As DCNTs (doenças crônicas não transmissíveis) são um dos maiores problemas de saúde pública no planeta. Essa gama de enfermidades, caracterizada por não apresentarem um agente infeccioso como causador, inclui hipertensão (pressão alta), diabetes, doenças cardiovasculares (doenças do coração), câncer, dentre outras doenças. Estimativas da OMS (Organização Mundial da Saúde) indicam que as DCNTs foram responsáveis por 41 milhões de mortes no mundo em 2016, o que representa 71% das mortes no período.

No Brasil, essas doenças representam a maior causa de mortes. Em 2016, representaram 74% do total, com destaque para doenças cardiovasculares (28%), os diversos tipos de câncer (18%), as doenças respiratórias (6%) e o diabetes (5%). Cerca de 40% da população adulta brasileira sofre de pelo menos uma DCNT, segundo dados da PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) de 2013.

As DCNTs são caracterizadas por terem desenvolvimento de longo prazo e por terem múltiplas causas. Entre os fatores de risco para seu aparecimento estão tabagismo, sedentarismo, alimentação não saudável e excesso de peso.

A alimentação não saudável é um dos fatores mais importantes para o surgimento dessas doenças. Além de contribuir decisivamente para o sobrepeso e a obesidade, que também são fatores de risco para algumas doenças, a má alimentação está relacionada com hipertensão, doenças cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de câncer. Este capítulo traz a relação entre alimentação e enfermidades, além de dados sobre a incidência das DCNTs no Brasil e a discussão sobre políticas públicas.

Transição epidemiológica

O Brasil, bem como a maior parte dos países em desenvolvimento, está passando por um processo de transição epidemiológica: enquanto as doenças infecciosas (como sarampo, tuberculose e outras) tornam-se menos prevalentes, as DCNTs passam a causar a maior parte dos problemas de saúde e mortes no país. Avanços na estrutura de saneamento básico, aumento no acesso à saúde, mudanças no padrão de renda e diminuição da taxa de natalidade são alguns dos fatores envolvidos nessa mudança. Esse processo está ligado à transição nutricional descrita no capítulo 2.

Enquanto a transição nutricional está ligada aos alimentos consumidos no país e afeta os tipos de DCNTs mais prevalentes, a mudança epidemiológica tem a ver com a diminuição da proporção de problemas de saúde causados por agentes infecciosos e com o aumento nos casos de DCNTs.

O capítulo 2 mostra que a população brasileira vem passando por um processo de transição nutricional nas últimas décadas. A mudança dos hábitos alimentares foi um dos fatores que fez com que o país passasse a sofrer menos com os efeitos da desnutrição – que ainda não foi superada – e a apresentar altos índices de sobrepeso e obesidade.

Transição nutricional em números

No Brasil, essas mudanças só podem ser examinadas com detalhes a partir de 1975, ano da realização do primeiro inquérito representativo da situação nutricional do país, o Endef (Estudo Nacional de Despesa Familiar). Essa pesquisa serviu como base para a realização da primeira POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), publicada em 1988.

IMC (Índice de Massa Corporal)
Apesar de ser insuficiente para o acompanhamento individual – já que não considera os fatores que levam ao aumento de peso – é um importante indicador de saúde pública e serve para comparação do estado de saúde entre populações
COMO É CALCULADO
CLASSIFICAÇÃO

As pesquisas trazem dados de desnutrição, sobrepeso e obesidade que mostram a evolução desse processo no tempo. Dados de doenças específicas são mapeados pelo inquérito Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas), realizado anualmente desde 2006, e pela PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), feita em 2013.

A transição nutricional pode ser demonstrada com a comparação entre as taxas de crianças com baixa estatura ao longo do tempo. Em 1975, 26% das crianças brasileiras menores de cinco anos que viviam em cidades apresentavam baixa estatura para a idade. No meio rural, esse número chegava a 40%. Já em 2009, o número de crianças com baixa estatura chegou a 6%, tanto nas áreas urbanas como nas rurais.

