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Atualizado:
Atualmente, a internet deixou de ser um luxo para ser um meio básico de viabilização do exercício pleno da cidadania. É por meio dela que os cidadãos acessam programas sociais e outros direitos fundamentais, como saúde, educação, informação, trabalho e lazer. A internet é definida como um serviço essencial ao direito da cidadania pelo Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). Dentre os direitos de seus usuários, estão a qualidade da conexão, a continuidade de seu provimento e a acessibilidade.
Entretanto, a realidade destoa da importância deste direito. Segundo dados da TIC Domicílios 2021, uma a cada cinco pessoas não têm acesso à internet em casa (18,4%). Dentre as razões para a falta de acesso, os consumidores responderam ser muito caro (31%) e/ou não saberem usá-la (19,6%). Em complemento, a pesquisa do Idec em parceria com o Instituto Locomotiva revelou que 9 em cada 10 brasileiros utilizam a internet primordialmente pelo celular, na maioria das vezes com planos pré-pagos com baixas franquias de internet e sujeitos a práticas limitantes e que descumprem o princípio da neutralidade da rede (a não-discriminação no acesso e navegação na internet), como o zero rating. Esta prática cerca os usuários a aplicativos de "acesso livre", gerando um "cercadinho" tendente à disseminação de fake news. Dados da mesma pesquisa ainda apontam que quem são mais afetadas por um acesso restritivo da internet são mulheres negras e de baixa escolaridade.
Assim, é preciso considerar que, nos dias de hoje, a internet não é luxo, e sim um meio necessário para acesso a outros direitos e para o exercício da cidadania e que deve ser utilizada em sua plenitude. Portanto, urge promovê-la como serviço essencial aos cidadãos e que, como tal, não pode seguir regras que atendam aos interesses exclusivos do mercado.
O que dizem as principais candidaturas sobre acesso à internet
Lula
A ex-presidente Lula defende a transformação digital do país, sendo dever do Estado a democratização e universalização do acesso à internet com qualidade, com especial atenção à rede pública de educação básica. Ainda, defende uma atuação mais incisiva em prol da neutralidade de rede e contra a disseminação de desinformação (§§85 e 119 de seu Plano de Governo).
Bolsonaro
O candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, também defende a transformação digital, mas através da ampliação da conectividade mediante a implantação da tecnologia 5G, inclusive em prol de regiões remotas, da indústria agropecuária, da competitividade internacional, da educação, da telessaúde e da geração de empregos. No entanto, da forma como foi concebida a sua implementação pelo atual Governo Federal, a tecnologia do 5G não será capaz de suprir tais lacunas, conforme apontado em pesquisa do Idec sobre a chegada desta tecnologia ao Brasil.
Também defende a democratização da internet nas escolas e a ampliação do Programa Wi-Fi Brasil, de conexão de internet fixa a localidades remotas (Pp. 20-21 de seu Plano de Governo). Novamente, a proposta do atual presidente não coincide com o perfil de políticas implementadas em seu atual mandato, uma vez que mesmo em um período pandêmico, onde o acesso à internet tornou-se ainda mais essencial, o poder executivo esforçou-se ativamente para travar a liberação de recursos para a conectividade estudantil e utilizou o Wi-Fi Brasil como ferramenta de propaganda governamental, onde os usuários devem assistir um uma propaganda de 30 segundos sobre programas sociais do governo Bolsonaro a cada pedido de conexão à rede.
Ciro Gomes
Já o candidato Ciro Gomes defende um Projeto Nacional de Desenvolvimento em prol da identidade nacional, o qual incluiria acesso à internet enquanto fator determinante de acesso à cultura, à informação e ao trabalho. Sua proposta é a criação do Programa Internet do Povo, de ampliação de Wi-Fi público, financiamento de smartphones em até 36 vezes sem juros para os mais vulneráveis e capacitação em informática (p. 23 de seu Plano de Governo).
