Ao longo da história, a descoberta de formas de processamento dos alimentos foi fundamental para garantir a segurança alimentar das comunidades. De técnicas milenares, como o salgamento da carne ou a fermentação do pão, até estratégias dependentes de tecnologia, como a pasteurização do leite ou o congelamento de peixes, todas são importantes para aumentar a durabilidade e facilitar o transporte e o armazenamento de alimentos.

A indústria alimentícia tem, portanto, um papel fundamental: aplicar essas técnicas e desenvolver novas formas de processamento de alimentos que ajudem a superar os desafios para garantir a segurança alimentar para uma população mundial crescente.

No entanto, nas últimas décadas, essa indústria sofreu transformações que a tornaram um ator chave no atual cenário de aumento dos índices de obesidade e de DCNTs (doenças crônicas não transmissíveis). O problema são os alimentos ultraprocessados. Esses produtos surgiram com a 2ª Guerra Mundial, com o objetivo de enviar para os campos de batalha alimentos que não estragassem. Ao fim do conflito, com a tecnologia já desenvolvida, os ultraprocessados entraram no mercado alimentar com a promessa de praticidade. Os efeitos colaterais da popularização desses produtos são sentidos hoje: eles induzem o desenvolvimento de modos de comer não saudáveis, não vistos em milênios de atividade humana.

A popularização dos ultraprocessados

Indo muito além das técnicas mais simples de intervenção em alimentos in natura, esses novos produtos são desenvolvidos por meio de uma manipulação química de substâncias extraídas de alimentos – em geral produzidos em larga escala e de maneira intensiva, como soja, milho, trigo ou cana de açúcar. De cada um deles, a indústria extrai o que é mais interessante do ponto de vista econômico – por exemplo, do milho é retirado o amido, e da soja, proteínas. Essas substâncias são recombinadas em novos produtos que, com o uso intensivo de diversos aditivos químicos (conservantes, aromatizantes, corantes, texturizantes, etc.), ficam agradáveis em termos de paladar, aroma e textura. Esses produtos tornam-se, então, comestíveis, mas não se parecem em nada com um alimento de verdade.

Com esse processo, a indústria é capaz de criar produtos que buscam substituir alimentos e preparações culinárias tradicionais. Tais produtos têm custo baixo de fabricação, normalmente também de venda, e são projetados para serem o mais atraente possível, do ponto de vista de praticidade e palatabilidade, para os consumidores. O resultado é um crescimento sistemático no consumo de ultraprocessados, como descrito no capítulo 3.

Um dos motivos para o consumo crescente de ultraprocessados são as sensações produzidas pelos seus aditivos no corpo humano. Eles geram reações que vão além das respostas fisiológicas naturais à fome e à necessidade energética e atrapalham o sistema regulatório do corpo, fazendo com que a pessoa sinta vontade de continuar comendo sem atingir a sensação de saciedade. Isso cria uma relação com esses produtos que especialistas comparam com o vício.

Manipulação de pesquisas

A indústria alimentícia tem atuação determinante nos estudos das áreas nutricional e de saúde. De forma análoga às indústrias tabagista e farmacêutica, o setor de alimentos investe financeiramente em estratégias para determinar o rumo de pesquisas. No contexto global, os grandes fabricantes de produtos alimentícios financiam desde estudos individuais até departamentos inteiros em universidades, passando pelo pagamento de viagens a pesquisadores e patrocínio de congressos e eventos.

A pesquisa na área da alimentação é especialmente difícil de controlar, uma vez que é impossível isolar o efeito de um alimento sozinho no corpo humano. Assim, a influência nos resultados é mais fácil de ser exercida e mais difícil de ser reconhecida. A força da indústria na pesquisa não tem a ver, necessariamente, com o comprometimento ético de pesquisadores. Há muitos que trabalham buscando cumprir os requisitos necessários para fazer pesquisa idônea. Entretanto, o fator do viés involuntário pode fazer com que o pesquisador, sem perceber, busque resultados favoráveis ao financiador. Além disso, é evidente que o financiamento privilegia recortes de pesquisa que possam favorecer seus produtos.