Ao mesmo tempo em que a desnutrição em crianças entra em declínio, as taxas de sobrepeso e obesidade na população brasileira aumentam em um ritmo acelerado. Os dados de 1975 mostram que 24% dos homens e 26% das mulheres apresentaram IMC abaixo do esperado. Já a obesidade era prevalente em 2% dos homens e aproximadamente 7% das mulheres.

Contudo, os números da POF 2008-2009 mostram que essa situação se inverteu. O déficit de peso em mulheres adultas chegou a 3,6% e entre homens, a 1,8%. Já os níveis de excesso de peso chegaram a 50% da população masculina e 48% da feminina, enquanto a obesidade atingiu 12% dos homens e 17% das mulheres.

O Vigitel, embora use metodologia diferente, mostra que a tendência de alta no excesso de peso nos anos mais recentes continuou. Em 2006, 47% dos homens e 38% das mulheres apresentaram excesso de peso. A obesidade atingia 11% dos homens e 12% das mulheres. Já os dados de 2018 mostram 58% dos homens e 54% das mulheres com excesso de peso, enquanto a obesidade chegou a 18% dos homens e 20% das mulheres.

Dados de 2019 da PNS mostram que a proporção de obesos na população com mais de 20 anos era de 12,2% em 2003 e em 2019 passou para 26,8%. A prevalência da obesidade entre as mulheres aumentou de 14,5% para 30,2%, e nos homens de 9,6% para 22,8% no período.

IMC (Índice de Massa Corporal)
Apesar de ser insuficiente para o acompanhamento individual – já que não considera os fatores que levam ao aumento de peso – é um importante indicador de saúde pública e serve para comparação do estado de saúde entre populações
COMO É CALCULADO
CLASSIFICAÇÃO

Alimentação é fator fundamental para o excesso de peso

A relação entre alimentação inadequada e excesso de peso já está bem estabelecida. O consumo de ultraprocessados está ligado à epidemia global de obesidade. O estudo Global trends in ultra-processed food and drink product sales and their association with adult body mass index trajectories (Tendências globais em vendas de produtos ultraprocessados e sua associação com a trajetória do IMC de adultos, em tradução livre) analisa dados de 80 países para mostrar que, quanto maiores as vendas de alimentos e bebidas ultraprocessados, maiores os índices de obesidade.

Na América Latina, os dados da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) apontam para a mesma direção. Nos países onde a venda de produtos ultraprocessados é menor e ainda prevalecem os padrões de alimentação tradicional, como Bolívia e Peru, verificou-se uma massa corporal média menor. Nos países onde a venda desses produtos é maior, como México e Chile, a massa corporal média foi maior.

Essa correlação pode ser explicada por uma série de fatores. Os ultraprocessados apresentam excesso de açúcar, sódio e gorduras saturadas, com baixo teor de fibras, proteínas, vitaminas e minerais. Assim, promovem aumento de peso por meio da alta densidade energética e porções grandes, que induzem o consumidor a comer mais do que o necessário.

O uso de formulações industriais como aromatizantes nos ultraprocessados parece prejudicar ainda os mecanismos corporais de saciedade, fazendo com que os indivíduos consumam maior quantidade do que o necessário, em um comportamento semelhante ao vício.

Além de dados robustos de associação entre consumo de produtos ultraprocessados e aumento de peso na população, as evidências dessa relação em estudos científicos também vêm aumentando. Publicado pela Cell Metabolism em 2019, o estudo Ultra-processed diets cause excess calorie intake and weight gain (Dietas ricas em ultraprocessados causam ingestão excessiva de calorias e ganho de peso, em tradução livre) mostrou pela primeira vez uma relação causal direta entre o consumo de ultraprocessados e a maior ingestão calórica e ganho de peso.

