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Artigo publicado na Folha de S. Paulo de 06/12/2020
Os 47 milhões de usuários de planos de saúde no Brasil sofreram mais um golpe. Em uma véspera de feriado, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) cumpriu a ameaça que se anunciava há semanas e autorizou a recomposição dos reajustes de planos de saúde, suspensos entre setembro e dezembro de 2020.
A medida não prevê qualquer mecanismo para coibir abusos na cobrança, apenas uma obrigação genérica de que as empresas informem os usuários nos boletos. Também afirma que os valores serão parcelados em 12 vezes, como se isso representasse um alívio econômico para os consumidores.
Se até poucas semanas a agência se apoiava no argumento de que, sem a recomposição, a sustentabilidade financeira das operadoras estaria em risco, agora, com a divulgação de que as empresas tiveram lucros históricos durante a pandemia, a ANS afirma que a medida serve para impedir a “desestabilização das regras e os contratos estabelecidos”.
Não se sabe quais são os dados que sustentam o argumento anterior ou o atual. Isso porque a decisão foi tomada sem qualquer consulta ou participação social, à revelia dos consumidores —que serão, novamente, impactados por reajustes muitas vezes abusivos. Isto sim coloca em risco a manutenção dos contratos e a sustentabilidade do mercado de planos de saúde.
A decisão precisa ser urgentemente revista e, desta vez, sob o escrutínio público e dos demais órgãos de controle da administração, como é o caso do TCU (Tribunal de Contas da União). É por isso que o Idec e outras entidades da sociedade civil demandaram à ANS a criação de uma Câmara Técnica Extraordinária, um instrumento previsto no próprio regimento interno da agência. A ideia é garantir a transparência e a participação devidas no encaminhamento de um tema tão crítico para toda a sociedade.
Espera-se também que, nesse processo, a ANS explique os fundamentos da decisão que claramente beneficia os planos de saúde no momento mais lucrativo de sua história. Entre o primeiro e o segundo semestre de 2020, as operadoras viram seus lucros triplicarem por conta de fatores como a redução de procedimentos eletivos em razão da pandemia.
A ANS foi criada para garantir, entre outras coisas, o equilíbrio nas relações entre usuários e planos de saúde, mas não tem agido de maneira isonômica. Não é demais recordar que a própria suspensão dos reajustes durante a pandemia foi limitada no tempo e no alcance: não incluiu os meses iniciais da crise sanitária e deixou de fora a maior fatia do mercado, formada pelos planos coletivos empresariais com mais de 30 vidas, além dos contratos anteriores à Lei dos Planos de Saúde, de 1998.
Agora, a agência tem a chance de adotar um caminho mais justo, democrático e transparente. Se insistir na decisão perversa de recompor os reajustes e onerar as famílias nesse momento de crise aguda, assumirá de vez o papel de inimiga dos consumidores.
Teresa Liporace, é diretora-executiva do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)