Outra estratégia para validar o consumo de ultraprocessados é influenciar médicos, nutricionistas e jornalistas. No caso de profissionais da saúde, são brindes, viagens e patrocínio a congressos e eventos. No caso de jornalistas, as press trips (viagens pagas para profissionais de imprensa) buscam produzir uma visão positiva dos produtos ou da empresa na mídia. Mais recentemente, com a explosão dos uso de redes sociais, a indústria passou a mirar também nos influenciadores digitais para fazer publicidade de seus produtos. Sem a mediação das regras éticas da medicina e do jornalismo, é mais difícil saber o que é opinião e o que é publicidade, formando um terreno pantanoso para a regulação.

A isso, soma-se o fato de que a indústria alimentícia pode ser considerada um vetor para o surgimento de DCNTs, já que ela atua em diferentes frentes e seus produtos contribuem para aumentar os índices de obesidade, dentre outras doenças.

CONFLITO DE INTERESSE

Em decisões que têm como objetivo promover a saúde pública, qualquer prática em que o julgamento e/ou atitude de uma pessoa ou empresa esteja distorcida em favor de interesses econômicos ou comerciais pode ser considerada um conflito de interesse.

Estratégias usadas pela indústria para popularizar seus produtos

ACESSO: os produtos ultraprocessados estão disponíveis nos mais diversos ambientes, de supermercados a bancas de jornal. Até mesmo em espaços direcionados à saúde, como farmácias e hospitais, é possível encontrar bebidas açucaradas e outros produtos da indústria. Escolas e outros espaços voltados para crianças e adolescentes também oferecem esse tipo de alimentação.

PRATICIDADE: dispensam a preparação na cozinha e podem ser consumidos na hora da compra e em qualquer lugar, poupando tempo das pessoas.

EMBALAGENS: os produtos são pensados para serem visualmente atraentes, com embalagens bonitas e que trazem poucos detalhes a respeito da composição nutricional do produto - além de muitas informações confusas e enganosas.

PUBLICIDADE: campanhas agressivas de marketing ocupam todas as mídias, vinculando produtos a situações de prazer, sem informar sobre os riscos que representam. Ao contrário, muitas dessas peças publicitárias são construídas como se mostrassem fatos científicos, citando a adição de nutrientes supostamente benéficos, mas que, na realidade, não tornam o produto em questão uma alternativa saudável – por exemplo, um cereal matinal, que é majoritariamente composto por açúcar, mas que afirma ser fonte de fibras e vitaminas. Novamente, crianças e adolescentes são público-alvo preferencial.

CUSTO: a tendência é que os ultraprocessados sejam cada vez mais baratos em relação aos alimentos in natura. No Brasil, os alimentos saudáveis ainda são mais baratos do que esses produtos, mas especialistas já enxergam um momento de virada em 2026 (ver capítulo 2). Em alguns países desenvolvidos, como Estados Unidos e Canadá, o preço dos ultraprocessados já é inferior ao da comida in natura.

Estratégias utilizadas pelas indústrias para ocupar espaços de decisão política

LOBBY: A indústria alimentícia tem assentos garantidos em colegiados e grupos de trabalho que discutem regulação de alimentos e políticas públicas diversas. Se isso pode ser razoável no caso de espaços que discutem questões ligadas à atividade industrial em si, o mesmo não vale quando o objetivo é discutir políticas públicas de saúde, já que esse assunto não está dentro da expertise da indústria e ela tem interesses comerciais envolvidos.

AUTORREGULAÇÃO: funciona para defender a ideia de que as indústrias não necessitam de regulação, já que estão fazendo sua parte. Alguns exemplos são os acordos voluntários de sódio e açúcar entre indústrias de alimentos e o Ministério da Saúde e a regulamentação das práticas de publicidade, por meio do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária).