O estudo selecionou 20 pessoas, que foram divididas em dois grupos e tiveram sua alimentação controlada por quatro semanas: em duas delas, receberam apenas ultraprocessados, e nas outras duas semanas, apenas alimentos in natura e minimamente processados. Cada pessoa teve acesso a duas vezes a quantidade de calorias diárias necessárias e não havia restrição da quantidade a ser ingerida. As duas dietas foram calculadas para que tivessem quantidades equivalentes de açúcares, gorduras, fibras e macronutrientes (carboidratos, proteínas e gorduras). Ao final do experimento, constatou-se um consumo de 500 calorias por dia a mais nos períodos em que os participantes receberam alimentos ultraprocessados. Como consequência, as pessoas ganharam peso no período de consumo desse tipo de produto e perderam durante a alimentação com alimentos não processados.

O sobrepeso e a obesidade estão associados a doenças cardiovasculares – entre elas hipertensão e AVC (acidente vascular cerebral) –, diabetes, problemas músculo-esqueléticos e diversos tipos de câncer, causando uma sobrecarga ao sistema de saúde. Dos fatores de risco para a obesidade, a alimentação é considerada uma das condições mais possíveis de serem mudadas individualmente. Porém, a alimentação adequada só pode ser atingida em nível populacional com a adoção de medidas que modifiquem o ambiente alimentar, como a regulação da publicidade, o aprimoramento da rotulagem nutricional e as demais políticas públicas mencionadas com capítulo 2.

O consumo exagerado de produtos ultraprocessados, bem como o sobrepeso e a obesidade, fazem parte do cenário que colabora com a tendência de crescimento das DCNTs no país.

Estatísticas de DCNTs no Brasil

Hipertensão, diabetes e câncer estão entre as DCNTs de maior impacto na saúde dos brasileiros. Analisando dados da POF e do Vigitel, é possível perceber a relação entre o crescimento dessas doenças e as mudanças recentes nos hábitos alimentares dos brasileiros, com forte aumento no consumo de produtos ultraprocessados.

ENTENDA AS DIFERENÇAS
VIGITEL
Vigilância de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico
O que é
Inquérito telefônico que faz parte das ações do Ministério da Saúde para monitorar a frequência e a distribuição de fatores de risco e proteção para doenças crônicas não transmissíveis
Quando
Foi implantado em 2006 e é realizado anualmente
Abrangência
Realizado por amostragem na população adulta residente em domicílios com linha de telefone fixo, nas capitais e no Distrito Federal
Indicada para
Avaliar tendências em saúde anualmente
PNS
Pesquisa Nacional de Saúde
O que é
Inquérito domiciliar realizado por IBGE e Fiocruz que pesquisa as características de saúde da população brasileira 
Quando
Foi realizada em 2013. A segunda pesquisa está sendo realizada em 2020 e deverá ser divulgada em 2021
Abrangência
Nacional, usa a mesma base amostral da PNAD 
Indicada para
Dados detalhados sobre saúde

Hipertensão

A hipertensão arterial é uma DCNT caracterizada pelos níveis elevados da pressão sanguínea nas artérias, o que pode levar à ocorrência de AVC, infarto, aneurisma arterial e insuficiência renal e cardíaca. O consumo excessivo de sódio é um os fatores mais relacionados à hipertensão. De acordo com a OMS, o consumo diário máximo de sal é de 5 gramas, o que corresponde a 2 gramas de sódio. De acordo com a POF 2008-2009, a ingestão diária média de sódio pela população brasileira é de 3,2 gramas.

O sódio está presente no sal de cozinha, temperos prontos e outros produtos ultraprocessados, inclusive de sabor doce. Os dados da POF mostram que entre 2003 e 2008, a participação dos ultraprocessados no consumo total de sódio pela população cresceu quase 20%, e que o consumo de sal de cozinha está reduzindo progressivamente. Ou seja, a contribuição dos produtos ultraprocessados para o consumo excessivo de sódio é cada vez maior.

Os dados de 2018 do Vigitel mostram que a hipertensão é a DCNT mais comum no país, atingindo cerca de um quarto da população: 22% dos homens e 27% das mulheres afirmaram ter recebido diagnóstico da doença. Em 2006, esses números eram de 18% para homens e 24% para mulheres.

