadores sejam os exoesqueletos para nossas mentes e relacionamentos interpessoais que coloquem nossos valores, não nossos 

impulsos, em primeiro lugar. O tempo das pessoas é valioso. E nós devemos protegê-lo com o mesmo rigor que a privacidade e outros direitos digitais.

 

Tristan Harris era Filósofo de Produtos do Google até 2016, onde ele estudou como a tecnologia afeta a concentração, o bem estar e o comportamento de bilhões de pessoas. Para mais textos sobre tempo bem gasto, acesse: timewellspent.io

 

ATUALIZAÇÃO: A primeira versão deste post não continha agradecimentos àqueles que me inspiraram a pensar sobre o assunto por muitos anos incluindo Joe Edelman, Aza Raskin, Raph D’Amico, Jonathan Harris e Damon Horowitz.

Minha reflexão sobre os menus e escolhas está profundamente enraizada no trabalho de Joe Edelman’s sobre Valores Humanos e a Tomada de Decisões.

 

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