ORGANIZAÇÕES DE FACHADA: institutos que têm como discurso a defesa da ciência, mas que são fundados e organizados por membros da indústria ou por associações da indústria, com a participação de pesquisadores financiados pela indústria.

CARGOS ESTRATÉGICOS: influência na nomeação de cargos responsáveis por decisões importantes e cargos governamentais ocupados por profissionais que depois vão para a indústria alimentícia e vice-versa.

ESTRATÉGIAS LEGAIS: litigância e judicialização de processos regulatórios, como a extensão de prazos de consultas públicas, a fim de ganhar tempo e atrasar/adiar tais processos e decisões regulatórias.

7 ARGUMENTOS DA INDÚSTRIA

utilizados para driblar a regulação, desfocar os efeitos dos ultraprocessados na saúde pública e favorecer interesses comerciais

  1. Garantia da liberdade de escolha das pessoas como argumento para que o governo e políticas públicas não interfiram nas decisões pessoais.
  2. Culpabilização dos pais e indivíduos com a mensagem de que perder peso e se alimentar de forma saudável é questão apenas de força de vontade.
  3. Uso da atividade física como solução para a perda de peso, para desfocar a atenção do consumo de ultraprocessados.
  4. Questionamento e descrédito de experiências bem sucedidas e de evidências científicas quando contrárias a interesses comerciais
  5. Garantia da liberdade de expressão como justificativa para a venda de produtos não saudáveis, com mensagens e estratégias enganosas e abusivas.
  6. Educação nutricional ao invés de regulação para passar a ideia de que a população precisa apenas de informação e não de mudanças no ambiente alimentar realizar escolhas conscientes
  7. Argumento de perda econômica e desemprego para justificar atuações que podem trazer malefícios para a saúde pública, sendo que tais argumentos já se mostraram falsos em políticas pública de alimentação.

Ambiente obesogênico

O conjunto de ações da indústria cria o que especialistas chamam de “ambiente obesogênico”, desenhado para levar a população a consumir mais produtos ultraprocessados. Se esses produtos são mais baratos, estão mais disponíveis no comércio e são divulgados de maneira ampla e positiva, e ainda criam reações fisiológicas semelhantes ao vício, torna-se muito difícil para um indivíduo evitar seu consumo.

Essa situação é ainda mais grave quando pensamos em grupos mais vulneráveis, como crianças e adolescentes, que ainda estão construindo sua relação com a comida e seus hábitos alimentares. Não é razoável exigir que uma criança entenda que o cereal matinal com um mascote animado nos comerciais tem índices de açúcar muito acima do recomendado, ou pedir para que um adolescente deixe de lado o sanduíche da rede de fast-food da moda por ter alta concentração de sódio e gorduras saturadas.

O alto consumo de refrigerantes entre adolescentes – constatado em dados da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), conforme apresentado no capítulo 2 – é prova da eficácia das campanhas de marketing das empresas voltadas para esse público. Essas estratégias envolvem a oferta de bebidas açucaradas em cantinas escolares, onde a mediação dos pais não acontece (mais sobre alimentação em ambiente escolar no capítulo 4). Atingir crianças e adolescentes é uma forma de criar consumidores fiéis no futuro.

Essas ações de fidelização acontecem há tempos, em diferentes graus de sofisticação, tendo como argumento de defesa o direito à livre escolha e à informação por parte do consumidor. Atualmente, no entanto, já existem informações suficientes ligando ultraprocessados à obesidade e a doenças crônicas, o que coloca o marketing de produtos ultraprocessados dentro da categoria de publicidade abusiva, de acordo com o artigo 37 do CDC (Código de Defesa do Consumidor). O mesmo artigo também considera qualquer publicidade voltada para crianças como uma prática abusiva. Esse não vem sendo o entendimento geral do Judiciário no Brasil, mas existem algumas decisões favoráveis aos consumidores, o que pode mudar a jurisprudência sobre o assunto no país.