Já a PNS, realizada em 2013, mostra que a proporção de indivíduos de 18 anos ou mais que referem diagnóstico de hipertensão arterial no Brasil foi de 21,4%. O Sudeste foi a região com maior proporção de indivíduos adultos com diagnóstico de hipertensão: 23%. No Nordeste o número foi de 19% e no Norte, 14%.

Diabetes

O diabetes é uma doença causada pela produção insuficiente ou má absorção de insulina, hormônio que regula a glicose no sangue. A doença pode causar o aumento da glicemia e as altas taxas podem levar a complicações no coração, nas artérias, nos olhos, nos rins e, em casos mais graves, levar à morte.

O diabetes tipo 2, que pode aparecer ao longo da vida, está relacionado à alimentação, especialmente ao alto consumo de açúcar. A recomendação da OMS para o consumo de açúcar adicionado (os que não estão presentes naturalmente nos alimentos) é de no máximo 10% das calorias diárias, preferencialmente reduzidas para 5%. No Brasil, esse consumo é de 16,3%. Ao longo do tempo, o açúcar refinado e outros adoçantes calóricos (como o mel) têm diminuído sua participação no total de açúcar consumido, enquanto o consumo desse ingrediente em produtos ultraprocessados, como refrigerantes, balas, chocolates e biscoitos, tem aumentado. Os dados do Vigitel mostram um aumento de 40% nos casos de diabetes no Brasil entre 2006 e 2018: de 5,5% para 7,7%. As mulheres ainda sofrem mais com o diabetes (8% contra 7% dos homens), mas eles apresentaram um crescimento maior no mesmo período: 61% de aumento no número de diagnósticos.

Em 2013, a PNS estimou que no Brasil 6,2% da população de 18 anos ou mais de idade receberam diagnóstico médico de diabetes. Em relação às faixas etárias, o percentual foi de 0,6% para aqueles de 18 a 29 anos de idade e de 19,9% para as pessoa de 65 anos a 74 anos de idade. Em relação à escolaridade, a faixa que apresenta maior predominância de diagnóstico de diabetes é a de pessoas sem educação formal e com ensino fundamental incompleto, com 9,6%.

INCIDÊNCIA  de hipertensÃO E DIABETES Em porcentual da população adulta nas capitais e Distrito Federal

Câncer

Em 2013, a PNS estimou que 1,8% dos adultos receberam diagnóstico médico de câncer no Brasil. A proporção na área urbana foi significativamente maior do que na área rural: 1,9% e 1,2%, respectivamente.

A relação da alimentação com o câncer, embora ainda não totalmente estabelecida, é cada vez mais comprovada. Um estudo observacional divulgado em 2018 pelo British Medical Journal, realizado entre 2009 e 2017 com 105 mil pessoas, encontrou uma associação entre o consumo de produtos ultraprocessados e um aumento nos casos de câncer: um aumento de 10% na proporção de produtos ultraprocessados na dieta foi associado a um aumento de mais de 10% nos riscos de câncer.

Já a relação entre carnes processadas (como presunto e bacon, por exemplo) e câncer é mais bem estabelecida. A IARC (Agência Internacional de Pesquisa em Câncer), que faz parte da OMS, lançou em 2018 uma publicação em que analisa mais de 800 estudos ao redor do mundo relacionados ao consumo de carne processada e seus impactos nos casos de câncer. A análise dos dados concluiu que há evidências suficientes para afirmar que quanto maior o consumo de carnes processadas, maior a quantidade de casos de câncer colorretal e de estômago.

De acordo com o INCA (Instituto Nacional do Câncer), cerca de 13 em cada 100 casos de câncer no Brasil são atribuídos ao sobrepeso e à obesidade. O excesso de peso corporal está associado ao risco de desenvolver 13 tipos de câncer: esôfago, estômago, pâncreas, vesícula biliar, fígado, intestino, rins, mama, ovário, endométrio, meningioma, tireoide e mieloma múltiplo. Existe ainda uma possível relação entre peso e tumores de próstata, mama (homens) e linfoma difuso de grandes células B.