Simone Tebet
Por fim, a candidata Simone Tebet defende a conectividade acessível de escolas e comunidades vulneráveis, a expansão de locais públicos com internet e programas de inclusão digital para solucionar problemas da população no acesso a serviços públicos. Ainda, defende a aprovação de emenda constitucional que tornaria a inclusão digital um direito fundamental (pp. 13, 17 e 27).
É preciso priorizar a universalização do acesso à internet e avançar em medidas
Não há cidadania plena sem garantia de acesso universal e de qualidade à internet. A internet, atualmente, é essencial para o exercício de diversos direitos fundamentais.
O direito ao acesso à internet universal e de qualidade - presente apenas nos planos da chapa Lula-Alckmin - deve ser garantido e tratado como central nos planos de governo.
Ainda, é preocupante o foco do plano de governo do Bolsonaro priorizando 5G e em conexão da indústria agropecuária, sem assumir compromissos com a universalização do acesso de qualidade. Isso porque as necessidades de conexão comuns dos consumidores são satisfatoriamente supridas pela expansão da banda larga fixa e da conexão 4G. Enquanto a conexão 5G, além de ser um investimento caro, é voltada a conectar processos que exigem alta largura de banda, como Internet das Coisas e automações em geral. Apesar de o leilão do 5G obrigar investimentos em expansão do 4G, há incertezas envolvendo sua execução de fato pelas empresas ganhadoras do certame.
Ademais, o investimento na indústria agropecuária não pode sobrepor a representatividade dos consumidores, como tem ocorrido no Conselho Gestor do FUST, que tem operado sem transparência e com representantes do setor agropecuário nas cadeiras da sociedade civil, em detrimento dos interesses dos consumidores.
Ainda, o acesso à internet não pode ser visto deslocado de considerações sobre outros aspectos de desigualdade, como classe, raça, etnia, gênero e região. É necessário, portanto, uma atenção especial a algumas populações, como as comunidades ribeirinhas, quilombolas e residentes na região Norte e Nordeste, que possuem maiores distorções de acesso. Dentre os principais problemas enfrentados na região Norte, podemos destacar a falta de infraestrutura, que influencia diretamente na baixa qualidade do serviço e nos preços altos, conforme aponta a pesquisa “Acesso à Internet na Região Norte do Brasil”, elaborada pelo Idec.
Políticas essenciais de acesso à internet
Em linha com o manifesto "Compromisso com a Democracia e os Direitos Digitais", subscrito pela Coalizão Direitos na Rede, o Idec ainda entende que próximo governo deve:
- adotar políticas robustas de universalização do acesso significativo e não-discriminatório à internet, com (i) qualidade, (ii) velocidade, (iii) sem imposição de falsas limitações, com (iv) equipamentos adequados e a (v) preço acessível;
- descontingenciar o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) em prol (i) do investimento em infraestrutura de internet fixa, em especial para locais não conectados e com população de baixa renda, (ii) de políticas públicas de garantia de preços módicos, (iii) com incentivo ao desenvolvimento de redes comunitárias;
- reconhecer a ilegalidade dos planos de franquia associados ao acesso patrocinado ao tráfego de dados a determinados aplicativos ("zero rating"), em (i) respeito ao MCI, e de modo a coibir (ii) a disseminação de desinformação e (iii) práticas anticompetitivas;
- reconhecer o caráter de bem público dos bens reversíveis na conversão dos contratos de concessão para autorização nas telecomunicações;
- acompanhar políticas de investimento em internet, como o Programa Banda Larga nas Escolas (PBLE), Programa Amazônia Sustentável e Integrada, o FUST e obrigações decorrentes do edital de 5G, de modo a coordená-las, garantir transparência e participação social e evitar sobreposições;
- integrar as políticas dos Ministérios da Educação, Ciência e Tecnologia e Comunicação em prol do acesso significativo.
*Camila Leite Contri (advogada e pesquisadora), Juliana Oms (advogada e pesquisadora), Luã Cruz (advogado e pesquisador)