DESERTOS E PÂNTANOS ALIMENTARES

Uma vez que é mais provável a compra daquilo que está disponível localmente e por um preço adequado à renda da pessoa ou da família, os ultraprocessados têm feito cada vez mais parte da dieta dos brasileiros. Essa tendência já foi detectada em pesquisas acadêmicas e deu origem a conceitos como desertos e pântanos alimentares. Os desertos alimentares são locais onde o acesso a alimentos in natura ou minimamente processados é escasso ou impossível, enquanto nos pântanos alimentares predomina a venda de produtos altamente calóricos com poucos nutrientes.

Políticas públicas

A diminuição no consumo de produtos ultraprocessados é um assunto urgente no Brasil. Para que isso aconteça, é necessário construir um ambiente mais propício para o desenvolvimento de hábitos alimentares saudáveis, por meio de políticas públicas que regulem as principais estratégias da indústria. O país está em um momento crucial para a adoção de medidas desse tipo. Os hábitos alimentares da população estão mudando, mas ainda não chegam ao nível de alguns países desenvolvidos, onde o consumo de ultraprocessados chega a constituir 50% da dieta. Nos EUA, por exemplo, esses produtos compõem em média 58% da dieta.

O Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado pelo Ministério da Saúde em 2014, é referência internacional sobre o tema e um avanço importante em termos de conscientização e educação. Em 2019, foi lançado também o Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 Anos, completando as recomendações oficiais do Ministério da Saúde para que adultos e crianças tenham uma alimentação saudável.

No entanto, é preciso fazer mais para melhorar o ambiente alimentar brasileiro. Entre as principais propostas defendidas por especialistas e pela sociedade civil organizada, estão:

Regulamentação da publicidade de alimentos

Organizações da sociedade civil defendem que as campanhas publicitárias de produtos ultraprocessados podem ser enquadradas como publicidade enganosa e/ou abusiva, com previsão de punição na legislação brasileira desde 1990, no âmbito do CDC. Isso porque elas não informam corretamente sobre os aspectos negativos desses produtos ou sobre sua composição nutricional, além de veicularem informações confusas e/ou enganosas para o consumidor.

Há também legislações específicas sobre a publicidade para o público infantil, como a Resolução nº 163/2014 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), que regulamentou a publicidade abusiva voltada a crianças e adolescentes. No entanto, não há fiscalização e denúncias sobre esses temas, por falta de conscientização das autoridades e da própria sociedade sobre os malefícios desses produtos.

Rotulagem

O modelo atual de rotulagem de alimentos busca fornecer à população informações sobre as principais características da composição nutricional de cada alimento. Em 2006, o Brasil adotou uma regulação para os rótulos dos alimentos, incluindo informações relativas à composição nutricional.

Essas informações aparecem em uma tabela nutricional, em geral na parte de trás dos rótulos. Contudo, segundo avaliações de organizações da sociedade civil e de especialistas, esse modelo dificulta a compreensão das informações sobre os alimentos. Isso torna o modelo pouco eficaz para garantir uma decisão bem informada.

Uma pesquisa realizada em 2016 pelo Idec mostrou que 39,6% das pessoas disseram entender parcialmente ou muito pouco as informações da tabela nutricional – somando o grupo que disse não entender nada (0,4%), chega a 40% a parcela dos que admitem ter dificuldade de compreensão. As principais dificuldades apontadas foram letra pequena (61%), uso de termos técnicos (51%), poluição visual do rótulo (46,4%) e a necessidade de se fazer cálculos (41,6%).