Sindemia global de Obesidade, Desnutrição e Mudanças Climáticas

Mudanças climáticas, obesidade e desnutrição, três epidemias que atingem o mundo atualmente, têm as mesmas causas e podem ser consideradas uma sindemia global. Essa é a tese defendida pelo relatório A sindemia global da obesidade, desnutrição e mudanças climáticas, publicado em 2019 por uma Comissão indicada pela revista científica The Lancet. O projeto contou com a participação de 26 especialistas de 14 países pelo período de três anos.

A tese defendida pelos pesquisadores é que os métodos agrícolas utilizados pelas grandes monoculturas de alimentos são a causa fundamental da emergência climática. A agricultura intensiva é responsável por quase um terço de todas as emissões de gases de efeito estufa e seus métodos de produção causam degradação do solo, desmatamento, perda de biodiversidade e contaminação de corpos aquáticos.

SINDEMIA GLOBAL EM 3 ETAPAS
1. Partindo dos sistemas naturais, diferentes fatores de ação humana interagem entre si moldando as condições de vida no planeta
2. Alterações nesses fatores, causadas pela forma de produção dos alimentos, impactam tanto o ambiente quanto os indivíduos
3. A partir disso, as três epidemias geradas interagem entre si, multiplicando seus efeitos e se retroalimentando

Os tipos de alimentos cultivados nas monoculturas são usados fundamentalmente nas indústrias alimentícias. Soja e milho são usados como insumos na indústria agropecuária, que também contribui de maneira importante para as mudanças climáticas com as emissões de gás metano. Essas culturas, juntamente com o trigo, abastecem a indústria alimentícia, que fabrica os produtos ultraprocessados, altamente ligados com a obesidade e todas as formas de má nutrição.

O relatório aponta que as ações mais eficazes para a reversão desse quadro devem ser pensadas para atacar as três epidemias ao mesmo tempo. Reduzir a produção e consumo de carne vermelha, por exemplo, é uma ação que busca ao mesmo tempo melhorar a saúde e reduzir índices de obesidade, liberar terra para agricultura sustentável e diminuir a emissão de gases de efeito estufa.

A discussão sobre a sindemia global ainda é nova. Uma mudança de paradigma como a que esse trabalho oferece demora para ser absorvida por Estados e sociedade civil, mas esse é um dos temas que nortearão as discussões sobre alimentação daqui para frente. O acúmulo de evidências que mostra que o sistema alimentar é a causa principal da emergência climática não deve mais ser negligenciado na cobertura jornalística.

Políticas Públicas voltadas ao combate às doenças crônicas

As principais ações propostas pelo governo brasileiro contra as DCNTs estão no Plano de ações estratégicas para o enfrentamento das doenças crônicas não transmissíveis 2011-2022. O documento prevê políticas nas áreas de vigilância, promoção da saúde (que envolve promoção da atividade física, da alimentação saudável e do envelhecimento ativo, além de combate ao tabagismo e ao consumo de álcool) e intervenções no SUS (Sistema Único de Saúde) para a implantação do cuidado integral relacionado às DCNTs.

Na área da alimentação, algumas ações se destacam. A primeira é a promoção de ações de alimentação saudável no PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar). O programa tem como objetivo regular a alimentação escolar no país e é responsável por garantir o acesso a uma alimentação adequada e saudável a mais de 40 milhões de estudantes. O capítulo 4 traz mais detalhes sobre o PNAE.

Para buscar o aumento da oferta de alimentos saudáveis para os alunos, foram estabelecidos acordos e parcerias com a sociedade civil (agricultores familiares, pequenas associações e outros) para o aumento da produção e da oferta de alimentos in natura, com incentivo à produção familiar e orgânica. A produção de alimentos será discutida no capítulo 6.

Outro ponto proposto é a regulação da composição nutricional de alimentos processados. Foi estabelecido um acordo com o setor produtivo, com vistas à prevenção das DCNTs, para a redução do sódio e do açúcar nos produtos processados e ultraprocessados.

