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A monotonia das paisagens não é aleatória. Apesar de existirem quase 7 mil espécies de alimentos disponíveis, apenas 400 alimentos deste total são cultivados.
E ainda afunila mais: 75% das calorias que consumimos vêm de apenas seis produtos: trigo, milho, arroz, batata, soja e cana-de-açúcar.
Ou seja, não temos diversidade alimentar, e nossa alimentação está cada vez mais monótona e limitada às opções que os grandes mercados oferecem.
Isso é um dos reflexos do que chamamos de tríplice monotonia do sistema agroalimentar, que significa a concentração da produção, consumo e cultura alimentar em poucas opções.
O termo nasceu no meio científico e tem tomado as conversas cotidianas.
O objetivo do termo “monotonia das dietas” é analisar e criticar o sistema agroalimentar dominante, que, pelos seus modos de produzir, acabam por gerar custos ocultos e ameaças à sustentabilidade do planeta e à saúde das populações.
Este sistema agroalimentar dominante atual surgiu no momento pós-guerra com a Revolução Verde, sob a alegação de que era necessário produzir alimentos em larga escala para alimentar a população mundial.
E quando a gente fala de sistema agroalimentar, quer dizer o ambiente, pessoas, insumos, processos, infraestrutura, instituições – e também as atividades relativas à produção, ao processamento, à distribuição, ao preparo e ao consumo de alimentos.
Para entender os problemas que eles mascaram, mas a crise climática e a saúde escancara, vamos destrinchar o que quer dizer cada tripé dessa monotonia alimentar e as possíveis soluções para cada ponto.
1. Monotonia das paisagens agrícolas
Onde antes se viam florestas e biomas, como o Cerrado, agora percebe-se a expansão do agronegócio.
Vastos campos de monoculturas, como a soja, o trigo e o milho, com objetivo de produzir e exportar commodities (matérias-primas comercializadas em larga escala) e extensas áreas de pastagens, definem a transformação das paisagens do meio rural no país.
E se a gente reparar bem, essas matérias-primas são a base para a fabricação dos produtos ultraprocessados.
Além disso, parte importante desse cultivo também se destina à fabricação de ração para alimentar animais de corte.
Ou seja, grandes áreas de vegetação nativa e de vida e produção de povos e comunidades tradicionais são ameaçadas em prol da produção de uma pequena variedade de alimentos.
Monoculturas são altamente dependentes do uso intensivo de água, fertilizantes, agrotóxicos e tecnologias, esgotando os solos, poluindo as águas e minando a biodiversidade. A expansão desse modelo contamina o meio ambiente e as pessoas.
2. A unificação genética de animais da criação intensiva
Os animais utilizados para corte derivam praticamente da mesma matriz genética.
A indústria da carne seleciona animais com características específicas para maximizar a produção, o que pode resultar em uma diversidade genética reduzida.
Associado à isso, a produção intensiva de aves e suínos reúnem grande número de animais em espaços extremamente reduzidos, recorrendo amplamente ao uso de antibióticos. No caso da criação de galinhas em gaiolas, por exemplo, o espaço às vezes chega a ser menor que uma folha A4.
Por consequência, esses animais são altamente favoráveis ao desenvolvimento e à propagação de doenças contagiosas, induzindo ao uso de antibióticos em larga escala e, portanto, contribuindo para o avanço da resistência aos antimicrobianos, uma das mais importantes preocupações da Organização Mundial da Saúde (OMS).
3 A monotonia das dietas
Já reparou que, independente da cidade (e o bioma a qual ela faz parte) onde você esteja, os grandes mercados sempre apresentam opções muito semelhantes?
Apesar da imensa diversidade de espécies com potencial alimentar, o que encontramos nas prateleiras é uma oferta reduzida, resultado de um sistema que privilegia o cultivo de commodities.
Essa padronização não impacta apenas o campo, mas também o que chega à nossa mesa: a abundância de produtos ultraprocessados.
A grande disponibilidade desses produtos, associada a seus preços baixos, desestimula a demanda por alimentos in natura e contribui para a invisibilidade da produção diversificada.
É um ciclo que se retroalimenta, pois enquanto existem regalias para o cultivo de commodities, pequenos produtores têm dificuldade de acessar a créditos bancários para investirem em produções mais saudáveis e sustentáveis.
O que reflete, inclusive, na variedade de frutas, verduras e legumes, que também está cada vez menos diversa.
Assim, a monotonia das dietas reflete o estreitamento da diversidade de alimentos que chegam à nossa mesa, padronização que reduz a riqueza de sabores, nutrientes e culturas alimentares que poderiam compor nossa rotina.
Dessa forma, pessoas consumidoras ficam reféns de uma rotina alimentar baseada em produtos ultraprocessados, que apresenta impactos diretos na saúde, com associação ao aumento de doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, diabetes e problemas cardiovasculares.
Além disso, a perda de diversidade nos pratos significa também a perda de tradições culinárias e de vínculos culturais que reforçam identidades e modos de vida.
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