Por conta dos problemas encontrados no modelo utilizado no Brasil o assunto foi pautado pela Anvisa entre 2014 e outubro de 2020. A sociedade civil apoiou uma proposta recomendada pela Opas (Organização Pan Americana da Saúde), que propõe o uso de alertas na parte da frente dos produtos, com os dizeres “alto em” para informar sobre excesso de sódio, gorduras e açúcares, além de um selo específico para adoçantes – uma forma de evitar que as empresas driblem a restrição ao açúcar trocando-o por adoçantes, que também devem ser consumidos com moderação.

Além disso, a proposta previa que qualquer produto que recebesse esse sinal deveria ser impedido de ter referências positivas na embalagem no formato de alegações – como “rico em vitaminas”, por exemplo. A intenção dessas mudanças é passar para os consumidores as informações mais importantes de forma direta e clara.

A rotulagem de advertência já está em vigor em países como Chile, Peru e Uruguai, e mais recentemente no México, e tem mostrado resultados. No Chile, pesquisa realizada um ano após a implementação da medida em 2016 ouviu mães de crianças entre 2 e 14 anos, normalmente responsáveis pelas compras de alimentos nos domicílios, e mais de 90% delas afirmaram compreender e aprovar a presença do sinal de advertência. A compra de alimentos considerados altos em açúcar também caiu: 25% para bebidas e 14% para cereais.

No Brasil, a indústria alimentícia, ciente da necessidade de mudança nos rótulos, apresentou sua própria sugestão. A proposta era um selo em formato de semáforo, que relaciona as cores com as quantidades dos componentes prejudiciais à saúde: verde (baixo), amarelo (médio) e vermelho (alto).

Um dos principais problemas desse modelo é permitir que supostos aspectos positivos dos produtos sejam ressaltados. Um produto alto em sódio pode destacar o fato de ter baixa quantidade de açúcares, por exemplo.

Em 2020, a Anvisa aprovou uma nova norma de rotulagem nutricional de alimentos. Ela prevê melhorias significativas na tabela nutricional e inclui uma rotulagem nutricional frontal no formato de lupa para os alimentos considerados altos em açúcar adicionado, sódio e gordura saturada. A norma aprovada prevê dois anos para adequação das empresas e mantém a possibilidade de o fabricante destacar outros pontos positivos na embalagem, como alegações do tipo “rico em vitaminas”, entre outras. Os limites adotados para a identificação de produtos “alto em” e o modelo de design ainda não tem pesquisas que comprovam a sua eficácia.

Políticas fiscais

A mudança na política tributária brasileira é fundamental para melhorar a qualidade da alimentação no país. É preciso aumentar a tributação de ultraprocessados e diminuir ou até zerar impostos sobre alimentos in natura, especialmente aqueles produzidos em modelos agroecológicos.

A OMS indica, desde 2016, o aumento de ao menos 20% nos impostos sobre bebidas açucaradas como estratégia para reduzir os índices de ingestão de açúcar na população. A proposta já foi adotada em diversos países, como França, Hungria, Irlanda, México e Noruega, além de alguns estados dos Estados Unidos.

Em 2014, o México adotou uma taxa para a venda de refrigerantes. Os resultados dessa política, avaliados em 2019 por uma pesquisa realizada pela Universidade da Carolina do Norte dos Estados Unidos em parceria com pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde Pública do México, mostram que o consumo dessas bebidas diminuiu no país, especialmente no grupo de consumidores que mais compravam refrigerantes antes da taxação.

Na mesma linha, uma pesquisa feita no Brasil, com base nos dados da POF, avaliou que um aumento de 10% no preço das bebidas açucaradas conduziria a uma redução de 8,5% na ingestão de calorias provenientes desses produtos.

O país, no entanto, hoje, segue na contramão desse movimento. Segundo a coalizão Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, até cinco vezes mais impostos incidem sobre alimentos saudáveis do que sobre ultraprocessados. Em parte, isso se dá por conta de incentivos e renúncias fiscais aplicados pelo Estado brasileiro para produtos industrializados. Os refrigerantes são o maior exemplo: as grandes empresas do ramo estão na Zona Franca de Manaus e, devido aos incentivos fiscais da região, são isentas de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Estima-se que a renúncia fiscal ao setor chegue a retirar R$ 7 bilhões por ano dos cofres públicos.