Em 2011 houve um acordo com as associações das grandes indústrias para a redução do nível de sódio dos alimentos. A avaliação técnica do Ministério da Saúde de 2018 mostra que o acordo não está sendo totalmente cumprido. Além disso, especialistas consideram que alguns produtos jamais terão uma composição adequada, pois são ricos em sódio em sua concepção. Outra crítica é que as metas são tímidas, os prazos são longos e não diminuem o consumo de sal de forma eficiente.

Em 2019, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) decidiu pelo banimento da gordura trans em alimentos fabricados no país. A data limite estabelecida para a indústria se adaptar a essa regra foi 1º de janeiro de 2023. Especialistas também criticam o prazo de implementação, pois essa decisão demorou para ser tomada, mesmo em face do impacto negativo comprovado do consumo da gordura trans na saúde.

A regulação da publicidade de alimentos, especialmente voltada para crianças, também faz parte do plano. O CDC (Código de Defesa do Consumidor) já prevê que a publicidade de qualquer produto direcionada para a público infantil é abusiva, mas a lei não é efetiva. Esse tema é abordado no capítulo 7. Outros pontos que não obtiveram avanços significativos foram a revisão das normas de rotulagem nutricional (ainda sem decisão final) e a diminuição do preço de alimentos saudáveis. Outro documento de governo para o enfrentamento das DCNTs é a Estratégia Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade: recomendações para estados e municípios, lançada em 2014 pela Caisan (Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional). A estratégia reúne diversas ações do governo federal que contribuem para a redução da obesidade para serem aplicadas pelas cidades e estados. Os objetivos principais do plano são melhorar o padrão de consumo de alimentos, com aumento na disponibilidade de alimentos saudáveis; promover a substituição do consumo de produtos processados e ultraprocessados por alimentos in natura e minimamente processados; promover a prática de atividade física e organizar a linha de cuidado para atenção integral à saúde do indivíduo com sobrepeso ou obesidade.

No âmbito internacional, o Plano de Ação para a Prevenção da Obesidade em Crianças e Adolescentes, elaborado em 2014 pela Opas (Organização Pan-Americana da Saúde), fornece linhas de ação estratégica para intervenções de saúde pública para conter a progressão da epidemia de obesidade em crianças e adolescentes. É um plano quinquenal que tem como meta evitar que os índices de obesidade continuem aumentando. As ações estão divididas nas áreas de atenção primária à saúde e promoção de aleitamento materno e alimentação saudável, melhoria de ambientes de nutrição e atividade física escolar, políticas fiscais e regulamentação do marketing e rotulagem de alimentos e vigilância, pesquisa e avaliação.

A ACT Promoção da Saúde publicou, em 2019, o Relatório da sociedade civil sobre a evolução dos indicadores de prevalência dos principais fatores de risco e de proteção para avaliar a Estratégia Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade: recomendações para estados e municípios. De acordo com o documento, apesar de uma leve melhora nos índices de ingestão de legumes e verduras, associada a uma diminuição importante no consumo frequente de refrigerante, os índices de sobrepeso e obesidade seguem em crescimento no país, bem como o de DCNTs associadas à alimentação, como hipertensão e diabetes. As ações de regulação da publicidade e de incentivos fiscais à alimentação saudável são as que menos avançaram no período.

Apesar de existirem diversos planos e diretrizes, nacionais e internacionais, voltados ao controle da obesidade e das DCNTs, os dados de saúde no Brasil e no mundo indicam que esse objetivo ainda está longe de ser alcançado. Afinal, as DCNTs seguem sendo a principal causa de morte em todo o mundo e, até o momento, nenhum país foi capaz de reverter as tendências de aumento do excesso de peso e da obesidade na população. Isso mostra a necessidade de colocar em prática as ações já planejadas e estabelecer outras. Entre os principais desafios para que as ações mais efetivas sejam colocadas em prática está a interferência das grandes indústrias de produtos ultraprocessados na tomada de decisão sobre quais políticas públicas devem ser priorizadas. Esse tema será tratado no capítulo 7.

NA PRÁTICA

A relação entre saúde e alimentação é bem estabelecida, porém é um terreno perigoso, em que generalizações e falta de embasamento em evidências são comuns.

Pontos importantes para evitar deslizes:

  • Obesidade é uma questão de saúde pública que demanda estratégias coletivas de enfrentamento. É preciso evitar o discursos da força de vontade individual e focar em políticas públicas baseadas em evidências.
  • A educação alimentar é importante, mas sozinha não funciona para melhorar a alimentação da população como um todo.
  • Nenhum alimento – ou mesmo uma lista deles – cura ou evita uma DCNT. Indicar alimentos específicos como se fossem fundamentais para lidar com uma enfermidade não tem base científica. Para evitar essas doenças, a indicação é evitar o consumo de produtos ultraprocessados ao longo da vida.
  • Alguns estudos sugerem descobertas sensacionais no título, mas apresentam limitações que impossibilitam a generalização de seus resultados. Pesquisas com animais ou feitas com um número reduzido de pessoas devem ser lidas com cautela e nem sempre possuem relevância para serem reportadas na imprensa. Além disso, é preciso verificar a fonte de financiamento da pesquisa para verificar possíveis conflitos de interesse.
  • Escolha bem as fontes das matérias. Busque o currículo Lattes do pesquisador e sua relevância para o campo. Quando o entrevistado focar sua carreira no consultório, é importante verificar sua trajetória para saber se é um profissional atualizado e tem conhecimento em saúde pública. Número de seguidores nas redes sociais e clientes famosos não devem ser fatores relevantes para a escolha da fonte.
  • É comum que grandes empresas ou associações de produtores encomendem pesquisas que validem seus produtos frente a comunidade científica, a imprensa e a sociedade. Por isso, é importante conhecer as disputas presentes em assuntos polêmicos e identificar os atores envolvidos e seus interesses.
  • Cultive fontes independentes com quem possa contar para tirar dúvidas sobre novos estudos ou anúncios de políticas públicas.

Análise de casos

Nesta seção, estudamos matérias sobre o assunto, com exemplos de como as abordagens podem ser ampliadas

Qual impacto que a má alimentação quando jovem nos trará na velhice?

Esse texto de janeiro de 2020 traz uma reflexão sobre como os hábitos de vida na juventude afetam a saúde na terceira idade. Nenhuma das afirmações do texto está incorreta. Os dados são relevantes para o interesse público e a reflexão é necessária, mas há alguns pontos que podem ter outros tipos de abordagem.

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PONTOS DE ATENÇÃO

  • A questão é posta como se a má alimentação fosse apenas uma decisão individual, e não uma consequência do ambiente alimentar no qual cada um está inserido.
  • As condições de vida da maior parte da população tampouco foram analisa- das. Jovens não raro precisam combinar estudos e trabalho, além de, em ambientes urbanos, gastarem tempo excessivo dentro do transporte público.
  • Foram destacados nutrientes específicos para a saúde de todas as pessoas, quando na verdade só um profissional pode identificar os níveis adequados de nutrientes de acordo com as características e estado de saúde de cada indivíduo.
  • Não há menção às questões coletivas que envolvem a alimentação e outros hábitos saudáveis.

Consumir mais de 5 gramas de sal por dia ameaça o sistema circulatorio

O texto, de 2012, aponta a relação entre o consumo de sal e problemas no sistema circulatório.

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PONTOS DE ATENÇÃO

  • A matéria, embora comente que o sal que consumimos não está só no saleiro, não fala de pesquisas e nem apresenta dados de que o consumo de sal presente em produtos ultraproces- sados é que vem aumentando.
  • Dá a entender de que basta verificar o rótulo de um produto alimentício para que seja possível compreender que há sal em excesso.
  • Poderia também discutir outras medidas para a redução do consumo de sal.

7 alimentos inusitados que abaixam a pressão

Essa matéria de 2013 é um caso clássico de lista de alimentos que podem ajudar a lidar com a hipertensão.

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PONTOS DE ATENÇÃO

  • Entendimento da alimentação como uma junção aleatória de alimentos ingeridos, não como uma atividade cultural, coletiva e política.
  • Abordagem individual da hipertensão.
  • Uso de estudos pequenos e de pouca relevância.