NA PRÁTICA

As coberturas de alimentação e de economia são, em geral, realizadas por editorias diferentes. Esse é um desafio quando o assunto é a indústria alimentícia, já que dessa forma é mais difícil relacionar esses temas. Em geral, a cobertura dada às empresas é puramente econômica e não leva em consideração as externalidades negativas que afetam a sociedade. Em outras palavras, os resultados financeiros não são contrabalanceados com os prejuízos à saúde, à sociedade e ao meio ambiente causados pela indústria alimentícia.

Recomendações para embasar a cobertura:

  • Identificar possíveis conflitos de interesse em pesquisas, bem como seus patrocinadores.
  • Não aceitar convites para viagens custeadas por empresas.
  • Buscar fontes independentes, sem ligação com a indústria.
  • Ao falar sobre saúde pública, trazer o ponto de vista de todos os envolvidos naquela discussão.
  • Quando o assunto for imposto, ampliar o foco para abarcar todos os pontos de influência de uma indústria. Se uma empresa está pleiteando isenção fiscal por gerar empregos, apurar quantos empregos, com que nível salarial, qual a infraestrutura pública exigida, se há poluição ou outro tipo de dano ambiental em sua atuação e se o tipo de produto traz prejuízos à saúde da população.

Análise de casos

Nesta seção, estudamos matérias sobre o assunto, com exemplos de como as abordagens podem ser ampliadas

Não há comprovação de que taxar refrigerante reduz obesidade, diz ABIR

Essa matéria, de janeiro de 2020, repercute com a ABIR (Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas) a possibilidade de aumento de impostos sobre bebidas açucaradas.

Acesse a matéria

PONTOS DE ATENÇÃO

  • Matéria baseada inteiramente no comunicado de uma associação de indústrias, sem citar nenhuma fonte que apresente uma visão divergente sobre o tema.
  • Os dados apresentados vêm direto do release. São um exemplo da estratégia da indústria de selecionar dados que beneficiam seus interesses.
  • Há argumentos fortes contrários à tese da indústria, que deveriam estar presentes na mesma matéria, além de exemplos internacionais que demonstram que taxar refrigerantes ajuda no controle da obesidade.

Burger King lança vídeo de lanche se decompondo e anuncia banimento de conservantes

O texto, publicado em fevereiro de 2020, anuncia que uma rede de fast-food deixará de usar conservantes em seus sanduíches.

Acesse a matéria

PONTOS DE ATENÇÃO

  • O texto admite como confiável o anúncio da empresa, sem buscar nenhuma comprovação com outras fontes ou pesquisas independentes.
  • Não há detalhes sobre quais conservantes estão sendo banidos, para uma possível confirmação ou confronto com outros dados.
  • A redução ou não utilização de conservantes artificiais, ainda que seja verdadeira, não garante a qualidade nutricional dos produtos, que podem continuar apresentando quantidades excessivas de sódio, gorduras ou a presença de outros ingredientes prejudiciais à saúde.

Catarinense pagará mais caro por alimentos a partir desta segunda-feira

Essa matéria, de setembro de 2019, repercute a retirada de incentivos fiscais de indústrias alimentícias no estado de Santa Catarina, anunciando aumento de preços nos mercados.

Acesse a matéria

PONTOS DE ATENÇÃO

  • O texto destaca o aumento de preço que poderá ocorrer em uma série de produtos industrializados – quase todos ultraprocessados – sem ampliar a discussão sobre a qualidade dos alimentos ou qualquer outra externalidade.
  • O texto foca no aumento do custo de vida, mas não no aumento da arrecadação de impostos, que pode beneficiar a população.
  • Dá destaque para argumentos em forma de ameaça por parte das empresas.